Neurocirurgião quer um debate nacional em favor do SUS após a pandemia e afirma que, usado desde a gripe espanhola, plasma pode reduzir mortalidade da Covid
O neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho, um dos mais respeitados médicos brasileiros, afirma que o setor privado da Saúde tem mais recurso e é mais ágil, mas vê o Sistema Único de Saúde, o SUS, como o maior movimento de inclusão social que existiu no mundo.
“O sistema privado sempre é mais ágil, sempre tem mais recurso até por todas as razões. Se ele não for eficiente, quebra. Agora, eu acho que o SUS foi a coisa mais importante que aconteceu nesse país nos últimos cem anos. Foi o maior movimento de inclusão social que já houve talvez no mundo”, acredita.
O médico lembra que até a Constituição de 88, metade dos brasileiros não tinha direito a assistência de saúde, mas só aqueles que tinham carteira assinada. “Todos os profissionais liberais, a população rural, ninguém tinha direito a atendimento”, diz.
“Agora, para que o sistema funcione é uma decisão política, assim como foi acabar com a inflação. Enquanto a saúde não for uma prioridade nacional, você não vai ter eficiência e não vai ter recurso. Falta no SUS uma modernização, uma mentalidade empresarial”, afirma o neurocirurgião, defendendo um debate nacional sobre o SUS no momento pós pandemia.
Paulo Niemeyer criou um hospital público de ponta no Rio de Janeiro, de cirurgias de alta complexidade no cérebro, mas mudou tudo em meio à pandemia e dedicou parte do hospital, neste momento, ao tratamento da Covid-19.
O médico foi um dos primeiros a defender no Brasil a tecnologia do uso do plasma de curados em infectados da doença, mas explica que não se trata de algo novo – é tão antigo que foi uma arma contra a gripe espanhola.
“Isso já foi usado há 100 anos atrás, na Gripe Espanhola, e depois em outras pandemias, inclusive já agora dos anos 2000 pra cá. Nunca se concluiu exatamente pela eficácia ou não porque é sempre usado nas crises. Mas em todas essas ocasiões, os relatos médicos são de que caía muito a mortalidade”, explica.
O médico defende o isolamento social, tão criticado pelo presidente Jair Bolsonaro, e recorda que a medida é um recurso bíblico, “usado para afastar os leprosos”. “É uma coisa que sempre existiu nessas doenças infecciosas. O isolamento sempre foi usado como recurso para evitar a progressão de uma doença que não tem tratamento. Eu acho que no momento é a única coisa a fazer”.
Considerado o melhor neurocirurgião do país, Paulo Niemeyer, assim como seu pai, também neurocirurgião de ponta, tem inventado técnicas depois adotadas em todo o mundo. Ele é diretor médico do Instituto Estadual do Cérebro, e membro da Academia Nacional de Medicina. Leia abaixo os principais trechos da entrevista concedida à coluna.
O uso do plasma de curados em infectados pela Covid-19
Paulo Niemeyer Filho – Essa história do plasma não é uma novidade. Isso já foi usado há 100 anos atrás, na Gripe Espanhola, depois foi usado em outras pandemias, inclusive agora dos anos 2000 pra cá, e nunca se concluiu exatamente pela eficácia ou não porque é sempre usado nas crises, então você nunca teve uma avaliação científica formal rigorosa para dizer qual é exatamente o doente que melhora e qual é a dose que deve ser feita. Mas em todas essas ocasiões, os relatos médicos são de que caía muito a mortalidade, o uso de anticorpos. Então existem relatos médicos na literatura de melhora com o tratamento. O que é difícil é saber qual é o grupo, se é para o jovem, para o idoso, se é no início da doença ou se é para os mais graves. Então, logo que começou essa pandemia, ficou claro que nenhum desses remédios fazia efeito. Quer dizer, remédio recomendado por político, por amigos. Não podia dar certo. Então me ocorreu, e também se passou na cabeça de outros porque é um assunto que já existia, de tentar novamente a transfusão de anticorpos. Como isso nunca foi bem estabelecido como tratamento, ainda é considerado experimental, atrasou um pouco porque teve que se pedir autorização para a Anvisa, apresentar um projeto de pesquisa e logo de saída nós fizemos isso junto com a HemoRio. Nosso projeto não demorou a ser aprovado e nós começamos rapidamente. Agora, estamos numa fase de ver quais são os doentes que podem se beneficiar. Quer dizer, lá no Instituto do Cérebro, nós recebemos pacientes já muito graves, em fase avançada, que já vêm precisando de entubação ou, muitas vezes, que já estão entubados. É mais difícil de avaliar o resultado. Quando o paciente já está com o pulmão todo comprometido não basta dar anticorpo para o doente acordar. O pulmão já está todo tomado, talvez não seja o melhor momento. Então nós estamos tentando dar também para pacientes antes da entubação, ver se ele consegue evitar que piore tanto a ponto de ser entubado. Existem diferentes protocolos. Acho que o pessoal em São Paulo já está tentando também para ver qual é o grupo que realmente pode se beneficiar. E eu acho que nós vamos achar essa parcela de pacientes que o plasma pode evitar a evolução da doença.
