Ato ocorre no mesmo dia em que defesa da presidente fala na Câmara. Movimentos sociais contrataram ônibus; concentração foi no estádio.
Integrantes de movimentos sociais marcharam do estádio Mané Garrincha até o Congresso Nacional na tarde desta quinta-feira (31) em protesto contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Eles ocuparam as faixas do Eixo Monumental – que já tinha o trânsito bloqueado desde as 16h – com gritos de “o povo unido jamais será vencido” e “não vai ter golpe, vai ter luta”.
O grupo estendeu uma longa faixa com a mensagem “não vai ter golpe” e também carregou uma bandeira do Brasil. A Polícia Militar informou inicialmente a presença de 50 mil pessoas no ápice dos atos. Depois, a corporação corrigiu o número para 40 mil. Às 22h10, a Secretaria de Segurança Pública divulgou nota com revisão do número final de manifestantes para 50 mil. Os movimentos sociais que comandam o protesto disseram, por volta de 19h50, calcular a adesão de 200 mil pessoas.
Um vídeo com uma mensagem gravada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava previsto para ser exibido em frente ao Congresso Nacional, mas a apresentação foi suspensa por “problemas técnicos” – não havia telão para a projeção. A gravação foi disponibilizada na página oficial do petista no Facebook.
No vídeo, Lula afirma que não se conserta um país “fora da democracia” (veja acima). “O povo brasileiro não fecha os olhos para os problemas nem se conforma com o que está errado e precisa ser corrigido. Mas o Brasil sabe que não existe solução fora da democracia. Que não se conserta um país andando para trás. Que não há poder legítimo se a fonte não for o voto popular”, afirma Lula na gravação.
Em outro trecho, o ex-presidente diz que a sociedade brasileira sabe “o quanto custou recuperar a liberdade e a legalidade”. “Quanta luta, quanto sacrifício e quantos mártires. E, nessas três décadas de vida democrática, aprendemos que um grande país se constrói caminhando sempre adiante. Consolidando e conquistando novos direitos sociais, coletivos e individuais.”
Os manifestantes usaram um sinalizador vermelho durante o protesto. Além disso, projetaram a frase “Fora Cunha”, em alusão ao presidente da Câmara dos Deputados, nos prédios do Congresso Nacional.
A oficial de chancelaria Elisa Mendes se juntou ao ato após o expediente. “Eu espero que o protesto demonstre para o clero político que a opinião pública não é homogênea. Tem muita gente vendo o impeachment como inconstitucional. Eu defendo que a Dilma permaneça até o fim do mandato, mesmo que não concorde com algumas medidas que ela adotou.”
A geógrafa Jussara Rezende estendeu uma faixa com os dois filhos em repúdio contra as decisões do juiz Sérgio Moro, que analisa os processos da Operação Lava Jato. “O que nós queremos é que a Dilma não passe pela vergonha desse impeachment, que a oposição encare o governo nas urnas, sem golpe”, disse.
Também na manifestação, o paulistano Luca Golia, de 50 anos, fez críticas à oposição. “Esse cartaz representa fusão dos coxinhas e das entidades dos empresários, da elite antidemocrática. Eles berram a favor do golpe. É legítimo que eles gritem, mas não podemos correr o risco de perder o estado democrático de direito. Os estudantes que estão aqui não estão por partido político.”
Outros grupos de manifestantes já estavam no gramado do Congresso e em frente ao Ministério das Cidades quando a passeata teve início – às 16h. Um deles, com membros do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, chegou a se reunir com o ministro das Cidades, Gilberto Kassab, para cobrar mais recursos para o Minha Casa, Minha Vida.
Por volta das 15h, na prévia do protesto, integrantes da manifestação removeram a bandeira do estado do Ceará na Alameda das Bandeiras e hastearam a da Frente Nacional de Luta (FNL). Eles também aproveitaram para conhecer a Catedral Metropolitana de Brasília.
A concentração começou por volta de 6h no Estádio Mané Garrincha, que fica a cerca de cinco quilômetros do Congresso Nacional. Ônibus contratados pelos movimentos sociais levaram os manifestantes e ficaram estacionados no local. Ambulantes aproveitaram a ocasião para comercializar lanches e artigos temáticos do Partido dos Trabalhadores.
Quem não vestia as cores do movimento ganhou coletes e bonés vermelhos da CUT. Os militantes estenderam faixas no estacionamento do estádio e ganharam alimentação. Entre as mensagens estavam “em defesa da democracia: golpe nunca mais”, “somos todas Margaridas” e “o alvo do impeachment é a classe trabalhadora”. Também havia críticas a políticos do PSDB e aliados.
O ato reuniu membros de diferentes movimentos sociais de cidades mineiras, baianas, paraibanas e pernambucanas. Havia bandeiras da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Frente Nacional de Luta (FNL), Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais (Contag), União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), União da Juventude Socialista (UJS), Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e sindicatos estaduais de metalúrgicos e trabalhadores rurais.
Indígenas da etnia xakriabá, do norte de Minas Gerais, também participaram do ato. Por causa da manifestação, todos os retornos da Esplanada dos Ministérios – à exceção da passagem da Alameda dos Estados – foram bloqueados desde o início da manhã. A opção para motoristas é trafegar pelo Buraco do Tatu ou pela plataforma superior da Rodoviária do Plano Piloto.
