Pesquisa britânica mostra que o remédio reduziu a duração de sintomas e eliminou o vírus em pessoas que foram infectadas em surtos anteriores. A doença é endêmica na África e não tem tratamento específico
Nas últimas semanas, a varíola do macaco tem assustado o mundo devido ao aumento de casos em países onde a doença não é endêmica. Antes do atual surto, considerado atípico pela Organização Mundial da Saúde (OMS), cientistas já vinham buscando formas de tratar essa infecção, descoberta há mais de 50 anos. Pela primeira vez, uma equipe britânica mostra resultados promissores nesse sentido, o que, segundo eles, pode ajudar também no enfrentamento do problema atual.
Em um estudo publicado na última edição da revista especializada The Lancet, os investigadores registraram a redução de sintomas e do tempo de contágio da doença em um paciente tratado com um antiviral já conhecido: o tecovirimat. Para chegar a esse efeito, eles acompanharam sete pacientes com esse tipo de varíola atendidos em hospitais da Inglaterra, entre 2018 e 2021. Também avaliaram resultados de exames laboratoriais (de sangue e amostras de muco retiradas do nariz e da garganta).
Quatro casos foram importados da África Ocidental, e os outros três se deram devido à transmissão local, de humano para humano e dentro do Reino Unido. O primeiro grupo foi tratado com o antiviral brincidofovir sete dias após o início dos sintomas de erupção cutânea e não teve a melhora esperada. “Não foi observado que o brincidofovir tenha qualquer benefício clínico convincente no tratamento da varíola do macaco. Apesar disso, todos os pacientes se recuperaram completamente”, relatam os autores. Na maioria dos casos, os sintomas desaparecem sozinhos entre duas a três semanas.
No segundo grupo de pacientes, um deles foi tratado com o antiviral tecovirimat, e os dois resultados não receberam medicações. O participante submetido ao tratamento experimental registrou melhoras significativas — duração mais curta dos sintomas e eliminação do vírus presente no trato respiratório em menos tempo —, quando comparado aos outros doentes. O remédio é o primeiro com indicação para o tratamento da varíola comum.
Novos desafios
Segundo os autores, ainda não é possível tirar conclusões sobre a eficácia do antimicrobiano testado, já que o tamanho da amostra é pequeno. Ainda assim, eles acreditam que os resultados obtidos abrem caminho para análise futuras e apresentam uma possível ferramenta de auxílio para conter surtos da enfermidade.
“Atualmente, as autoridades de saúde pública estão tentando entender as causas dos episódios de varíola registrados na Europa e na América do Norte. Nosso estudo oferece alguns dos primeiros insights relacionados ao uso de antivirais para o tratamento dessa enfermidade, que podem ser bastante úteis no combate a essa doença”, explica, em comunicado à imprensa, Hugh Adler, pesquisador da Universidade de Liverpool e um dos autores do estudo.
Na última segunda-feira, a OMS anunciou que segue monitorando os casos da doença registrados em 16 países — Austrália, Alemanha, Áustria, Bélgica, Canadá, Espanha, Dinamarca, Estados Unidos, Israel, França, Itália, Holanda, Portugal, Reino Unido, Suécia e Suíça. Até o levantamento mais recente, são 131 infecções confirmadas e 106 suspeitas.
Rede colaborativa
A falta de conhecimentos mais aprofundados sobre a doença foi um obstáculo enfrentado pela equipe britânica. “Para esse problema de saúde raro, não existem tratamentos licenciados, e há dados limitados sobre a duração de sua contagiosidade, com o período de incubação variando de cinco a 21 dias”, relatam os autores do artigo.
Segundo o grupo, o trabalho conjunto entre especialistas da área médica pode ser a melhor resposta para lidar com os recentes surtos da infecção. “Os casos relatados em nosso estudo, além dos surtos recentes, destacam a importância de manter uma rede colaborativa de centros especializados para gerenciar surtos esporádicos de patógenos de alta consequência, como a varíola dos macacos”, enfatiza Nick Price, um dos autores do estudo e pesquisador da Fundação de Pesquisa Médica Guy’s & St Thomas.
O especialista alerta para a necessidade de o surto atual ganhar grandes proporções. “Os episódios da doença que observamos eram desafiadores mesmo no cenário de alta renda do Reino Unido. Com as viagens internacionais retornando aos níveis pré-pandemia, autoridades de saúde pública e profissionais de saúde em todo o mundo devem permanecer vigilantes à possibilidade de novos casos dessa enfermidade. Faltam dados de ensaios clínicos sobre esse tema, e temos o prazer de compartilhar um pouco de nossa experiência”, diz.
Marcelo Daher, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), também concorda que os dados obtidos são o começo de um trabalho investigativo que deve ser aprofundado. “Essa doença não é nova, pois temos registros antigos dela na África. O que muda agora são os registros recentes em países ricos, o que fez com que o interesse por ela aumente. Com essa escalada de casos, pesquisadores vão tentar entender melhor os mecanismos de transmissão, principalmente de humanos para humanos, e, com isso, vão surgir dados relacionados ao tratamento, como nesse estudo”, aposta.
Daher avalia que a estratégia escolhida pelos britânicos de usar medicamentos já existentes pode gerar ganhos mais rápidos para o combate à doença, mas enfatiza que outras abordagens devem ser exploradas. “Essas drogas testadas podem auxiliar a conter os sintomas de forma mais eficaz, e isso já é um ganho, se pensarmos que não temos remédios disponíveis para esse problema de saúde. Na época da varíola (comum), o cenário era o mesmo: não existia tratamento e, por isso, ela atingiu, de forma dramática, a população até o surgimento da vacina”, justifica. “Além de descobrir os mecanismos relacionados a essa transmissão, os cientistas vão precisar trabalhar em um imunizante voltado para essa enfermidade. Isso ajuda a conter possíveis surtos.”
Caso raro
A varíola do macaco é transmitida de animal para humano, geralmente por mordida de animal ou ingestão de carne cozida inadequadamente. Em casos raros, o vírus pode se espalhar por transmissão de humano para humano. O primeiro caso humano de varíola do macaco foi relatado em 1970, na República Democrática do Congo, em uma criança de 12 anos.
Diretor reeleito
O médico etíope Tedros Adhanom Ghebreyesus, primeiro africano a dirigir a OMS, foi reeleito para um segundo mandato de cinco anos. “Estou orgulhoso de estar na OMS”, afirmou durante seu agradecimento aos representantes dos países-membros. Segundo a Agência France-Presse (AFP) de notícias, Ghebreyesus obteve 155 votos a favor e cinco contra. Aos 57 anos, o diretor-geral expôs as prioridades do novo mandato perante a assembleia: colocar a atenção primária no centro de uma cobertura universal de saúde, a preparação e a resposta diante às emergências e as ferramentas para prevenir e curar melhor.