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segunda-feira, 23/12/24
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Entidades representantes de poupadores podem ganhar até R$ 600 milhões

Acordo bilionário garante que bancos indenizem perdas a poupadores causadas pelos planos Bresser, Verão e Collor 2

Brasília – Dez associações de defesa do consumidor deverão receber até R$ 600 milhões em honorários pelo acordo fechado entre poupadores e bancos para cobrir perdas sobre a remuneração da poupança nos planos Bresser (1987), Verão (1989) e Collor 2 (1991). O acordo, em fase de adesão para quem tem ação individual ou coletiva, prevê o pagamento pelos bancos de R$ 12 bilhões. Os órgãos de defesa terão direito a 5%.

A negociação foi feita pela Frente Brasileira de Poupadores (Febrapo) – o órgão mais conhecido do grupo, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), deixou a entidade após a decisão da Justiça. A maior parte das outras associações é desconhecida e não tem registro de atividades em causas semelhantes. Uma delas foi apontada por um ministro do STJ como “associação de gaveta”, quando uma instituição é criada por advogados para tirar proveito de ações civis públicas. Para especialistas, mesmo com esses problemas, o acordo é legítimo.

O acordo bilionário entre bancos e poupadores para ressarcimento das perdas com planos econômicos pode fazer com que dez associações de defesa do consumidor recebam até R$ 600 milhões em honorários. O valor será proporcional ao número de clientes que aderirem ao acordo por meio de ações coletivas de cada entidade.

Para encerrar a disputa, que se arrastou por três décadas, bancos aceitaram pagar R$ 12 bilhões a todos os que reclamaram na Justiça sobre a remuneração das cadernetas de poupança dos planos Bresser (1987), Verão (1989) e Collor 2 (1991). Por terem participado da negociação, os órgãos de defesa do consumidor têm direito a 5% do valor pago ao poupador beneficiado por ação coletiva. O dinheiro será pago pelos bancos, sem desconto aos poupadores.

Entre as associações beneficiadas, o nome mais conhecido é o do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), que existe desde 1987 e é uma das mais atuantes do setor. As demais não têm o mesmo prestígio.

Segundo critérios da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), sete delas têm características de “associações de gaveta”, como são conhecidas instituições criadas por advogados para tirar proveito de ações civis públicas existentes para atrair clientes.

A prática é vedada pela OAB e tem sido combatida pelo Ministério Público, mas, segundo especialistas, não torna o acordo ilegítimo, nem desvantajoso para o poupador.

Toda a negociação foi coordenada pela Frente Brasileira dos Poupadores (Febrapo). A entidade foi criada em 2016 por Estevan Nogueira Pegoraro, um advogado de Bauru (SP) que defende mais de 500 processos na Justiça, a maioria contra bancos. Coube a ele agregar entidades com ação coletiva para iniciar as conversas.

O jornal O Estado de São Paulo tentou contato com as dez associações que assinaram o acordo. Em alguns casos, nos endereços e telefones que constam no banco de dados da Receita Federal não funciona nenhuma associação. A maioria não conta com registro de atividade em outras causas, boa parte é desconhecida no setor de defesa do consumidor e uma já foi acusada pelo ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de ser “associação de gaveta” que atua em interesse próprio e sem origem na sociedade.

“Uma entidade de defesa do consumidor precisa ser encontrada pelo consumidor. Parecem entidades que existem legalmente, mas não estão estabelecidas de fato”, diz o presidente da Comissão de Direito do Consumidor da OAB-SP, Marco Antonio Araujo Junior.

A presidente da Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor, Alessandra Marques, afirma que o MP tem agido para impedir a ação dessas entidades. “Casos de associações sem representatividade têm sido informados aos juízes para evitar que sejam admitidos”, diz. A promotora ressalta, porém, que o acordo com os bancos continua vantajoso aos poupadores por encerrar a disputa.

Sedes fechadas e sem telefone

O poupador que tentar contato com associações pode se deparar com salas fechadas e telefones inexistentes.

