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segunda-feira, 25/11/24
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Arquidiocese de SP e Confederação Israelita celebram 50 anos da ‘Nostra Aetate’

A Arquidiocese de São Paulo e a Confederação Israelita do Brasil (Conib) celebraram na noite de quarta-feira, 2, os 50 anos da publicação da Declaração Nostra Aetate, aprovada pelo Concílio Vaticano II e promulgada pelo papa Paulo VI em 28 de outubro de 1965, em Roma. Da comemoração, no Teatro Tuca, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), participou o cardeal suíço Kurt Koch, presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos e da Comissão para as Relações Religiosas com os Judeus.

Cerca de 250 pessoas, incluindo autoridades civis e eclesiásticas, ouviram o discurso, que ele leu em português, embora fale alemão, italiano e inglês, sobre o conteúdo e a atualidade da Nostra Aetate (Em Nossa Época).

O arcebispo de São Paulo, cardeal d. Odilo Scherer, um dos oradores da noite, disse que as comunidades católica e judaica mantêm um bom diálogo na sua arquidiocese e têm trabalhado juntas na defesa dos direitos humanos. O presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib), Fernando Lottenberg, salientou a ação do cardeal d. Paulo Evaristo Arns e do rabino Henry Sobel no combate à ditadura militar, nos anos 1970. Foi esse também o tom do discurso do rabino Michel Schlelesinger, sucessor de Sobel na presidência da Congregação Israelita Paulista (CIP).

Todos lembraram a estreita ligação do cristianismo com o povo de Israel, escolhido por Deus para Antiga Aliança. “Israel, o povo de Deus, e a Igreja são inter-relacionados e interdependentes”, afirmou Koch, advertindo que não se entende Jesus sem Israel. A declaração Nostra Aetate, disse ainda o cardeal suíço, faz justiça aos judeus, depois de séculos de conflitos, perseguição e discriminação contra eles. “Essa declação deve ser uma bússola útil para a conciliação entre cristãos e judeus”, acrescentou.

Documento

A Nostra Aetate (Em Nossa Época), um dos 16 documentos do Vaticano II, que publicou constituições, decretos e declarações, foi aprovada na última sessão do Concílio. Um primeiro texto, que seria o quarto capítulo do Decreto sobre o ecumenismo, com o título “A atitude dos católicos perante os não-cristãos, em particular perante os judeus”, foi apresentado em novembro de 1963 pelo Secretariado para a União dos Cristãos, mas não chegou a ser debatido, por falta de tempo. Reapareceu em 1964 como Declaração “de Iudaeis et non-Christianis”, bastante modificado.

O novo esquema foi debatido em setembro de 1964 e remodelado, voltando a debate no dia 18 de novembro de 1964, agora com o título “De Ecclesiae habitudine ad religiones non-christianas”, sem mencionar os judeus no título. O texto recebeu 242 votos com modificações no dia 20 de novembro e só chegou ao plenário em setembro de 1965, tendo sido votado nos dias 14 e 15 de outubro. Finalmente, na Sessão Pública de 28 de outubro, recebeu 2.221 votos favoráveis, 88 contrários e 3 nulos. Foi promulgado no mesmo dia pelo papa, com o título Declaração Nostra Aetate sobre as Relações da Igreja com as Religiões não-cristãs.

Escrito em latim (com edição bilíngue em muitos países), Nostra Aetate tem 19 artigos distribuídos em seis partes – Preâmbulo, As diversas Religiões não-Cristãs., A Religião Muçulmana, a Religião Judaica, a Fraternidade Universal com Exclusão de qualquer Discriminação e Promulgação. O judaísmo, com oito artigos, ocupa o maior espaço da declaração. O texto justifica, no primeiro parágrafo, a importância dada ao povo judeu: “Perscrutando o Mistério a Igreja, este Sacrossanto Concílio recorda o vínculo pelo qual o Novo Testamento está espiritualmente ligado à estirpe de Abraão”.

O Concílio destaca que todos os fiéis cristãos, “filhos de Abraão segundo a fé, estavam incluídos no chamamento do mesmo Patriarca e que a salvação da Igreja estava misteriosamente prefigurada no êxodo do povo eleito da terra da escravidão”. É por isso, continua o documento, que a Igreja não pode esquecer que, por meio daquele povo, com o qual Deus estabeleceu a Antiga Aliança, ela recebeu a Revelação do Antigo Testamento…” Nostra Aetate acrescenta, mais adiante, que sendo tão grande o patrimônio espiritual comum aos Cristãos e Judeus, o Concílio “quer fomentar e recomendar a ambas as partes mútuo reconhecimento e apreço”.

O Concílio lembra que “os principais dos judeus (autoridades), com seus seguidores, insistiram na morte de Cristo”, mas afirma que “aquilo que se perpetrou na sua Paixão não pode indistintamente ser imputado a todos os judeus que então viviam, nem aos de hoje”. Em seguida, o texto adverte que “embora a Igreja seja o novo povo de Deus, os judeus, no entanto, não devem ser apresentados nem como condenados por Deus, nem como amaldiçoados, como se isso decorresse das Sagradas Escrituras”. O Concílio lamenta “os ódios, as perseguições, as manifestações anti-semíticas, em qualquer tempo e por qualquer pessoa dirigidas contra os judeus”.

Foi do papa João XXIII, declarado santo no ano passado, a iniciativa de incluir o debate sobre as relações com os judeus no plenário do Concílio. Ele encarregou o Secretariado para a União dos Cristãos, no início do trabalho preparatório da reunião, em 1960, de elaborar um pronunciamento sobre o tema. Houve resistência e alguns padres conciliares (bispos participantes) alegaram que o documento não estaria em conformidade com as doutrina tradicional, pois os escritos cristãos com frequência haviam condenado o povo judeu por infidelidade. João XXIII insistiu e começou por retirar das preces rezadas na Semana Santa uma alusão “aos pérfidos judeus”, que culpava o povo de Israel pela crucifixão de Cristo.

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