Os primeiros testes da Soberana 2, produzida em Cuba, são “encorajadores”, dizem os cientistas.
Alguns dos equipamentos do Instituto Finlay de Vacinas, em Havana, podem ser considerados desatualizados em outras partes do mundo. Mas o que ocorre por trás de suas paredes pintadas de branco é ciência de ponta.
Ali, os pesquisadores trabalham em longos turnos naquela que é considerada a maior oportunidade para Cuba combater a pandemia: a Soberana 2, a vacina contra a Covid-19 produzida na ilha.
A Soberana 2 é uma vacina conjugada. Isso significa que ela traz um antígeno (substância que suscita a resposta imune do organismo) junto com uma molécula transportadora para reforçar a sua estabilidade e eficácia.
Dentro de semanas, o imunizante começará a ser testado em dezenas de milhares de voluntários.
Os resultados dos primeiros ensaios clínicos foram “encorajadores” e “muito importantes”, afirma o diretor do instituto, Vicente Vérez Bencomo.
Segundo a agência EFE, a vacina está na fase de estudos 2B, que avaliará, entre outros pontos, a capacidade da vacina em gerar resposta imunológica e sua segurança. Depois disso, ainda restaria a fase 3 de estudos.
O governo comunista espera dar a vacina a todos os cubanos até o final do ano.
“Nosso plano é, obviamente, primeiro imunizar nossa população”, explicou Bencomo em uma entrevista coletiva.
“Quando passarmos para a produção comercial da Soberana 2, planejamos ter cerca de 100 milhões de doses ao longo de 2021, e vamos dedicar parte importante delas à imunização total do país”, completa.
Sem influência americana
A meta citada por Bencomo é ambiciosa, mas realista: Cuba tem mais de 30 anos de experiência em biotecnologia e imunologia.
No final da década de 1980, cientistas cubanos produziram a primeira vacina contra a meningite B e o então líder do país, Fidel Castro, abriu o Instituto Finlay com o objetivo de encontrar maneiras de contornar o embargo americano que perdura por décadas.
Se as patentes das empresas farmacológicas dos Estados Unidos não estiverem disponíveis para Cuba, o país seria capaz de encontrar suas próprias soluções nesse campo, argumentou o representante do Instituto Finlay.
No entanto, fazer 100 milhões de doses de vacina sem alguma forma de assistência internacional vai muito além da capacidade fabril da ilha.
Ainda assim, mesmo se o governo de Joe Biden amenizar as medidas restritivas reforçadas durante a administração de Donald Trump, os Estados Unidos não terão um papel importante no desenvolvimento da Soberana 2.
“Nossos principais contatos são com a Europa e o Canadá. Nós também temos contribuintes da Itália e da França”, explica Bencomo.
“Esperamos que no futuro seja possível avançar para a próxima etapa da cooperação com os Estados Unidos”, disse ele.
Instituições internacionais, como a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), esperam que Cuba se torne o primeiro país latino-americano a produzir do zero sua própria vacina.
“Estamos muito otimistas”, disse o médico José Moya, representante da Opas em Cuba.
“Fomos informados na fase piloto e nos testes experimentais da Soberana 2 e sabemos que o país vem investigando a viabilidade de várias vacinas desde agosto do ano passado”.
Saúde sob pressão
As apostas de Cuba são altas. Em primeiro lugar, isso acontece porque os números de casos e mortes por Covid-19 estão piorando a cada semana por lá.
As infecções confirmadas aumentaram recentemente para mais de mil por dia, pela primeira vez desde o início da pandemia. Até esta terça-feira (16), o país registrava 269 mortes, segundo a Universidade Johns Hopkins e a OMS.
Embora essas estatísticas pareçam minúsculas em comparação com aquelas observadas em México, Brasil e Estados Unidos (os três países com o maior número absoluto em mortes por Covid-19 no mundo), elas são sérias o suficiente para colocar pressão extra no sistema de saúde cubano.
Em meados do ano passado, Cuba conteve em grande parte seu surto por meio da combinação de uma agressiva campanha de informação pública e o fechamento de seus aeroportos.
Durante várias semanas entre julho e agosto, a ilha registrou taxas mínimas de transmissão e poucas mortes.
Mas os casos gradualmente aumentaram, para grande frustração dos cubanos.
Moya, da Opas, diz que a situação não está fora de controle e é similar à que ocorre em outros países.
“Chegou um momento em todos os lugares em que era necessário começar a reabrir. E foi o que aconteceu aqui, enquanto se tentava avançar progressivamente para o chamado ‘novo normal’.”
Problemas do amanhã
Cuba está experimentando sua pior perspectiva econômica desde o fim da Guerra Fria.
Logo, existe também um importante incentivo econômico para uma vacina bem-sucedida.
Os bloqueios e lockdowns necessários para conter o coronavírus foram muito dolorosos para uma ilha que depende tanto do turismo.
Isso fez a economia cubana despencar 11% no ano passado.
Atualmente, longas filas se formam todos os dias do lado de fora de lojas de alimentos e supermercados, enquanto as pessoas aguardam sua vez de adquirir produtos básicos.
O governo escolheu este momento para implementar uma série de reformas, desde a unificação da moeda até algum tipo de liberalização das licenças de trabalho autônomo.
Embora essas medidas possam eventualmente fortalecer a economia conturbada de Cuba, elas resultam numa tormenta de curto prazo para muitas famílias, especialmente aquelas sem parentes que enviam recursos financeiros do exterior.
Os cubanos são muito resistentes e engenhosos — eles tiveram que desenvolver essas características para enfrentar o duplo desafio imposto pelas sanções americanas e pelo controle autoritário do Estado.
Mas muitos estão exaustos com os meses implacáveis de restrições e as dificuldades econômicas opressivas.
Um fio de esperança?
Com as crianças ainda fora da escola, as empresas falindo e um toque de recolher na capital Havana, as pessoas anseiam por notícias encorajadoras sobre a vacinação.
Uma vacina viável permitiria à ilha reabrir mais cedo e sem o medo de novas ondas.
A Soberana 2 também permitiria uma nova fonte de receita ao ser exportada para toda a região.
Tudo isso coloca uma urgência real no trabalho dos cientistas: eles precisam aliviar a crise sanitária e econômica da ilha com muita rapidez.