Poupadores que tiveram perdas com os planos econômicos das décadas de 80 e 90 e são beneficiados de uma ação civil pública podem ter dificuldades se quiserem fazer a adesão ao acordo firmado com os bancos.

Não é tarefa simples entrar em contato com algumas das associações de defesa do consumidor que assinaram o acordo e podem fazer essa intermediação. Em alguns casos, o poupador chegará, desavisadamente, a um escritório de advocacia.

O acordo foi fechado no fim do ano passado e atualmente está em fase de adesão. Podem aderir poupadores que tenham alguma ação individual ou coletiva na Justiça, ou os que executaram sentenças de ações coletivas até 31 de dezembro de 2016, independentemente do vínculo com as associações.

Quem procurar, por exemplo, a Associação de Defesa dos Usuários do Sistema Financeiro de Americana e Região (Ausfar) vai encontrar um escritório de contabilidade e advocacia.

De acordo com o banco de dados da Receita Federal, a entidade está instalada na rua Vital Brasil, 88, no centro da cidade, e é presidida por Renato Sparn. Ao ligar para o telefone declarado à Receita, a pessoa que atendeu não conhecia a associação. “Au… o quê? Aqui não é isso não. É um escritório de contabilidade e advocacia”, respondeu.

O número declarado como sendo da associação é, na verdade, do escritório de advocacia e contabilidade Velida, cujo diretor é o mesmo Renato Sparn. O advogado foi procurado, mas não respondeu.

À Receita, o Instituto Brasileiro de Defesa do Cidadão, de Curitiba, informou que é dirigido por Johnson Sade. Ao ligar para o telefone declarado, quem atende é uma pessoa do escritório Johnson Sade & Advogados Associados que desconhece o instituto.

O mesmo acontece quando se busca o Instituto Pro Justiça Tributária, de Curitiba, e o Instituto Virtus de Cooperação, Desenvolvimento e Cidadania, de Francisco Beltrão (PR). Os telefonemas caem, respectivamente, em um escritório de contabilidade e de advocacia. Ambos desconhecem os institutos.

Na zona central de Brasília, a Associação para a Defesa dos Direitos Civis e do Consumidor tem sede declarada em um prédio comercial de escritórios e consultórios. A reportagem tentou visitar a entidade em três ocasiões diferentes nos últimos dias, mas a sala estava sempre fechada.

Funcionários dos escritórios vizinhos não conhecem a associação. Na administração do edifício, consta o registro de dois números de telefones que seriam da associação. Um deles é da área jurídica do Senado e o outro não existe.

Desconhecida

Já a Associação Brasileira do Consumidor informou à Receita que a sede fica em uma sala comercial do edifício construído no número 50 da avenida Nilo Peçanha, no centro do Rio. Na internet, o endereço é atribuído ao escritório Eduardo Chaves Advocacia.

O telefone, por sua vez, é de um escritório de contabilidade a três quarteirões dali, na praça Mahatma Gandhi. Lá, informaram que André Luiz Siqueira Melo, citado como diretor da associação, foi cliente daquele escritório há vários anos, mas não mantém contato há muito tempo.

Essa entidade fluminense teve um recurso rejeitado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2015 em ação civil pública por perdas nas cadernetas de poupança nos planos Bresser e Verão.

Na ocasião, o STJ lamentou que ações estavam sendo usadas “de forma indevida ou abusiva” por algumas entidades que já tinham sido classificadas pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) como “associações de gaveta”.

Sediada em Florianópolis, a Associação Catarinense de Defesa do Consumidor, que também assinou o acordo com os bancos, informou telefones que não funcionam. Entidades de defesa do consumidor do Estado não conhecem a associação.

Advogado que negociou acordo é presidente de time de futebol

Fundador e presidente da Frente Brasileira dos Poupadores (Febrapo), Estevan Nogueira Pegoraro dividiu com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) o protagonismo das negociações com os bancos. Quem acompanhou as reuniões diz que o advogado mantinha posições firmes e mostrava disponibilidade para comparecer aos longos encontros realizados em Brasília.