O SUS e o Sistema Privado
Considerado o melhor neurocirurgião do país, Paulo Niemeyer, assim como seu pai, também neurocirurgião de ponta, tem inventado técnicas depois adotadas em todo o mundo. Ele é diretor médico do Instituto Estadual do Cérebro, e membro da Academia Nacional de Medicina. Leia abaixo os principais trechos da entrevista concedida à coluna.
O uso do plasma de curados em infectados pela Covid-19
Paulo Niemeyer Filho – Essa história do plasma não é uma novidade. Isso já foi usado há 100 anos atrás, na Gripe Espanhola, depois foi usado em outras pandemias, inclusive agora dos anos 2000 pra cá, e nunca se concluiu exatamente pela eficácia ou não porque é sempre usado nas crises, então você nunca teve uma avaliação científica formal rigorosa para dizer qual é exatamente o doente que melhora e qual é a dose que deve ser feita. Mas em todas essas ocasiões, os relatos médicos são de que caía muito a mortalidade, o uso de anticorpos. Então existem relatos médicos na literatura de melhora com o tratamento. O que é difícil é saber qual é o grupo, se é para o jovem, para o idoso, se é no início da doença ou se é para os mais graves. Então, logo que começou essa pandemia, ficou claro que nenhum desses remédios fazia efeito. Quer dizer, remédio recomendado por político, por amigos. Não podia dar certo. Então me ocorreu, e também se passou na cabeça de outros porque é um assunto que já existia, de tentar novamente a transfusão de anticorpos. Como isso nunca foi bem estabelecido como tratamento, ainda é considerado experimental, atrasou um pouco porque teve que se pedir autorização para a Anvisa, apresentar um projeto de pesquisa e logo de saída nós fizemos isso junto com a HemoRio. Nosso projeto não demorou a ser aprovado e nós começamos rapidamente. Agora, estamos numa fase de ver quais são os doentes que podem se beneficiar. Quer dizer, lá no Instituto do Cérebro, nós recebemos pacientes já muito graves, em fase avançada, que já vêm precisando de entubação ou, muitas vezes, que já estão entubados. É mais difícil de avaliar o resultado. Quando o paciente já está com o pulmão todo comprometido não basta dar anticorpo para o doente acordar. O pulmão já está todo tomado, talvez não seja o melhor momento. Então nós estamos tentando dar também para pacientes antes da entubação, ver se ele consegue evitar que piore tanto a ponto de ser entubado. Existem diferentes protocolos. Acho que o pessoal em São Paulo já está tentando também para ver qual é o grupo que realmente pode se beneficiar. E eu acho que nós vamos achar essa parcela de pacientes que o plasma pode evitar a evolução da doença.
