Eleições municipais nas grandes cidades têm suas peculiaridades, mas de alguma forma refletem o panorama federal
Uma reportagem publicada hoje no jornal Folha de S. Paulo traz uma informação impressionante. Segundo o Datafolha, 55 % das mulheres responderam espontaneamente que não têm ideia em quem vão votar para a prefeitura de São Paulo. Entre os homens, esse índice é de 42 %. Se levarmos em consideração que estamos a quase um mês do primeiro turno, trata-se de um nível altíssimo de indecisão. De onde vem tanta incerteza?
A primeira resposta é a de que não há uma candidatura que empolgue multidões. Basta ver as pesquisas que mostram o grau de rejeição dos candidatos. Vários nomes são rejeitados por cerca da metade dos eleitores. Há uma insatisfação latente, como aquele consumidor que está diante de uma gôndola de supermercado com vários produtos, mas não se anima com nenhum.
Outro ponto que explica o desleixo com a eleição municipal é o esvaziamento do interesse em torno da campanha eleitoral pela televisão. Antes, a audiência desses programas era alta, até porque sua exibição ocorre durante o horário nobre da TV. Nos últimos anos, no entanto, o volume proporcional de telespectadores na televisão aberta caiu (embora, em números absolutos, esteja maior do que a de 30 anos atrás).
O fato, porém, é que ninguém mais comenta o que se passa nesses programas eleitorais. Em pleitos do passado, no entanto, passagens desses programas eram comentados pela manhã no cafezinho dos escritórios ou nos pontos de ônibus – alguns desses momentos, é importante frisar, eram de puro humor involuntário ou situações embaraçosas, no melhor sentido “vergonha alheia”.
A falta de impacto da propaganda eleitoral favorece quem está na liderança das pesquisas. No caso de São Paulo, estamos falando do prefeito Bruno Covas e do deputado federal Celso Russomano. E, para tornar o ambiente que cerca as eleições ainda mais monótono, as emissoras decidiram que não farão mais debates nos dias que antecedem o primeiro turno, marcado para 15 de novembro.
Apelidado de “cavalo paraguaio”, pois larga muito bem e sempre perde a corrida, Russomano é talvez o maior beneficiado pela indiferença em torno da discussão de propostas para o município de São Paulo. Em pelo menos uma ocasião, ele perdeu o pleito por conta do que disse em um desses embates com outros candidatos.
Corria a campanha para a eleição de 2012 e Russomano chegou a liderar as pesquisas entre agosto e outubro. Despencou nas vésperas do pleito por conta de uma declaração infeliz. Naquele momento, o bilhete único tinha um índice de aprovação altíssimo e permitia o cidadão tomar múltiplas conduções num determinado período de tempo (ainda é assim, mas a janela de uso caiu de 4 horas para 2 horas). Foi nesse cenário que, no meio de um debate, o deputado federal disse que os munícipes iriam pagar apenas pelo trecho utilizado.
Ou seja, quem tomasse um ônibus em Santo Amaro e desembarcasse em Santana, por exemplo, pagaria uma tarifa. Quem pegasse a mesma condução, mas saísse no Brooklin desembolsaria muito menos pelo trajeto. Em tese, até seria uma boa ideia – mas confrontaria diretamente o conceito do bilhete único, popularíssimo naquele momento. A partir daí, a campanha do candidato do PT, Fernando Haddad, passou a bater em Russomano, afirmando que ele queria mudar as regras na cobrança do transporte público em São Paulo. Resultado: o deputado desidratou e Haddad foi eleito prefeito.
Eleições municipais nas grandes cidades têm suas peculiaridades, mas de alguma forma refletem o panorama federal. Assim como Haddad surfou a onda petista e teve Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff como cabos eleitorais, Russomano agora desfruta do apoio de Jair Bolsonaro. Será que finalmente chegou a hora do paladino dos consumidores?
Por incrível que pareça, ainda é cedo para responder essa pergunta. As últimas eleições municipais em São Paulo têm sido definidas na reta final da campanha. Em 2016, por exemplo, conversei pelo telefone com o então candidato João Doria no final de semana anterior ao pleito. Ele falou sobre os prognósticos de sua candidatura e sobre os planos para o segundo turno. Nem ele tinha ideia de que seria eleito já na primeira fase da eleição – isso mostra o quão volátil este processo eleitoral é e como surpresas podem surgir nos momentos finais.
Será que teremos alguma sacudida nos últimos dias? Possivelmente. Mas, com a economia mostrando sinais de recuperação, ainda que lenta, talvez a surpresa venha de outras bandas que não a econômica. Isso pode tornar a eleição mais racional e menos impulsiva. Afinal, como disse Albert Einstein, “um estômago vazio não é um bom conselheiro político”.