As evidências corroboram que a base de apoio do presidente se deslocou da classe média/alta das regiões metropolitanas para o segmento de renda mais baixa
“O dragão imobilizado em águas profundas torna-se presa de caranguejos” é um famoso provérbio chinês. Os provérbios chineses são literalmente milenares. Muitos deles são derivados de lendas locais. Porém, todos visam a condensar um ensinamento sobre a vida. O ano de 2020 tem sido uma pandemia de ensinamentos para humanidade e uma epidemia de novidades inesperadas originadas da opinião pública brasileira. Primeiro, houve uma mudança do perfil de renda da avaliação positiva do governo federal. Segundo, e correlato, tivemos a ascensão, no imaginário popular, da importância de se estabelecer um programa de renda básica (ou mínima) permanente e mais abrangente. Diante desse contexto, fica a indagação: o que projetar para o futuro diante desses dois novos pilares fincados no pensamento tupiniquim.
As evidências se multiplicam e corroboram que a base de apoio do presidente da República se deslocou da classe média/alta das regiões metropolitanas para o segmento de renda mais baixa da população (muito localizado nas cidades pequenas e médias do Norte e Nordeste). Recente pesquisa nacional Exame/IDEIA (realizada entre 24 e 31 de agosto com 1.235 entrevistas via telefone) mostrou que aproximadamente 38% da população aprova a gestão de Jair Bolsonaro. Desses, aproximadamente 15 pontos percentuais são camadas mais populares (classificadas como D/E). O dragão mudou de cor. E o responsável é amplamente conhecido: o auxílio emergencial de 600 reais.
A mesma pesquisa Exame/IDEIA também apontou que 65% dos brasileiros acreditam que o Presidente é o “pai” da ajuda emergencial. Entre os brasileiros mais pobres, esse número sobe para 76%. Um estudo do professor Lauro Gonzalez da FGV sinalizou que esse grupo teve um aumento de renda de até 70%. Nada mal para quem esperava o desastre durante a pandemia do coronavírus. Todavia, as águas começam a ficar mais profundas quando (segundo o mesmo levantamento Exame/IDEIA citado anteriormente) 90% dos brasileiros acreditam que o “auxílio emergencial” deve continuar (53% exatamente como está – R$ 600 – e 37% com redução de valor). E, mais uma vez, entre os mais vulneráveis esse número cresce para 93% (sendo que 63% dos mais pobres pregam a continuidade idêntica do programa). Ou seja, a discussão sobre a renda básica veio para mergulhar nas mentes mais humildes da opinião pública brasileira e tornar o governo federal refém desse tema.
E é nessa profundidade que os caranguejos começam a abordar o dragão. A julgar pelos recentes dados negativos da economia, o pós-pandemia será fortemente temperado por desemprego, perda de renda, empresas quebradas, maior informalidade e aprofundamentos das desigualdades sociais. No curto prazo, a tendência de abusos fiscais ecoa forte tanto no Palácio do Planalto quanto no Legislativo. Nos corredores do Congresso Nacional estão dezenas de candidatos(as) a prefeito(a) circulando como caranguejos ávidos por alimentar suas bases eleitorais à custa do prolongamento do auxílio de 600 reais.
Todos esses aspectos nos projetam para uma campanha presidencial em 2022 (que alguns dizem já ter começado) com três temas prioritários claramente definidos: economia, economia e economia. Um contexto muitíssimo diferente de 2018 quando uma onda anti-corrupção (anti-sistema) e temas de segurança pública dividiram as atenções do debate. O problema é que a equação se mostra complexa: o dinheiro é curto e as necessidades econômicas e sociais serão gigantes. O cenário é de águas profundas com um dragão que mudou de cor e os caranguejos se multiplicando para imobilizá-lo. Portanto, pouco se sabe em que lugar a nossa renda e o Brasil do futuro vão se encontrar.