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Higiene, distanciamento e foco na saúde mental: como será a volta às aulas

Nenhum estado autorizou o retorno das atividades escolares, mas gestores públicos já se preparam para mudanças radicais nas rotinas dos estudantes

Nenhum estado autorizou o retorno das atividades escolares, mas gestores públicos já se preparam para mudanças radicais nas rotinas dos estudantes

De todos os desafios que a pandemia do novo coronavírus impôs aos gestores públicos, a retomada das atividades nas escolas do país é certamente um dos maiores.

Mesmo com a transmissão da covid-19 ainda em alta, a maioria dos estados já vem colocando em prática planos de reabertura da economia, mas até agora nenhum autorizou a volta às aulas. Apenas as capitais Rio de Janeiro, Manaus e Fortaleza estabeleceram uma data para o retorno, em julho.

Secretários de educação e gestores de escolas privadas já estão organizando os protocolos sanitários e educacionais para implementação, mas há grande preocupação sobre a segurança das crianças e adolescentes.

“Os estados precisam pensar e implementar estratégias de gestão que deem conta de enfrentar esse cenário de alta complexidade e alta incerteza”, diz Ricardo Henriques, superintendente do Instituto Unibanco, que tem como foco a atuação na educação com os gestores públicos.

O temor dos pais com uma possível onda de infecção nas escolas também é um ponto de tensão. No Reino Unido, por exemplo, que começou a retomar as aulas mesmo com a alta nos casos e nas mortes, um estudo da Fundação Nacional de Pesquisa em Educação com 1.200 diretores de escola mostrou que quase metade das famílias pretende manter os filhos em casa.

Em outros lugares do mundo, que já passaram pelo pico da doença, o retorno das atividades escolares tem sido gradual, com investimento expressivo na triagem dos estudantes, distanciamento social, sanitização e rotinas de higiene obrigatórias para alunos e colaboradores.

“Nesse assunto, nós temos uma vantagem que outros países não tiveram: vamos aprender com os acertos e erros deles”, diz Cláudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Em uma província da China, onde a doença surgiu, os alunos têm suas temperaturas aferidas todos os dias antes e depois das aulas, de forma organizada. Foram compradas 840 mil máscaras, 36 toneladas de álcool em gel, 75 toneladas de desinfetante e o estoque de termômetros de testa chega a 855.

Todas as escolas públicas e privadas precisam garantir uma distância de ao menos 1,5 metros entre os alunos nas salas, reduzir a lotação para no máximo 20 estudantes por turma e  rever a distribuição da merenda para evitar aglomeração. Também é exigida a implementação de um protocolo de higiene robusto e a participação ativa dos pais para supervisionar a saúde dos filhos.

Desafios e desigualdade no futuro

Na avaliação de educadores ouvidos pela reportagem, o ambiente escolar mudará para sempre depois da covid-19, mas a histórica desigualdade na educação brasileira corre o risco de se aprofundar ainda mais.

Isso porque a tendência é de uma mudança em direção a uma modalidade de ensino híbrido, unindo ambiente digital e presencial, com novas propostas de interação e maior independência dos alunos.

A projeção é que esse movimento seja feito com mais facilidade pelos grandes grupos educacionais privados do país. A rede de ensino básico privado Saber, que conta com 52 unidades ao redor do Brasil e atende mais de 34 mil alunos, por exemplo, tem feito investimentos na ordem dos milhões em sistemas tecnológicos para se adequar à necessidade de reduzir a circulação dos alunos.

“Estamos fazendo investimentos variados, que vão desde a ampliação da rede de banda larga, aquisição de webcams, microfones lapela, cabeamento e outras necessidades,  para que os alunos que ficarem em casa no rodízio possam acompanhar as aulas ao vivo”, diz Juliana Diniz, diretora pedagógica da Saber.

Para o ensino público, no entanto, a tendência é que a necessidade desses investimentos esbarre em entraves burocráticos e financeiros.

Um estudo inédito do Todos Pela Educação, divulgado nesta semana, projeta que o conjunto das redes estaduais podem perder de 9 bilhões de reais a 28 bilhões de reais em tributos vinculados à manutenção e desenvolvimento do ensino, a depender da profundidade da crise econômica.

Impacto emocional

Além dos protocolos de higiene, de distanciamento e de aprendizado, os gestores escolares também precisarão lidar com o impacto emocional em crianças, adolescentes, colaboradores e familiares;

“Eu estou debruçado no pós-pandemia, porque o maior receio não é que não tenha ocorrido avanços nesse período, mas que haja retrocesso na aprendizagem. A diferença do estudante da escola particular para a pública não é a qualidade do ensino, mas sim seu domicílio”, diz Felipe Camarão, secretário estadual de educação do Maranhão.

Ele destaca que quando as aulas voltarem, os professores e diretores precisarão lidar com alunos que passaram meses dentro de casas vulneráveis e que foram submetidos a violência doméstica, sexual, fome e outras consequências derivas da pandemia da covid-19 e outras doenças.

A questão da saúde mental de todos os envolvidos no processo educacional também entra como um dos pilares de atenção do protocolo de retorno da rede Saber.

“Certamente as pessoas que vamos encontrar ao voltarmos não serão as mesmas de antes. O Brasil é um dos países com mais registro de pessoas com transtornos de ansiedade e depressão. Por isso, junto com os protocolos sanitários e de aprendizado, o plano de retomada tem que olhar para a acolhida cuidadosa das pessoas”, diz Juliana Diniz.

A reportagem entrou em contato com o Ministério da Educação para saber quais seriam as orientações para a retomada em nível nacional das escolas, mas a pasta negou uma entrevista.

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