O SUS e o Sistema Privado
Paulo Niemeyer Filho – Quando surge uma situação dessa muita gente se aproveita. Então você vê as grandes empresas de todos os países já anunciaram remédios, vacinas e todo mundo fica anunciando produtos que você não sabe se realmente têm alguma eficácia. Eu acho que isso só vai ser resolvido quando vier a vacina e a vacina leva um tempo. Parece que tem um grupo inglês que já vinha trabalhando com a Covid, não essa Covid, mas outra Covid, a forma anterior e que é semelhante, parecida. Eles estavam numa fase 2, avançada de pesquisa. Então pode ser que esse grupo consiga uma vacina mais rapidamente. E tudo será resolvido. Ou quando 70% da população estiver contaminada, o que se chama de imunidade de grupo, imunidade de rebanho. Quando tem 70% da população já com anticorpos, o vírus não consegue mais circular. Então você vai ter casos esporádicos da doença. Só que para você ter 70% da população contaminada, significa uma mortalidade inaceitável. A não ser pelas formas mais brandas, mas sempre quando é maior o número de contaminados, maior o número de doentes que vão para o CTI. E o curioso nessa doença é que parecem ser várias doenças diferentes. Vírus que são já mutados, ou vírus mais agressivos, e outros menos, ou tem alguma genética individual das pessoas porque muitos ficam assintomáticos, outros têm aquela forma mais branda, que perde o olfato, perde o paladar. Esses costumam evoluir bem, tem uma gripe e ficam bem, e tem os que realmente ficam graves. É difícil explicar porque o vírus tem manifestações tão diferentes. Quer dizer, ou o vírus tem mais de um tipo, ou as pessoas têm uma forma diferente de reagir. Se você imagina que o sistema imunológico é o mais importante pra evitar, por que que a criança que tem um sistema imunológico ainda não plenamente desenvolvido não pega, como acontece em outras viroses? Então tem muita coisa ainda para ser respondida. Isso só vai se resolver satisfatoriamente quando chegar a vacina.
Esperança no grupo de pesquisadores ingleses
Paulo Niemeyer Filho – Fiquei muito esperançoso com esse grupo inglês, que já está numa fase mais avançada. Já testaram em macacos, já estão começando a usar em humanos como experiência, então é uma fase mais avançada da pesquisa da vacina e isso pode, daqui para o final do ano, já estar comercializado. Ao contrário dos outros que começaram agora e que têm várias etapas que são exigidas pelo processo científico e pelo processo regulatório.
Isolamento social
Paulo Niemeyer Filho – O isolamento é um recurso bíblico, é um recurso que se usava para afastar os leprosos. É uma coisa que sempre existiu nessas doenças infecciosas. O isolamento sempre foi usado como recurso para evitar a progressão de uma doença que não tem tratamento. Eu acho que no momento é a única coisa a fazer. Só que nós hoje temos uma população enorme, um sistema econômico que vive de consumo e a gente não tem como parar isso tudo. O ideal seria que todos ficassem confinados, quando você vê até onde as pessoas vão aguentar. E a gente está vendo que já que estão rompendo o compromisso de isolamento, estão saindo para a rua e é a causa, provavelmente, da piora nesta semana. Quer dizer, nos últimos 15, 20 dias houve um relaxamento no isolamento, e agora nós estamos vendo o resultado. Os hospitais estourando, sem vaga, então é difícil porque o tratamento ideal também tem efeitos colaterais. O ideal, que seria o isolamento, ele também tem efeitos contrários, sociais. É muito difícil você achar o meio termo. Se o Governo pudesse dar uma mesada para todo mundo ficar em casa estava resolvido. Era ficar casa até sair a vacina porque, em algum momento, quando a gente sair do isolamento, vai pegar a doença. Isso não tem jeito. O isolamento, no momento, visa apenas dar lentidão a esse processo, para que tenha hospital para todo mundo. Ou, se a vacina aparecer antes disso, está resolvido.
Lição da pandemia ao país
Paulo Niemeyer Filho – Acho que as pessoas têm uma memória muito curta. Assim que passar isso todo mundo vai voltar às suas vidas e esquecer o que aconteceu. Para que isso tenha uma mudança na sociedade, seria preciso uma devastação da população, como aconteceu nos séculos passados, com outras pandemias, infelizmente. E eu acho que isso não vai acontecer. Vai trazer muito debate, vai mostrar pra gente a fragilidade do nosso sistema, não só do nosso, mas do sistema mundial, e que a gente precisa dar mais valor ao sistema de saúde, ao SUS. Temos que nos preparar não só para essa doença que é esporádica, uma pandemia dessas, mas para o nosso dia a dia, não é. Pode trazer mais debate, valorizar mais o nosso Sistema Único de Saúde.
O trabalho no Instituto do Cérebro
Paulo Niemeyer Filho – O Instituto do Cérebro foi adaptado temporariamente, continua trabalhando, todos os setores continuam atendendo os seus doentes neurológicos. A única coisa que parou foi o centro cirúrgico. As cirurgias que não podem aguardar estão sendo encaminhadas para outros hospitais, mas todo o resto do instituto está funcionando, atendendo os seus doentes em paralelo ao Covid. Às vezes perguntam ‘O instituto fechou?’. Não, não fechou. A epilepsia está funcionando, os ambulatórios estão funcionando, lógico que com menos movimento para não ter aglomeração, mas está tudo funcionando.