A fé move alucinações
Estudo de psiquiatras americanos conclui que ter algum tipo de crença — religiosa ou não — costuma levar as pessoas a ouvir sons que não existem

TRANSE – Culto em igreja pentecostal nos EUA: experiências de devaneio podem se expressar individual ou coletivamente (Timothy Fadek/Corbis/Getty Images)
A heroína francesa Joana D’Arc (1412-1431), líder de seu país durante a Guerra dos Cem Anos contra a Inglaterra e santa da Igreja Católica, dizia ouvir vozes — mais de uma vez por semana — que a guiavam em suas estratégias militares, invariavelmente ousadas. Para os fiéis, o fenômeno alimentaria sua íntima ligação com Deus, revelada ainda na infância. A ciência, no entanto, acaba de acenar com outra explicação para o fato. “Figuras históricas, como Joana D’Arc, talvez sofressem de alucinações, que, embora sejam comuns — em média, uma em cada vinte pessoas apresenta esse sintoma —, são associadas por alguns a experiências espirituais”, disse o psiquiatra americano Philip Corlett, professor da Universidade Yale, nos Estados Unidos. Corlett coordenou um estudo, publicado no início deste mês, cujo objetivo era justamente provar como os seres humanos são suscetíveis a alucinações, ou seja, “percepções sem estímulos externos”, quando possuem alguma crença, qualquer crença. Na maioria das vezes de cunho religioso, mas nem sempre.
Os indivíduos costumam ser suscetíveis a enganos, imaginando, por exemplo, que ouviram algo, mesmo em meio ao mais absoluto silêncio. E tal coisa ocorre — é bom frisar — não apenas em casos de vivências místicas. “A pessoa pode sentir o celular tocar no bolso, quando, na verdade, ele permaneceu mudo. Isso acontece porque se crê que alguém estaria prestes a ligar”, explicou Corlett. Na pesquisa de Yale realizou-se um teste em que voluntários foram divididos em quatro grupos, com cerca de quinze pessoas cada um. Num desses times, incluíram-se somente indivíduos que haviam sido diagnosticados com alguma doença psicótica, circunstância que os levava a ouvir sons inexistentes. Em outro grupo ficaram aqueles que sofriam de algum distúrbio psíquico, porém não escutavam vozes; no terceiro, pessoas completamente saudáveis; e, por fim, apenas indivíduos que não tinham sido clinicamente diagnosticados com nenhum problema de natureza psicológica mas declaravam ter alucinações auditivas e as atribuíam a experiências místicas, espirituais ou religiosas. Durante o experimento, por meio da repetição, os cientistas levavam os voluntários a acreditar que poderiam ouvir estímulos sonoros específicos toda vez que vissem uma luz. Ocorre que nem sempre os sons eram ativados. A intenção era detectar se as pessoas iriam notificar que haviam ouvido o barulho, mesmo sem ele existir.

CRUZ E ESPADA – Joana D’Arc (em cena de filme de 1999): militarismo celeste? (//Reprodução)
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