De acordo com o Detran, por volta de 16h, a interdição na via N1 se estendeu para o trecho entre a W3 Norte e o Palácio do Buriti. Já na via S1, o bloqueio ocorreu entre o Tribunal de Justiça e a Esplanada dos Ministérios.
Pela manhã, um grupo usou faixas com mensagens contrárias ao impeachment para formar “Dilma fica” em frente ao Palácio do Planalto, enquanto outro grupo se deslocou ainda pela manhã para a frente do Banco Central, onde pediu o não pagamento da dívida pública – no valor de R$ 2,79 bilhões, segundo dados do Tesouro Nacional – e cobrou a realização de reforma agrária.
Antes do almoço, os cerca de 300 manifestantes que ainda estavam no local desceram para o gramado do Congresso Nacional. Eles fecharam duas faixas do Eixo Monumental no trajeto. Ao chegar no local, os militantes estenderam faixas vermelhas, cor símbolo do PT, e se sentaram para almoçar. A temperatura era de 27 °C, e eles aproveitaram a sombra feita por placas e por um trio elétrico para tentar amenizar o calor.
A Secretaria de Segurança Pública informou que 1,2 mil policiais militares, 150 bombeiros e 80 agentes do Detran foram mobilizados para atuar na manifestação. Representantes de movimentos a favor do impeachment foram orientados pela pasta a não comparecerem ao local, já que a marcha a favor de Dilma estava marcada com antecedência.
Cerimônia de apoio
Uma cerimônia organizada no Palácio do Planalto reuniu artistas e intelectuais contrários ao processo de impeachment. Entre as celebridades que participaram do ato político na sede do Executivo federal estão a cantora Beth Carvalho, os atores Letícia Sabatella, Osmar Prado e Sérgio Mamberti, o escritor Fernando Morais e a cineasta Anna Muylaert, diretora do filme “Que horas ela volta?”.
O diretor teatral Aderbal Freire Filho criticou o que ele classificou de “farsa” usada na política e, sem citar nomes, disse que há personagens “ridículos, fanfarrões e emperrados até o pescoço em corrupção” que estão capitaneando o processo de impeachment da presidente.
“Quando a imprensa usa esses personagens, há a farsa do impeachment. Esta é a farsa. E há outros gêneros teatrais neste momento político. Estamos assistindo a uma comédia, que podia se chamar ‘Os virtuosos ridículos'”, ironizou Freire Filho, sob aplausos da plateia.
A manifestação de apoio de parte da classe artística ocorre na semana em que a petista viu seu principal aliado, o PMDB – legenda do vice-presidente, Michel Temer –, deixar oficialmente a base aliada e exigir que seus filiados se desliguem de seus cargos no governo federal. Desde então, Dilma passou a intensificar as conversas com outros partidos aliados para tentar evitar uma debandada da base governista.
Na semana passada, Dilma reuniu no Planalto juristas, advogados, defensores públicos e promotores contrários ao impeachment. No ato, ela recebeu cerca de 30 manifestos de apoio ao governo, e juristas também classificaram de “golpe” o processo de impeachment em tramitação no Congresso Nacional.
Processo e pesquisa
Chamado a falar em defesa da presidente Dilma Rousseff na comissão do impeachment, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, afirmou nesta quinta-feira (31) que o governo fez o “maior corte da história” em 2015 e não pode ser acusado de cometer crime de responsabilidade nem “irresponsabilidade fiscal”. O colegiado dará parecer pela instauração ou não do processo de afastamento.“
No ano passado, o governo fez o maior contingenciamento da história. Não há que se falar de flexibilidade fiscal, de irregularidade fiscal ou de crime de responsabilidade fiscal no momento em que o governo fez o maior contingenciamento da história”, disse.
Ele afirmou ainda que a comissão do impeachment deve se ater a denúncias relacionadas ao atual mandato da presidente Dilma Rousseff. O pedido de abertura de impeachment leva em conta atos cometidos em 2014, último ano do primeiro mandato, e 2015, primeiro ano do segundo mandato.
A instalação da comissão especial que analisa o impeachment aconteceu em 17 de março. O colegiado terá cinco sessões depois da defesa para votar parecer pela continuidade ou não do processo.
Após ser votado na comissão, o parecer sobre o pedido de impeachment segue para o plenário da Câmara, que decide se instaura ou não o processo. Para a instauração é preciso o voto de 342 deputados.
O Senado pode invalidar essa decisão da Câmara. Se avalizar, a presidente da República é afastada por 180 dias, enquanto durar a análise do mérito das acusações contidas no pedido de impeachment.
Pesquisa Ibope divulgada nesta quarta-feira (30) mostra que 69% dos entrevistados desaprovam o governo Dilma. No dia anterior, o PMDB oficializou o rompimento com a gestão. A orientação é de que os seis ministros da legenda deixem o cargo. Presidente do partido e vice-presidente da República, Michel Temer permanece na função sob a alegação de que foi eleito.
O Planalto tenta montar uma estratégia a fim de fazer com que, diante do rompimento do PMDB com o governo, a presidente Dilma passe a contar com o apoio de outros partidos e parlamentares no Congresso Nacional. Na prática, o Executivo está disposto a negociar cargos que serão deixados por integrantes do partido para garantir o apoio necessário para barrar o processo de impeachment.