Leonardo Precioso também comanda oficinas de esportes para crianças. Ele foi preso por sequestro em 2008 quando negociava resgate por telefone.
Em abril de 2008, Leonardo Moraes Precioso foi preso em um telefone público no momento em que ‘negociava’ com os familiares de uma vítima de sequestro em São Paulo. Acabou sendo condenado e viveu 7 anos e 13 dias encarcerado. Oito anos depois, ocupa uma posição que há alguns anos não poderia imaginar: é responsável por oficinas esportivas para crianças e adolescentes carentes, em Poá, na Grande São Paulo, e coordena um projeto chamado “Recomeçar”, que encaminha ex-presidiários ao mercado de trabalho, por meio de parceria com empresários.
Atualmente, nas atividades esportivas, são atendidas 160 crianças e adolescentes, com idade entre 8 e 16 anos. Já o trabalho com ex-detentos começou em julho de 2015 e 12 pessoas conseguiram uma vaga desde então, de acordo com o Instituto Gerando Falcões, onde as ações são desenvolvidas. As conversas com o idealizador desse trabalho social, Eduardo Lyra, começaram ainda na cadeia, por cartas, dois anos após a prisão. “Todo mundo pode, basta querer”, acredita Leonardo.
É com esse espírito que o ex-presidiário sai em busca de companheiros de cárcere. “Trabalho com a captação de ex-presidiários. Está sendo um trabalho muito gratificante. Estou em liberdade há 11 meses e nesse período começamos a trabalhar com o projeto. É um trabalho de formiga”, define.
Segundo Eduardo Lyra, Leonardo é responsável por conversar com possíveis interessados. “Ele fala a linguagem dos caras, afinal, viveu aquela realidade. Nós, na ONG, já contactamos o empresariado. Vamos convencê-los a abrir as portas a esses talentos. Todo mundo tem direito a uma segunda chance. Tem dado certo. Nós damos a eles a confiança que a sociedade, muitas vezes, não dá”, explica Lyra.
Leonardo foi jogador de futebol. Diz que uma desilusão o levou a escolhas erradas e assim acabou entrando no mundo do crime. “Eu era jogador de futebol e tive uma desilusão. Já conhecia o Eduardo nessa época, mas acabei me envolvendo com o crime. Fui negociador da situação (sequestro) e acabai preso na Vila Madalena, em São Paulo. Tinha também ponto de drogas. Mesmo preso assumi compromissos com o crime até que me encontrei com o Edu”, define. Atualmente, o ex-presidiário cursa serviço social em uma universidade.
Em liberdade, empenhado em seus projetos, Leonardo diz ter renovado os seus sonhos: “Quero ser uma referência no trabalho social. A ONG me possibilita sonhar dessa forma. Penso que nosso projeto pode se tornar um modelo”, finaliza.
Empresas parceiras
O empresário Thiago Oliveira, proprietário de uma logística especializada em transporte de documentos corporativos no bairro Ipiranga, é um dos parceiros do projeto. Há um ano e meio, contratou três funcionários por meio do projeto. Eles ocupam funções nos setores administrativo, operacioal e expedição. “São ótimos profissionais. Um deles, inclusive, está sendo promovido. Tive que quebrar preconceitos para recebê-los na empresa, mas foi uma das decisões mais acertadas que já tivemos. Só tenho elogios”, detalhou.
Para o empresário, o trabalho feito antes do encaminhamento é o que faz diferença no resultado.” Antes do encaminhamento, os jovens passam por uma readaptação lá na ONG, e isso faz toda diferença. O candidato chega para mim, já lapidado. É claro que a gente enfrenta ainda muito preconceito, mas estamos fazendo a diferença. Acho que outros empresários deveriam fazer o mesmo, deveriam estar dispostos a ajudar. Muitos desses homens saem dos presídios, já pagando as suas penas, mas ninguém dá oportunidade. Para ele voltar para o crime, é muito mais fácil. Podemos criticar a sociedade hoje, mas também temos que ajudar, temos nossa parcela de responsabilidade nisso”, defendeu.
Palavras que arrastam
Histórias de superação fazem parte da rotina de Eduardo Lyra, de 28 anos, presidente do instituto. Ele está entre os 30 jovens mais influentes do País com menos de 30 anos, segundo lista da revista Forbes Brasil.
Aliás, a sua própria trajetória oscila entre momentos trágicos e períodos de ascenção. Lyra passou a infância em uma favela em Guarulhos. O pai foi preso quando ele ainda era criança e acabou indicado por assalto a banco.
Lyra atribui à mãe a força que lhe fez sempre acreditar em um futuro melhor. “Minha mãe foi uma força transformacional apoteótica. Dizia todos os dias: ‘não importa de onde você vem, mas, sim para onde você vai. Nessa eu me tornei um ‘traficante’ de sonhos. Palavras influenciam, palavras arrastam. Hoje meu pai, que foi foi presidiário, se tornou um novo homem. Ele é espetacular”, diz.
A ONG foi fundada em 2011. De acordo com Lyra, o início teve pequenas ações. “Via que o pessoal carente do meu bairro, em Poá, não tinha acesso a esporte e nem cultura”, diz Lyra. Mais tarde, conseguiu implantar projetos socioeducativos, que, segundo o presidente, atingem mais de 100 mil jovens por ano.
“Temos o polo cultural e esportivo. A ideia é viciar em teatro, em cultura, ao ponto do moleque dizer não preciso de droga. Temos ainda uma parceria com a Secretaria Municipal de Ensino. São os projetos: MCs pela Educação cujo objetivo é objetivo é ostentar a educação. O instituto ainda conta com o Gol a Gol, Falcões do Skate e o Primeiro Set”, detalha.
Boa parte das ações são desenvolvidas no Complexo Educacional Poaense (CEP) Professor José Antônio Bortolozzo, no bairro Cidade Kemel. É lá que é promovido, por exemplo, o Cultura na Quebrada. O projeto traz espetáculos mensais com personlidades para periferia, proporcionando lazer e diversão às “famílias da quebrada”. Em 2014, a comunidade assistiu a uma palestra do ex-piloto de Fórmula 1, Rubens Barrichello. “A cada edição ao menos 400 pessoas da comunidade são atingidas”, explica Lyra.
Eduardo se define como um homem que pensa alto. “Como falcões. Temos que ver o mundo de cima. Meu desejo é mudar o mundo ao lado do negro, do homossexual, do evangélico, do traficante, do morador de comunidade… quero fazer isso, essa mudança, com o cara que transita na Faria Lima, com o CEO e com a cozinheira”, finaliza.