Sem uma quarentena rigorosa, o país teve alto número de mortes e mesmo assim não atingiu a esperada “imunidade de rebanho”
Inscrito em letras douradas, na entrada do auditório da Universidade de Uppsala, está o lema da Suécia: “Pensar livremente é ótimo, mas pensar corretamente é melhor”. A pergunta que muitos se fazem hoje é se, afinal, a Suécia pensou de forma acertada contra o novo coronavírus. Os críticos alegam que uma quarentena rígida teria evitado o contágio, que levou a 4.694 mortes até o dia 8 de junho num país de 10 milhões de habitantes. Acostumada à paz, a Suécia registrou em abril o seu mês mais mortal em 30 anos.
A estratégia do país pode ser resumida na palavra sueca lagom (nem tanto ao céu, nem tanto ao mar), uma espécie de ideal nacional. Quem pode, passou a trabalhar de casa. Visitas a asilos foram proibidas. Aula online virou regra nas escolas do ensino médio e nas universidades, mas creches e instituições do ensino fundamental permaneceram abertas. Restaurantes não fecharam, mas adotaram regras de distanciamento – nem sempre seguidas pelos clientes. O comércio permaneceu aberto.
A quarentena suavizada divide os suecos. Annika Linde, epidemiologista-chefe do governo entre 2005 e 2013, é uma das principais críticas dessa estratégia. Ela acredita que o país falhou em proteger os idosos. Até abril, metade das mortes ocorreram em centros de cuidados médicos para idosos.
Anders Tegnell, epidemiologista-chefe do governo, agora admite que a estratégia deveria ter sido mais restritiva, mas enfatiza que ainda resta saber que restrições teriam sido eficazes para conter o contágio. Ele afirma ainda que, com o conhecimento que se tem agora sobre o coronavírus, teria optado por um meio termo entre a estratégia sueca e as de outros países.
Apesar do alto número de mortes, a maior parte da sociedade confia nas autoridades. Pesquisas de opinião da DN/Ipsos mostram que 69% dos suecos têm alta confiança na Agência de Saúde Pública e em Anders Tegnell, e a confiança nas autoridades aumentou de março para abril. A confiança no primeiro-ministro Stefan Löfven também aumentou, com 44% confiantes ou muito confiantes no seu governo. Além disso, 64% dizem estar confiantes ou muito confiantes na capacidade do sistema de saúde.
Gina Gustavsson, pesquisadora e professora do departamento de governo da Universidade de Uppsala, questiona por que a confiança dos suecos nas autoridades está crescendo apesar de o país ter falhado em proteger os idosos, o que ela relaciona a um patriotismo pouco crítico da população. Gustavsson aponta que 92% dos suecos têm orgulho de seu país e que a Suécia é o país com o menor número de patriotas críticos de acordo com uma pesquisa sobre identidade nacional realizada em 2013 em 33 países da Europa, da América e da Ásia.
Para o governo, a questão agora é como manter o distanciamento na estação mais quente do ano. A expectativa era a de que a capital Estocolmo atingiria a imunidade de rebanho até junho, mas isso não se confirmou. O primeiro teste de anticorpos mostrou que 7,3% estavam imunizados na cidade no início de maio. Pierre van Damme, professor de epidemiologia da Universidade de Antuérpia, na Bélgica, calcula que o número tenha chegado a 15% no fim do mês, o que ainda está muito aquém do nível da chamada “imunidade de rebanho”.
Cientistas estimam que, se 60% a 70% da população estivesse imunizada, seria possível que o vírus deixasse de circular. Porém, o número de mortes acabaria sendo muito mais elevado para que a “imunidade de rebanho” seja atingida.
A prioridade do governo sueco agora é realizar testes para identificar quem carrega o vírus e isolá-los. A meta é chegar a 100.000 por semana, três vezes mais do que era feito até maio. Mas a realidade é que, mesmo com os cuidados, não há perspectiva para o fim da epidemia. A economia sueca cresceu 0,1% no primeiro trimestre, mas não deve escapar da recessão. A estimativa é de uma retração de 7% em 2020. Ainda resta saber qual será o resultado da estratégia, mas já se pode perceber que o país escandinavo, se não teve feridas de guerra, já tem feridas da pandemia.