Com 75% de redução de outorgas para captar água dos rios e chuvas inconstantes, a produção de hortaliças, grãos e frutas caiu drasticamente. Para produtores, situação poderia ter sido menos desastrosa se o planejamento estatal fosse melhor
A forte seca do Distrito Federal causou R$ 600 milhões em prejuízos para os agricultores locais, de acordo com cálculos feitos pela Secretaria de Agricultura. O valor corresponde a 25% dos R$ 2,4 bilhões anuais que o segmento gera de riquezas. Com menos água disponível, redução do volume das outorgas (autorização para captar água dos rios e nascentes, principalmente) e diminuição das vazões dos rios, a área plantada teve queda, assim como alguns produtores não conseguiram fazer a safrinha — uma plantação entre as duas safras principais. Por causa da crise hídrica, a Agência Reguladora de Águas (Adasa) editou pelo menos sete resoluções restringindo o uso dos mananciais na área rural. Atualmente são 87.111 produtores rurais no DF.
Brazlândia foi uma das mais atingidas pelas medidas de contenção por estar localizada na bacia do Rio Descoberto, onde fica o reservatório. A região é a principal produtora de hortifruti no DF e é responsável por 24% dos produtos comercializados na Centrais de Abastecimento do DF (Ceasa-DF). Os agricultores de Planaltina, responsáveis, principalmente pela produção de grãos como soja e milho, também adaptaram o modo de plantar: desligaram pivôs e fizeram rotatividade de uso do equipamento. Isso porque os córregos diminuíram a vazão, o que prejudicou até o abastecimento da área urbana. As bacias de Planaltina são sobrecarregadas pelo uso urbano e agrícola.
A agricultura sofreu dois impactos em 2017 em relação à água. O primeiro deles foi o atraso das chuvas que prejudicou as regiões de sequeiro, isto é, aquelas que não têm irrigação. A irregularidade retardou o início do plantio. Além disso, como as chuvas foram incertas, as frutas, verduras e os grãos acabaram prejudicados. “Neste ano, chovia, depois ficava 15 dias sem chover. Dependendo da fase que estiver, o produtor perde a plantação, ela pode até secar. Se estiver geminando, por exemplo, o grão se perde”, explica Havay Miranda Júnior, coordenador técnico da Federação da Agricultura e Pecuária do DF (Fape-DF).
O segundo impacto veio da restrição do uso dos pivôs centrais. Durante o período da seca, os produtores ativam a irrigação para compensar a falta de chuva, no entanto, a atividade foi prejudicada por causa das restrições da Adasa em manter a segurança hídrica. “Nós estamos com 75% de restrição de outorga. Muita gente não fez a terceira safra”, explica o secretário de Agricultura, Argileu Martins. “A agricultura é um atividade de muito risco climático, o produtor pode perder tudo o que investiu”, complementa.
Na avaliação da Fape-DF, a situação do campo poderia ter sido menos desastrosa se o planejamento estatal fosse melhor. “A gente viu uma falta de ação efetiva para enfrentar essa dificuldade. Os órgãos ambientais começaram a lacrar pivôs, bombas e não chovia”, defende Havay. Segundo ele, no setor de horticultura, a situação foi mais dramática. “Primeiro, o produtor irrigava de manhã e de tarde, depois, podia só um turno, depois, um dia sim e um dia não. O resultado foi a redução da produção. Houve uma descapitalização forte dos produtores de hortaliças. Alguns venderam equipamentos como motor, trator, sistema de irrigação para conseguir comer”.
Impactos no mercado
De acordo com o presidente da Ceasa, José Deval, folhagens, como alface e brócolis, foram os mais prejudicados com a falta de água, o que levou ao aumento do preço desses alimentos para a mesa do consumidor em novembro. Deval explica que 26% do que é vendido no Ceasa é produzido no DF, sendo que, desse percentual, apenas 2% não vêm de Brazlândia — região bastante atingida pela crise hídrica. “Alface, brócolis e outras folhagens precisam de muita água, de irrigação superior via aspersores, difícil de substituir por outras técnicas mais econômicas de irrigação, como o gotejamento e a microaspersão. E são produtos que se perdem rápido, não dá para viajar longas distâncias”.
Entretanto, Deval destaca que o preço dos alimentos não subiu mais por causa da produção vinda de outros estados, como Goiás, Minas Gerais e Bahia, que supriram o mercado de Brasília com a diminuição da oferta dos alimentos plantados no Distrito Federal. Ele comenta também que a boa produtividade por hectare do que foi plantado no DF também ajudou a manter a oferta de alimentos e os preços equilibrados. “O morango ainda está com um valor acessível, mesmo depois da época, porque os cultivos estão usando muita tecnologia e a produção foi boa. Assim como aconteceu com a cebola e a abóbora kabutiá”.
Na produção de grãos, como milho e soja, o impacto dos pivôs desligados só não foi mais grave por causa do bom rendimento da primeira safra. “Apesar de muita gente ter perdido a safrinha, quem colheu, colheu bem”, explica Havay, da Fape. Mas, segundo ele, as previsões para 2018 não são otimistas. “A expectativa é de redução de 10% a 13% na produção de grãos”.
Negociação
A Adasa informou que vem realizando trabalhos com os produtores rurais. Uma das principais ações é a celebração dos termos de alocação negociada, que são firmados entre a agência e representantes dos usuários de água das regiões atendidas, como Brazlândia e Taguatinga. Por meio desses acordos, foram estabelecidos horários específicos para a captação e irrigação.
De acordo com a Adasa, há uma redução nas retiradas de recursos hídricos nos mananciais contribuintes para o Reservatório do Descoberto. Em medições de vazão realizadas nos pontos de controle monitorados, a economia aferida chegou a 20% no consumo de águas superficiais. Além disso, a Adasa promove educação ambiental e a conscientização de usuários da região a respeito do uso racional dos recursos hídricos, por meio de palestras e reuniões.
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