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sábado, 23/11/24
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Dieta para quê? Dieta para quem?

Afora a correta eliminação de alimentos prejudiciais à saúde, o que se vê são elucubrações sugerindo o emagrecimento por rearranjos alimentares

“Afora a correta eliminação de carboidratos refinados, gorduras sem qualidade e alimentos processados (com todos os seus aditivos) das dietas, o que temos visto são elucubrações sugerindo o emagrecimento por rearranjos alimentares”.

Há mais de duas décadas minha rotina diária contempla o tratamento de obesidade e sobrepeso, estudos sobre estas questões e as circunstâncias que se relacionam com este universo. Do alto deste simbólico belvedere me sinto à vontade para discorrer nesta coluna parte do que vejo neste cenário, especialmente no que tange aos malabarismos dietéticos visando o emagrecimento, que percorrem uma estrada do sensato ao inconsequente.

Estabelecer uma dieta como padrão de referência universal é ao menos discutível. Sempre haverá algum desrespeito cultural, geo-topográfico ou mesmo na individualidade das decisões de gestão de vida. Partamos então para uma correspondência histórica e estatística.

A dieta mediterrânica, única associada estatisticamente com maior longevidade, não suprime ou prepondera qualquer grupo alimentar. Em uma lógica absolutamente simples, sem alimentos processados e privilegiando gorduras insaturadas, grãos sem refino, verduras, legumes, frutas secas, castanhas e carnes brancas, seus adeptos angariam maior expectativa de vida, sendo ainda autorizados a adicionar uma taça de vinho às refeições. Se consumida desde a mais tenra idade provavelmente proteja do ganho ponderal, mas, se iniciada por ocidentalizados glutões a perda de peso não ocorrerá.

Dietas cartesianas para emagrecimento

Se descartarmos a coerência do escrito no parágrafo anterior e o óbvio prejuízo gerado pelo consumo de carboidratos refinados, gorduras sem qualidade e alimentos processados (com todos os seus aditivos), o que temos visto são elucubrações sugerindo o emagrecimento por rearranjos alimentares.

Ok, divagações bem intencionadas, que sobrevivem ao curto prazo, porém, capitulam ao crivo do tempo. Foram então criadas: dieta sem carboidrato, com pouco carboidrato (para essa utiliza-se o nome em inglês: Low Carb), jejum prolongado (também chamada de jejum intermitente), de alimentos inteligentes, apenas alimentos crus, dietas sem glúten, sem lactose e muitas outras. Em algumas destas versões a divisão das porções a cada três horas é imposição quase militar.

Engenharia alimentar esperançando o obeso

Sob a luz dos mesmos princípios citados acima são fabricados inúmeros itens: barras de cereais com fibras, castanhas e frutas secas; leites e derivados sem gordura e mesmo sem lactose; refrigerantes e outros itens sem açúcar. Envelopes supostamente contendo todos os itens fundamentais para suas necessidades nutricionais diárias, com substâncias sacietógenas para abstrair sua fome.

Um mar de recursos para driblar desejos e alcançar a tão esperada perda de peso são prescritos ou comprados voluntariamente pelo postulante à boa forma. Ótimo, para aqueles que o comercializam, eventualmente, bons para doenças específicas (diabetes e algumas intolerâncias) e temos dúvidas se além de inócuos no tratamento da obesidade possam também não ser inofensivos.

Algumas insuportáveis, outras insustentáveis. E as necessárias.

É inegável que a utilização das dietas sem carboidratos ou low carb são fisiologicamente alicerçadas. Esses conceitos mostram-se úteis em alguns contextos patológicos, incluindo o emagrecimento, contudo, a primeira se mostra intolerável quanto à palatabilidade à curto prazo, enquanto a low carb é enfadonha o suficiente para afastar a maior parte de seus necessitados adeptos em alguns meses.

Se o jejum prolongado (jejum intermitente) traz benefícios em algumas doenças, especialmente as de ordem inflamatória, tais como as enfermidades reumáticas, o faz provavelmente pelo período de silêncio ou abrandamento metabólico gerado pelo jejum, mas, seguramente não provoca perda de peso sustentada.

Portadores de doença celíaca, menos em algumas outras formas de intolerância ao glúten, carecem da retirada deste item da dieta. É imperativo. Porém, se a pretensão ao abstrair essa proteína da dieta é abandonar o alto peso, não o faça. Não emagrece. Raciocínio semelhante seja feito para os intolerantes à lactose, se a dieta for adotada com intenções adelgaçadoras, esqueça.

Onde erramos?

O problema é o de sempre, o irritante tempo revelando a falibilidade humana. Os centros da fome e saciedade “definitivamente modificados” por disruptores endócrinos (substâncias ingeridas ou inaladas) é uma causa provável. Equívocos dietéticos e comportamentais a caminho da vida adulta gerando novo status no famigerado termostato é outra explicação.

O açúcar é acusado de induzir maior número de células gordurosas (provavelmente apenas na primeira infância), assim como incitar estas células a uma maior produção de gorduras. De outra forma, o mesmo é capaz de gerar respostas em nosso cérebro relacionadas ao prazer, o que talvez mesmo com os centros de saciedade e fome ainda sem mudanças, nos faça dependentes do doce recurso para alcançarmos a sensação de bem estar.

O fato é que a dieta como recurso único para o tratamento da obesidade se aproxima do completamente (para não desprezar os 5 a 10% de abnegados vencedores) falível, o que lamentavelmente nos faz refém da aceitação do peso, de remédios ou de cirurgias.

Tais paradigmas não estão sendo quebrados por este colunista, estão sendo expostos pela ciência e com atraso indesculpável. Há algumas semanas uma minuciosa revisão sobre obesidade, elaborada pela Endocrine Society, foi disponibilizada e em um dos trechos dessa publicação lê-se: “A falta de opções efetivas para a redução do peso em longo prazo amplia a enormidade desse problema (obesidade). Os indivíduos que completaram com sucesso os programas comportamentais e dietéticos de perda de peso recuperaram a maior parte do peso perdido”

É preciso que haja o entendimento de que a melhor maneira de emagrecer é sempre não engordar. Precisamos buscar trajetórias para essa conquista, talvez agora de pouca valia para nós, mas, crucial para nossos descendentes.

Ou pior ainda: o psiquiatra

Contudo, a maior sequela dos geniais arranjos alimentares que prometem, mas, não entregam perda de peso mantida, ou, que não se sustentam em sua exequibilidade, é a descrença desenvolvida pelos pacientes para uma boa rotina alimentar. Ou pior ainda, a auto culpabilização do fracasso.

Orientações conscienciosas sempre serão de grande valia para a saúde de todos nós. Adicionalmente, se iniciadas bem cedo na vida, podem ainda nos proteger da obesidade ou em qualquer momento não permitir ganho ponderal maior.

Alguns pacientes assumem a autoria do naufrágio de seus tratamentos com graves relatos, tais como: “não encontrei tempo para fazer exercícios”, “ viajei e não resisti aos restaurantes”, “o trabalho me consumiu e não consegui pensar em dieta”, ou, confissões ainda piores, do tipo “eu não consegui fazer a dieta a cada três horas”.

Ora, por favor, não existe um só estudo científico de “longo prazo” demonstrando perda ponderal induzida ou melhorada pela divisão de determinado número de calorias em 3 ou 30 vezes ao dia, nem tão pouco com exercícios isoladamente gerando magreza. Adicionalmente, ceder ao fascínio da esperada viagem e seus restaurantes é humano e necessário, do contrário, a melhor opção seria o seguimento psiquiátrico.

 

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