Dois menores pobres de Santa Maria que participaram do assassinato dos estudantes da UDF confessaram à polícia que receberam para cometer o crime
Esta matéria foi publicada originalmente na edição de 6 de março de 1998 do Correio. Sua republicação faz parte do projeto Brasília Sexagenária, que até 21 de abril de 2020 trará, diariamente, reportagens e fotos marcantes da história da capital. Acompanhe a série no site especial e no nosso Instagram.
Duas vidas que se foram em troca de apenas R$ 40,00. Foi o que os dois menores, conhecidos como E.T. e Galileu, ganharam para participar do assassinato do casal de universitários, Gabriela Adler e Flávio Martins de Carvalho. Para os dois adolescentes de famílias pobres de Santa Maria a oferta era bastante atrativa. Ajudar Carlos Roberto Rodrigues, 21 anos, o Galego, a cometer mais um assalto em troca de alguns reais. Segundo o depoimento deles à polícia, E.T., de 15 anos, recebeu R$ 10,00. Galileu, de 16 anos, ganhou mais, pois além de ajudar no assalto, deu os dois tiros que mataram Flávio.
Os dois menores foram presos na quarta-feira em Santa Maria. Carlos Rodrigues, conhecido como Galego, já estava preso desde domingo em Luziânia. Na última sexta-feira, à noite, eles seqüestraram Gabriela, de 22 anos, e Flávio, de 25 anos, no estacionamento da Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal.
Galego rendeu os estudantes que conversavam no Fiat Tipo da moça. Assumiu a direção do veículo, enquanto os outros dois menores roubaram o Ômega de Flávio. Seguiram rumo à Saída Sul e numa estrada de chão perto de Luziânia executaram o casal. Depois incendiaram o Tipo com os dois corpos dentro. A polícia conseguiu chegar até eles, porque cometeram outro assalto em seguida semelhante no Novo Gama e acabaram deixando pistas.
Ontem, na Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA), E.T e Galileu admitiram a participação no assalto e na morte do casal de universitários, sem demonstrar arrependimento algum. Segundo um policial que acompanhou os depoimentos e pediu para não se identificar, os dois adolescentes responderam às perguntas de forma indiferente. “Parece que eles não têm noção do crime bárbaro que cometeram”, comentou.
E.T, em seu depoimento, afirma que quem matou o casal foram Galileu e Carlos Rodrigues. Ele conta que apenas ajudou no assalto e a incendiar o Fiat Tipo de Gabriela, com os corpos dela e de Flávio. “Não atirei nos dois. Ajudei a colocar apenas fogo no carro”, contou. Seu comparsa confirmou a história, confessando que ficou a seu cargo matar o rapaz e que a moça foi assassinada por Galego.
Os detalhes são cruéis. Os garotos contaram que Gabriela chorava muito e que viu o ex-namorado sendo morto com dois tiros por Galileu. Depois Galego teria tomado conta da situação. Primeiro esmurrou o rosto da moça para após matá-la com três tiros. Galileu ainda lembra que antes de matar Flávio, ele se ajoelhou e pediu para que não o matassem pelo amor de Deus. “Galego já tinha dito que os dois teriam de morrer. Por isso atirei no cara”, declarou.
Nos depoimentos os garotos jogam a responsabilidade pelo comando do crime em Galego. Os dois afirmaram que não atearam fogo no Tipo sozinhos como afirmou o terceiro criminoso em depoimento na delegacia de Santa Maria. Eles garantiram que Galego estava junto. Os menores também negaram que estavam sob efeito de drogas.