Pegoraro esteve em tantas reuniões para negociar o acordo entre poupadores e bancos nos últimos meses que sobrou pouco tempo para uma de suas paixões: o futebol.

Enquanto tratava com bancos, o advogado, de 37 anos, que também é presidente do Esporte Clube Noroeste teve uma grande perda nos campos: em abril, o time de Bauru viu enterrado o sonho de voltar à segunda divisão do campeonato paulista com a derrota por 1 a 0 contra o Atibaia.

Polivalente. Além do Noroeste, o advogado já ocupou uma diretoria do Bauru Tênis Clube e guarda medalhas de campeonatos de futevôlei. Até tentou ser atleta profissional, mas problemas no joelho o afastaram dos campos. Então, seguiu o caminho do avô que foi juiz em Bauru. Já foi técnico, analista e oficial de Justiça e passou em um concurso para delegado da Polícia Federal.

Optou, porém, pela advocacia e conseguiu expandir os negócios. Ele é sócio de diversos advogados no Brasil e mantém a sede do escritório em um casarão no número 1.785 da Avenida Pacaembu, na zona oeste de São Paulo.

É lá que funciona a Febrapo. Foi dessa iniciativa que veio a maior vitória de Pegoraro: o acordo de R$ 12 bilhões com os bancos. “Fizemos nada menos que o maior acordo da história do País e possivelmente do mundo”, comemorou em uma rede social.

Nas últimas três semanas, o Broadcast, serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado, buscou insistentemente um contato com o advogado, mas sua assessoria informou que ele está em viagem ao exterior com a família. Em redes sociais, Pegoraro postou fotos em estádio da Rússia, na torcida pela seleção brasileira na Copa do Mundo.

Acordo teve aval de AGU e STF, diz Febrapo

Sobre as associações consideradas de “gaveta”, segundo os critérios da Ordem dos Advogados do Brasil, a Frente Brasileira dos Poupadores (Febrapo) afirma que “todas elas foram estabelecidas regularmente e aceitas pelo Poder Judiciário como legítimas para apresentar as ações”.

A Frente informou em nota que foi formada “por entidades de defesa do consumidor, escritórios de advocacia e ONGs”. “O resultado desse trabalho foi o acordo firmado com os bancos sob mediação da Advocacia-Geral da União, fiscalização do Banco Central e aprovação unânime no plenário do Supremo Tribunal Federal”.

Pelo governo, o acordo dos poupadores foi firmado pelo Banco Central como interveniente de instituições bancárias. Procurado, o BC disse que o tema deveria ser tratado com a AGU, que coordenou a negociação.

Em nota, a AGU informou que atuou como “mediadora das tratativas que resultaram na assinatura do referido acordo coletivo”. “A representatividade dessas entidades foi reconhecida pelo STF, tendo em vista que a Corte homologou o acordo em 1.º de março”, diz.

O Supremo informou em nota que “só participou da homologação do acordo, ou seja, verificou se suas cláusulas não desrespeitavam a Constituição Federal e as leis”. “O processo de negociação foi realizado pelas próprias partes, com mediação realizada pela AGU e inclusive com a participação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil”.

Em nota, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) reafirmou que o acordo é “benéfico aos poupadores, associações, bancos e para o Poder Judiciário” porque abre a possibilidade de fim de “uma longa e indefinida disputa judicial”.

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) participou das negociações ao lado da Febrapo. Após o acordo, porém, o Idec deixou a Frente. Questionado sobre as demais associações que assinaram o documento, o Instituto informou que “não julga a idoneidade de associações”. “Cabe ao Idec partir do pressuposto legítimo de que as ações que estão na Justiça defendendo poupadores que tiveram perdas com planos econômicos”.

O Idec informou que não é possível avaliar que montante, do total que pode chegar a R$ 600 milhões, será recebido como honorário. “Serão dois anos para que os poupadores decidam se vão aderir ou não. E essa escolha é individual”, ressaltou a entidade. Hoje, a estrutura e o orçamento da entidade são modestos. Ela tem apenas 28 funcionários. Em 2016, o Idec operou com apenas R$ 5,5 milhões.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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