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domingo, 24/11/24
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Especialistas explicam estratégia de Lula para Rússia e BRICS após Lavrov exaltar proposta ‘global’

Analistas dizem que presidente brasileiro já deu “passos iniciais” para ajudar na resolução do conflito na Ucrânia, visando ampliar relações com a Rússia e fortalecer o BRICS.

© AP Photo / Aleksander Zemlianichenko
Em entrevista ao diretor-geral do grupo midiático Rossiya Segodnya, Dmitry Kiselev, nesta quinta-feira (2), o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, falou sobre as tensões geopolíticas atuais, o conflito ucraniano e até mesmo as relações da Rússia com o Brasil e a América Latina.
Segundo ele, a eventual criação de uma moeda latino-americana, ventilada a partir da reaproximação entre Brasil e Argentina, teria uma dimensão global. Lavrov comentou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, inclusive, já propôs discutir a possibilidade no âmbito do BRICS.
“Os presidentes do Brasil e da Argentina já assuntaram a possiblidade de criação de uma moeda bilateral própria. Depois eles foram além e propuseram uma moeda para todos os países da América Latina e da bacia do Caribe. O mesmo propôs Lula da Silva, discutir no contexto do BRICS. Isso não será uma medida regional, mas sim global”, afirmou Lavrov.
Para o especialista em relações internacionais Williams Gonçalves, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a discussão sobre uma moeda única latino-americana “é uma questão fundamental” para abrir portas para a criação de uma nova ordem internacional.
Ele lembra que, após a Segunda Guerra Mundial, os acordos de Bretton Woods estabeleceram regras para o sistema monetário internacional que favoreceram os Estados Unidos, ao tornar o dólar a moeda forte e referência do setor financeiro global.
“O uso da moeda é um instrumento fundamental e básico para o exercício da hegemonia”, diz o especialista.
De acordo com Gonçalves, a contestação da ordem internacional atual, sob a hegemonia dos Estados Unidos e de seus aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), “é um passo importante não só para a região, mas para o mundo se libertar da hegemonia estadunidense”.

“A iniciativa do presidente Lula é louvável no sentido dos objetivos para os quais o BRICS está orientado. Evidentemente essa não é uma questão que se resolva da noite para o dia, mas em algum momento há que se dar o primeiro passo”, aponta o especialista.

No que diz respeito especificamente à Rússia, o especialista avalia que o governo Lula deverá conduzir as relações com bastante cautela em um primeiro momento, em função do conflito na Ucrânia.
Ele afirma que, mesmo com a diplomacia brasileira tendo consciência da responsabilidade do Ocidente na eclosão da crise, o país deve manter a neutralidade, para resguardar sua posição histórica.

“A diplomacia brasileira terá muita cautela. Em primeiro lugar, apoio à Ucrânia é uma questão fora de cogitação. Naturalmente, isso não passa pela cabeça de ninguém que dirige a diplomacia brasileira hoje. E o que o presidente Lula deverá fazer é aquilo que já anunciou, de sugerir a formação de um grupo para discutir essa questão multilateralmente, fora do âmbito da OTAN”, indica Gonçalves.

Ele aponta a necessidade de construir um grupo de países com representatividade internacional verdadeiramente interessados em promover a paz.
“Esse deverá ser o papel desempenhado pelo presidente Lula. Ele já deu os passos iniciais nesse sentido e já anunciou essa ideia. Se terá êxito, ninguém pode saber, mas é uma ideia bastante promissora em virtude do impasse em que nós nos encontramos hoje”, diz.
A pesquisadora Isabela Gama, especialista em teoria das relações internacionais e BRICS, acredita que as relações entre Brasil e Rússia vão se manter normalizadas no governo Lula.
Segundo ela, é típico da política externa brasileira não se envolver em conflitos, mantendo as relações estratégicas necessárias. Ela diz que o Brasil separa o conflito de relacionamentos em outros âmbitos, como cooperação econômica.

“Não vejo um rompimento ou algo inesperado. Acredito que a política externa do governo Lula vai estar bastante previsível”, afirma a pesquisadora, pós-doutoranda pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME).

Segundo ela, é provável que haja uma perspectiva de engajamento cada vez maior no relacionamento entre as duas nações.
“A Rússia precisa de parceiros de peso, afinal está tentando se contrapor ao Ocidente, que tenta definhar a Rússia e também a China como uma grande potência”, disse.

Brasil ajudará a ‘relançar’ BRICS

Gama avalia que este é um momento de “ressurgimento” do Brasil no cenário internacional. Com Lula, ela acredita em um Brasil voltado “à cooperação Sul-Sul, multilateral e ao BRICS”.

“É possível que o peso do Brasil seja bastante significativo, o que não foi nos últimos anos para o BRICS. Teve um relacionamento bastante morno, digamos. Tivemos uma política externa um pouco errática durante o governo [de Jair] Bolsonaro. Com o retorno do Lula como presidente, acredito na tentativa de fortalecimento dos órgãos multilaterais”, aponta.

Ela ressalta que o Brasil não pretende criar um “novo bloco antiocidental”, pois esse não é o perfil da política externa brasileira, mas sim reunir forças em termos de cooperação para a América do Sul e a América Latina e maior engajamento com parceiros em desenvolvimento.
Já Gonçalves, da UERJ, afirma que o Brasil manteve-se afastado do BRICS nos últimos quatro anos porque o governo Bolsonaro era “completamente avesso aos objetivos do BRICS”.
Por isso, segundo o especialista, o “retorno do Brasil ao BRICS” é muito importante para voltar a dar densidade política ao grupo e relançá-lo como ator relevante das relações internacionais, visando a “uma nova ordem internacional para os países em desenvolvimento, comprometidos com a paz mundial”.

“Em virtude desse afastamento, o BRICS ficou reduzido à relação entre Rússia e China. E o BRICS nos seus objetivos é muito mais do que isso. O BRICS é um agrupamento de grandes países fora do eixo atlântico e da OTAN, com um compromisso muito sério com os países em desenvolvimento e da periferia”, disse o professor.

‘Ocidente não quer paz, e sim destruir a Rússia’

Sobre o papel da OTAN no conflito, Gonçalves destaca que Lavrov “deixa bem claro” que sabe que o objetivo da aliança militar é usar a Ucrânia para desgastar as Forças Armadas da Rússia e a imagem do presidente Vladimir Putin.
Na entrevista à Sputnik, o chanceler russo afirmou que o presidente ucraniano, Vladimir Zelensky, não é uma figura independente, por ser manipulado pelo Ocidente, e que a Rússia deseja acabar com o conflito, mas o fator tempo não é essencial.
O professor avalia que, ao mesmo tempo em que mostra a disposição de Moscou em negociar, Lavrov indica que sua retaguarda política continua sólida e que as relações com a China se mantêm em um patamar de entendimento bastante elevado.
“É um discurso bastante seguro, de quem tem o controle da situação e sabe quais são os objetivos do inimigo e não os teme. É um discurso que mostra uma posição clara da Rússia hoje”, disse Gonçalves.
Isabela Gama pontua que a Rússia está tentando fazer negociações plausíveis, “não de acordo somente com as exigências da Ucrânia”.
Além disso, a especialista lembra que os Estados Unidos estão lucrando com o conflito, “não só em termos financeiros, mas em capital político”, já que não estão próximos geograficamente da Ucrânia.
“O Ocidente não está tentando alcançar a paz. É uma tentativa de destruir a Rússia por meio da Ucrânia. A Ucrânia está sendo simplesmente uma marionete nesse processo de tentativas de diminuir a influência da Rússia e, por conseguinte, da China”, afirmou.

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