Com variações nos valores e no alcance da população beneficiada, há propostas sobre renda mínima em nove capitais
Programas de transferência de renda para a população mais pobre, nos moldes do auxílio emergencial do governo federal, estão sendo discutidos por ao menos 30 candidatos a prefeito nas principais cidades do País. Com variações nos valores e no alcance da população beneficiada, há propostas em nove capitais, onde vivem cerca de 34,3 milhões de pessoas, feitas por representantes de todos os lados do espectro político.
Em São Paulo, Rio, Salvador, Fortaleza, Belo Horizonte, Manaus, Curitiba, Goiânia e Porto Alegre candidatos incluíram em seus programas ou prometeram, em entrevistas e discursos, criar repasses de R$ 100 a R$ 600 por mês. Economistas ouvidos pelo Estadão levantam dúvidas sobre a eficácia destes programas em nível municipal. Além disso, dizem os analistas, a queda de receita na maioria das prefeituras, agravada pela pandemia, coloca em xeque a viabilidade das promessas.
A covid-19 fez com que índices de renda e empregabilidade piorassem nos últimos meses. A metade mais pobre da população perdeu, em média, 27,9% da renda mensal, que passou de R$ 199 para R$ 144, segundo a pesquisa “Efeitos da pandemia sobre o mercado de trabalho brasileiro”, divulgada mês passado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Além disso, mais de 4,5 milhões de brasileiros ficaram desempregados em setembro, segundo dados do IBGE.
Um outro estudo publicado em agosto por professores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) mostrou que o impacto do auxílio emergencial de R$ 600 aprovado pelo Congresso em abril pode ser de até 2,5% do PIB, pois o dinheiro ajuda a movimentar comércio e indústria locais.
Além do discurso oficial, de tentar fazer a economia voltar a girar, candidatos também miram ganhos políticos. A aprovação do presidente Jair Bolsonaro subiu de 29% para 40% entre dezembro do ano passado e setembro, segundo pesquisa CNI/Ibope. Analistas creditam ao auxílio emergencial a melhora nos índices, mesmo em meio ao aumento nos números de infectados e de mortos pelo coronavírus no País.
Diante da popularidade obtida com a medida, o Planalto discute agora a criação do chamado Renda Cidadã, para substituir o Bolsa Família, lançado em 2004 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A equipe econômica busca alternativas para conseguir recursos sem furar o teto de gastos.
Operação
Se é difícil para o governo federal, que concentra 55% da arrecadação de tributos, a operacionalização de programas de renda é um desafio maior para os municípios, que recebem, em média, 19% da carga tributária. A pandemia fez com que, só no Estado de São Paulo, a arrecadação das cidades no primeiro semestre caísse 20% em relação ao mesmo período do ano passado, de acordo com balanço do Tribunal de Contas do Estado (TCE).
“Há um problema orçamentário, as cidades não têm condições de viabilizar esse tipo de programa”, disse o economista Roberto Macedo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no governo de Fernando Collor, no início da década de 1990.
Segundo ele, ações do tipo devem ter caráter nacional. “Há outras prioridades para as prefeituras: educação e saúde. E sabemos por estudos que a criança desenvolve muito da sua capacidade mental do zero aos três anos. É melhor trabalhar em um programa desse tipo.”
Nem todas as promessas especificam de onde vai sair o dinheiro para implementação dos benefícios. O economista e professor associado do Insper Marcos Mendes afirma que o peso dessas propostas nas contas pode ser irreversível. “Um programa de transferência de renda é uma despesa de caráter obrigatório e permanente. Uma vez criado, não tem como voltar atrás”, diz.
Uma saída possível, afirma, seria criar atividades complementares para quem já recebe benefício federal. “Por exemplo, colocando verba municipal na contratação de equipes que atuam no Bolsa Família.
Recursos
Propostas que envolvem transferência de renda foram mapeadas pelo Estadão em programas de governo e entrevistas de ao menos 30 candidatos de nove capitais. A maioria, no entanto, até agora não detalhou como arranjarão recursos para bancar suas propostas.
Em São Paulo, 6 dos 14 concorrentes à Prefeitura falam em algum tipo de auxílio. Celso Russomanno (Republicanos) tem usado a promessa para atrair o eleitorado mais pobre e reforçar seu vínculo com o presidente Jair Bolsonaro. Russomanno fala em renegociar a dívida do município com a União.
Há propostas semelhantes nos programas de Guilherme Boulos (PSOL), Márcio França (PSB) e Jilmar Tatto (PT).
Na semana passada, o prefeito Bruno Covas (PSDB) articulou com o presidente da Câmara Municipal, Eduardo Tuma (PSDB), a votação de um projeto do vereador Eduardo Suplicy (PT) para dar um auxílio de R$ 100 para até 1,7 milhão de pessoas por três meses. Na sabatina do Estadão, quinta-feira, Covas negou se pautar por interesses eleitorais, como disseram concorrentes, e disse que o município tem dinheiro em caixa.
Criar programas semelhantes é promessa de Renata Souza (PSOL), candidata no Rio; Goura Nataraj (PDT), em Curitiba; e Hilton Coelho (PSOL), em Salvador. Políticas voltadas a mulheres e mães são citadas por Benedita da Silva (PT), no Rio; Fábio Junior (UP), em Goiânia; e Capitão Wagner (PROS), em Fortaleza. Em Porto Alegre, Fernanda Melchionna (PSOL) diz ser possível dar R$ 600 às mães.
Microempresários que fecharam seus negócios ou trabalhadores que perderam o emprego são o foco de Fernando Francischini (PSL), em Curitiba. João Derly (Republicanos), candidato em Porto Alegre, prevê benefício para famílias com filho na escola e que aceitarem participar de aulas de empreendedorismo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.