Nada mais autêntico, comovente e educativo do que o discurso de despedida de Tiririca: lugar de palhaçada é no circo, não no Congresso Nacional.
A comédia acabou! – assim termina a ópera Paggliaccio, de Ruggero Leoncavallo. Nada mais autêntico, comovente e educativo do que o discurso de despedida de Tiririca proferido neste último 6 de dezembro. Sua mensagem foi clara: lugar de palhaçada é no circo – não no Congresso Nacional. Em paz com sua consciência, ele volta para o circo. Mas diz claramente ao país que o Congresso Nacional está cheio de falsos palhaços. E que ele, um autêntico palhaço, nunca fez palhaçadas no Congresso.
Resumo da ópera: na sua primeira e última intervenção como deputado federal, Tiririca subiu ao microfone para externar sua decepção com os colegas. Ele não falou de decepção com o país. Não falou de decepção com as instituições. Falou de decepção com as pessoas. Que trabalham pouco. Que não comparecem ao trabalho. Que dão carteiradas. Que usam e abusam de mordomias. Que votam contra o povo. Que não andam de cabeça erguida em lugares públicos. Que têm vergonha de dizer qual é a sua profissão. E que, segundo ele, são a maioria na Câmara.
A decepção do palhaço nada tem de metafísico ou de abstrato: é a decepção com as pessoas de carne e osso que traem os seus compromissos e os seus princípios – como Nedda traiu Cânio. A vida imita a arte! Palhaços cativam as crianças pelo modo desajeitado com que eles realizam as acrobacias mais desafiadoras. Palhaço de verdade sabe fazer tudo melhor do que os melhores acrobatas e malabaristas – a diferença é que o fazem com graça. A despedida de Tiririca é uma peça de arte, um monumento à simplicidade, uma obra-prima que só um verdadeiro palhaço seria capaz de esculpir.
Numa das árias mais comoventes da ópera “Vesti la giubba”, o palhaço era ridicularizado por seu infortúnio: “Sê autêntico, palhaço! Vista sua máscara, maquie seu rosto, aqui as pessoas querer rir. E se Arlequim roubar sua Colombina, ri, Palhaço, e todos aplaudirão… Ri, Palhaço, no seu amor despedaçado, ri da dor que lhe envenena seu coração!”.
Tiririca não riu, nem se deixou envenenar pela dor. Mas na sua comovente simplicidade, denuncia os preconceitos de que foi vítima – o maior dos quais foi sua atitude de tratar bem a todos, mas especialmente os funcionários e serviçais mais humildes da Casa. E deixa sua marca profunda nos Anais do Congresso, ao denunciar sua decepção com os seus pares. Orgulhoso de sua profissão, ele se revolta, com linguagem simples e direta, contra parlamentares travestidos de palhaço. Palhaços que traem seus eleitores. Palhaços que votam contra os interesses do povo. Não! Não são esses os palhaços com quem quero conviver! – “A comédia acabou!”.
Tiririca deixa aos eleitores duas profundas reflexões. A primeira é a de que devem pensar duas vezes antes de votar em pessoas por desilusão ou apenas porque são populares ou famosas. Elas precisam ser honestas e ter uma folha de serviços para mostrar. Mas a segunda reflexão é ainda mais importante: onde queremos ver palhaçada? No circo? Ou no Congresso Nacional?