Mãe acusa más companhias
E.T, de 15 anos e Galileu, de 16, prestaram separadamente depoimentos ontem na Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA), que duraram mais de duas horas cada um. O primeiro a chegar à delegacia e ser ouvido foi C.P.S., de 15 anos, o E.T. Ele chegou às 4h00 da madrugada, acompanhado da mãe, Zumira, de 44 anos e da irmã mais velha, de 19 anos. O garoto só começou a ser ouvido às 09h00 da manhã. Todo o seu depoimento foi acompanhado pela mãe que muito abalada não conseguia acreditar nas palavras do próprio filho. “Não vou dizer que meu filho é santo. Mas se ele fez o que estão dizendo, por por causa das más companhias”, desabafou
Na delegacia de Santa Maria, os menores chegaram a dar depoimentos também. E.T não conseguiu explicar o que aconteceu depois do crime. De acordo com sua versão, ele se separou do grupo logo depois de incendiarem o carro, utilizando a própria gasolina do veículo. Voltou para sua casa em Santa Maria e foi dormir. J.R.S., de 16 anos, o Galileu confirma a história. E acrescentou que depois ele e Galego teriam encontrado outros dois menores, ainda não identificados, e juntos foram até Luziânia no Ômega roubado do universitário Flávio Martins, uma das vítimas.
Lá realizaram o primeiro saque num caixa eletrônico com o cartão do estudante. Depois só restaram respostas vagas. Os dois menores afirmaram desconhecer o destino do carro e não sabem explicar os outros saques que foram feitos.
Galileu rebateu em seu depoimento a versão do Galego de que ele teria sido o mandante do crime. Segundo um policial, o rapaz “já é escolado”, foi interno do Caje por tentativa de homicídio, por isso jogou a culpa no adulto. Este sim teria determinado que o casal deveria morrer, segundo o garoto.
Ontem mesmo, os dois adolescentes foram levados à promotoria da Vara da Infância e da Juventude que pediu a internação provisória deles no Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje). De acordo com a delegada da DCA, Suzana Machado, os menores ficarão internados no centro no máximo por três anos como prevê o Estatuto da Criança. “Independente do crime que cometeram, os menores de idade, o tempo de internação não pode superar esse período. Em sua opinião, a miséria e a desestruturação familiar levam a crimes desse tipo. “Apesar de toda a experiência que tenho na polícia, ainda fico chocada com crimes bárbaros como esse”, comentou.
O menino feio e mirrado que mata adultos
O apelido E.T ele ganhou por causa da magreza. A mãe tentou segurá-lo em casa mas tudo mudou quando conheceu os novos amigos “barra pesada”
Ele mede 1,57 metro e pesa 38 quilos. Cabelos bem ralos e profundas olheiras. Tem cara e voz de menino, jeito de criança dewsnutrida e desprotegida. Só jeito. Age como adulto e ajuda a matar adultos. Só não apertou o gatilho, mas tocou fogo nos corpos — como admitiu, formalmente, em depoimento à Delegacia da Criança e do Adolescente.
C.P.S., de 15 anos, é assim. À primeira vista, parece um adolescente como outro qualquer. Poderia ser. Pai pedreiro e mãe dona de casa, teve uma vida humilde. Como humilde é toda a vizinhança que o cerca. Numa casa modesta na QR 203, em Santa Maria, vivia com os pais e cinco irmãos.
Desde pequeno, foi apelidado de E.T. (Extraterrestre). O codinome veio por causa do baixo peso — e como comentam os vizinhos — “pelo jeito feio e esquisito que tinha”. E assim cresceu. Aparentemente sem traumas pela feiúra e pela magreza. Não se importava com o apelido. Pelo contrário. Tirava proveito dele. E.T impunha respeito, mesmo com o físico esquálido.
Nunca foi amante dos estudos. Abandonou a escola na quarta série. A mãe, Zumira, de 44 anos, ficou chateada. Semi-analfabeta, o sonho era ver um dos filhos “com diploma”. Difícil realizar o sonho, principalmente se depender de E.T. “Ele dizia que não precisava de estudo para se dar bem na vida”, conta uma vizinha.
Desde pequeno, E.T. começou a dar trabalho. Brigava na rua e sumia vez por outra. Zumira se desesperava. Foram noites e dias de preocupação com o filho mirrado. Por diversas ocasiões, ela chegou a comentar com a vizinhança que tinha medo de que algo pudesse acontecer com ele. Parecia pressentimento.
