Os 2,4% mais ricos entre os declarantes do Imposto de Renda Pessoa Física no ano passado detêm R$ 463,87 bilhões em rendimentos isentos de tributação – o equivalente a 55% do total de R$ 844 bilhões que ficaram livres do imposto em 2017. O levantamento feito pelo ‘Estadão/Broadcast’ a partir de dados da Receita Federal revela o tamanho das distorções na tributação do Imposto de Renda no Brasil.
A proporção de isenção sobre o rendimento total é maior quanto mais rico é o contribuinte. Segundo dados da Receita, quem ganhou mais de R$ 70,4 mil mensais em 2016 teve cerca de dois terços da renda isentos de tributação. “Fala-se muito de benefícios como isenção de lucros e dividendos, mas não é só o setor privado. Não são só os empresários. É um conjunto de benefícios que estão no topo da pirâmide. No funcionalismo há um volume enorme de isenções que também são concentradoras de renda”, diz Rodrigo Orair, especialista em tributação e diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado.
Como mostrou o Estadão/Broadcast, quase um terço da renda da elite do funcionalismo público, formada pelos membros do Judiciário, Ministério Público e Tribunais de Contas, está isento de IRPF. Em 2016, cada juiz, procurador, ministro ou conselheiro de tribunal de contas do País recebeu em média R$ 630 mil, sendo cerca de R$ 180 mil livres de qualquer tributação Boa parte dessa isenção é alimentada por “penduricalhos” como o auxílio-moradia e a ajuda de custo.
Para o diretor da IFI, é normal que uma parcela de servidores recebam auxílios, mas ele defende que esses pagamentos precisam ser controlados e transparentes. “O que vemos é que isso cresceu demais e você começa a abrir margem para benefícios que são injustificáveis. Aí tem que separar. Se é indenização, tem que ter contrapartida, prestação de contas e um pouco de razoabilidade. Se é remuneração disfarçada, tem que ser tratada como salário. Se é salário, tem que ser tributado e tem que estar sujeito ao teto remuneratório”, afirma.
Segundo Orair, o Brasil precisa urgentemente fazer uma reforma do IRPF para diminuir a concentração de isenções nas mãos dos mais abastados. Segundo ele, sem essa discussão, as propostas recorrentes de correção da tabela do IR ou de criação de uma nova faixa de tributação com alíquota de 30% ou 35% (hoje, a faixa mais elevada é de 27,5%) são contraproducentes e não resolvem as desigualdades de tratamento entre os contribuintes. “Quando cria a nova faixa, acaba não atingindo os beneficiários da isenção tributária.”
Além disso, esse aperto na tabela poderia, na visão do economista, incentivar trabalhadores com carteira assinada, que têm seus salários tributados, a migrarem para a atuação como pessoa jurídica – a chamada “pejotização” -, com rendimentos isentos de IR. Orair lembra que, nas décadas de 8 e 90, havia uma visão global de que os benefícios tributários concedidos a quem estava no topo da pirâmide se converteria em investimento e crescimento. A realidade, porém, mostrou que isso não ocorreu, e os países agora começaram a rever essa tendência.