No cenário geral, o número de novas infecções na capital caiu quase 18% entre 2017 e 2018, passando de 3.826 registros para 3.145
As infecções por HIV registraram queda recorde na cidade de São Paulo no último ano, mas aumentaram entre os idosos, destaca o jornal O Estado de S. Paulo. Embora o grupo mais vulnerável ao vírus continue sendo o de homens jovens, a parcela da população maior de 60 anos foi a única, entre adultos, na qual foi observado crescimento dos casos de HIV, segundo dados da Secretaria Municipal da Saúde.
No cenário geral, o número de novas infecções na capital caiu quase 18% entre 2017 e 2018, passando de 3.826 registros para 3.145. Mesmo índice de redução foi observado na taxa de detecção que indica o número de infectados por 100 mil habitantes. O indicador passou de 32,7 para 26,8 no período analisado. É a maior queda desde 1996. Entre 2016 e 2017, a taxa de detecção já havia caído 1,9%.
Entre os idosos, o número de novos casos aumentou 15%, passando de 92 em 2017 para 106 no ano passado.
É a primeira vez, desde 2006, que a cidade observa diminuição da taxa de detecção por dois anos seguidos. “A queda consecutiva pelo segundo ano indica, em epidemiologia, uma tendência mais sólida de queda, e não algo apenas pontual”, destaca Cristina Abbate, coordenadora do Programa Municipal de DST/Aids da Prefeitura.
Segundo Cristina e outros especialistas no tema, o principal fator para a redução significativa no número de infecções foi a introdução, no SUS, da profilaxia pré-exposição (PrEP), terapia com medicamentos antirretrovirais oferecida a pessoas sem o HIV de forma preventiva. Geralmente, ela é indicada a grupos mais vulneráveis à infecção, como jovens homossexuais, profissionais do sexo ou casais em que apenas um dos parceiros é soropositivo.
“Foram vários fatores que contribuíram para essa queda, como aumento de testes realizados, oferta de camisinhas e ampliação do leque de opções de prevenção, como a profilaxia pós-exposição e pré-exposição. Mas se eu tiver de indicar o fator principal, foi a PrEP”, explica Cristina. A terapia passou a ser ofertada no SUS em janeiro de 2018 e hoje já é usada na cidade por cerca de 4 mil pessoas.
“Foi de fundamental importância porque foca nos grupos mais vulneráveis. É uma estratégia que funciona, mas que precisa ser ampliada para mais pessoas, incluindo idosos”, destaca Gisele Cristina Gosuen, consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia.
Idosos
A especialista, responsável pelo Ambulatório de HIV e o Envelhecer da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), destaca como causas para o aumento de casos entre idosos uma vida sexual mais ativa nessa geração, possibilitada por medicamentos para disfunção erétil e aplicativos de relacionamento.
Ela ressalta que as políticas públicas de HIV/Aids precisam também contemplar essa população. “Conversar com o idoso sobre sexo ainda é um tabu. As estratégias de prevenção e de tratamento são pensadas para os jovens. O idoso tem outro comportamento e condições de saúde que nem sempre permitem que ele inicie o tratamento com os mesmos medicamentos que o jovem”, afirmou.
Redes sociais
A experiência de receber o diagnóstico e viver com o HIV tem sido cada vez mais discutida nas redes sociais e em canais do YouTube. Criadas por jovens, as páginas abordam o tema sem julgamentos e tabus, mas não escondem os desafios do tratamento e os preconceitos da sociedade.
Criador de conteúdo sobre HIV, Lucas Raniel, de 27 anos, fez o primeiro vídeo sobre o tema há dois anos no Facebook. Com a repercussão, lançou um canal no YouTube chamado Falo Memo. Agora foca suas postagens no Instagram. “As pessoas não têm consciência de como funcionam as novas tecnologias para tratamento e prevenção, e não têm acesso a informações corretas.”
Ele diz que utiliza uma linguagem clara para dialogar com seus seguidores, a maioria jovens de 15 a 34 anos e do sexo masculino. “Eu me pego muito nas terminologias para humanizar a fala do HIV e da aids e reduzir o estigma e o preconceito. Não sou portador do vírus, porto meu CPF, RG. Sou uma pessoa que vive com o HIV, não convivo. Fui crescendo nas redes sociais por causa da minha fala sem estigma e sem terrorismo.”
Na avaliação de Raniel, o contágio na população jovem ocorre por múltiplos fatores, que vão desde a desinformação até situações de vulnerabilidade, como pessoas que fazem sexo sem proteção após o consumo excessivo de álcool. No caso de Raniel, o contato com o vírus ocorreu há seis anos, quando bebeu em uma festa e foi para a casa de um rapaz que conheceu em um aplicativo de relacionamentos. “Eu apaguei lá. Fui abusado. Foi chocante.”
Passo a passo
Mais de 39 mil pessoas acompanham o dia a dia do ator e youtuber Gabriel Comicholi, de 24 anos. No HDiário, ele compartilha informações sobre o vírus desde que recebeu o resultado positivo do teste, há três anos. “O canal acompanha minha trajetória no tratamento. Teve a primeira vez que tomei o medicamento e quando contei para a minha mãe. A ideia é ser um diário.” Além do YouTube, ele usa outras plataformas para falar sobre o tema, como Instagram e Facebook. “Tem um público diferente para cada.”
Estrategista de marketing digital e criador de conteúdo, João Geraldo Netto, de 37 anos, começou a produzir conteúdos sobre a vida com o HIV em 2008, mas nada profissional. “Vi que tinha retorno e isso foi me deixando empolgado em fazer com temas, quadros, chamando pessoas para entrevistar.”
Há três anos, ele criou o canal Super Indetectável. “É uma estratégia de comunicação em saúde que criei para atingir mais pessoas. As pessoas não se inscreviam quando tinha HIV (no nome). O HIV é tão estigmatizado que as pessoas não queriam estar associadas ao tema.”