Apelou para castigo, para promessa. Nada. “Como é que se prende menino homem dentro de casa”, perguntava-se. Virou evangélica da Igreja Batista. Levou E.T.Ele até se converteu. Mas não durou muito tempo. Foi quando conhecer os amigos “barra pesada”. A vida de Zumira virava do avesso.
Culpa dos amigos
Na manhã de terça-feira, quando investigadores da 33ª DP (Santa Maria) foram à casa de E.T. e contaram para Zumira que seu filho estava envolvido na morte dos estudantes Gabriela Adler, de 22 anos, e Flávio Martins de Carvalho, 24 — executados e queimados na noite de sexta-feira — ela não acreditou.
E.T. não estava em casa. Na quarta-feira, por volta das 16h, os policiais voltaram a sua residência. Chegaram a tempo, Zumira levava o filho para a casa de um parente em Santo Antônio do Descoberto. Jura que não iria escondê-lo.
O menino fraquinho, com jeito de criança, sai algemado. Zumira se descontrola. Não acredita no que vê, tampouco com o que dizem do seu filho. “Oh, gente, ele é tão pequenininho e fraquinho, que não vejo como pode ter feito mal a alguém”, lamentou na DCA, ontem pela manhã. Depois, como se admitisse e quisesse diminuir a culpa do filho, garante: “Meu filho não é um santo, mas se fez o que fez foi por causa das más companhias”>
Carroceiro
Amigo de E.T., J.R.S., de 16 anos — conhecido como Galileu — também participou da noite de horror em que Gabriela e Flávio foram mortos. Ao contrário do colega, não jogou gasolina nos corpos dos estudantes.
Preferiu matar, impiedosamente, o rapaz. Nem o pedido de clemência de Flávio: “Por favor, não me mate, leve tudo o que você quiser, eu tenho dinheiro” (foi segundo o próprio adolescente o que Flávio teria dito antes de morrer) compadeceu o garoto.
Ele estava decidido. E assim o fez. Depois, ordenou para que Carlos Rodrigues de Souza, 21 anos, conhecido como Galego — que também participou da barbárie — executasse Gabriela. “Atira, atira, se não vou atirar no seu pé”, teria ordenado Galileu a Galego. Ele obedeceu.
Ex-interno do Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje) por duas vezes (primeira por homicídio e a segunda por furto de veículo, de onde saiu em dezembro) — Galileu sempre deu trabalho em casa. Deixou a escola na 4ª série e quis trabalhar. Bebia e era comum ficar embriagado.
Arrumou uma carroça e um cavalo e virou carroceiro. Recolhia garrafas e catava papel nas ruas de Santa Maria. Além disso, seu hobby era, segundo a vizinhança, roubar cavalos em Santa Maria e vender no Novo Gama.
Na noite de sexta-feira, quis ganhar dinheiro. Muito dinheiro. Não saiu com nada. Gabriela e Flávio pediram para não morrer. E.T, Galileu e Galego não tiveram pena.
Polícia procura mais um
Pelo menos mais um menor pode estar envolvido no assassinato dos dois estudantes da Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (AEUDF). Seria o menor conhecido como Berg, 16 anos, que também morava em Santa Maria. Ele está desaparecido desde a manhã do último domingo.
“Nunca achei que meu filho fosse marginal”, disse o pai. Antônio Souza Nascimento, 60 anos, que possui uma banca de loterias e jogo do bicho, chorando muito. “Ele sempre teve tudo. Nunca encostei um dedo no moleque”.
Segundo amigos do menor, ele teria sido apanhado na sua casa na última sexta-feira por Galileu e participado do assassinato dos estudantes. Coincidentemente, Berg mora em frente da casa de Carlos Rodrigues de Souza e, segundo vizinhos, costumava sair com a turma do menor Galileu.