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Após críticas, Pacheco adia discussão da nova versão da ‘MP da Grilagem’

Defendido pelo governo, texto preocupa ambientalistas por facilitar a regularização de terras públicas ocupadas indevidamente

20/02/2018 REUTERS/Adriano Machado (Adriano Machado/Reuters)

Diante de fortes críticas da oposição, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), resolveu adiar a votação do Projeto de Lei (PL) 510/2021, que regulariza a ocupação de terras públicas. O texto, idealizado pelo governo federal e motivo de preocupação para ambientalistas, estava na pauta para ser votado nesta quarta-feira, 28, pelo plenário.

Mas, após uma rápida discussão, ficou decidido que, antes, o assunto passará pela Comissão de Agricultura do Senado, que tem reunião marcada para esta quinta-feira, 29. Os senadores lembraram que ainda falta a apresentação do parecer do projeto, relatado pelo senador Carlos Fávaro (PSD-MT).

O PL 510 é considerado a nova versão de uma proposta já conhecida: a chamada “MP da Grilagem”, editada em dezembro de 2019 pelo presidente Jair Bolsonaro e derrubada meses depois pelo Congresso. Mesmo derrotado na primeira tentativa, o governo não desistiu da ideia. O assunto voltou à tona em fevereiro, via projeto de lei, dessa vez por iniciativa do senador Irajá (PSD-TO), que foi relator da MP na comissão mista que discutiu o assunto.

O texto permite que terras públicas federais de até 2.500 hectares sejam concedidas aos ocupantes, sem necessidade de vistoria do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Ou seja, sem fiscalização para verificar se a área é alvo de algum conflito ou desrespeita leis ambientais. Na maioria dos casos, bastará uma autodeclaração do ocupante.

A limitação atual é de quatro módulos fiscais, o que equivale a até pouco mais de 400 hectares — a dimensão de um módulo fiscal varia de acordo com o município onde fica a propriedade. Na justificativa do projeto, Irajá diz que a dispensa de vistoria prévia busca reduzir “entraves burocráticos” na regularização das terras.

O texto permite que sejam regularizadas áreas ocupadas até 2014, sendo que o marco atual é 2011. A MP da Grilagem valia para terras ocupadas até 2018. Irajá afirma, no texto, que a mudança no marco contempla quem aguarda “uma justa solução para a questão da regularização fundiária” e, ao mesmo tempo, “restringe a possibilidade de beneficiar invasores inescrupulosos de terras públicas”.

O senador apresentou o projeto em 22 de fevereiro deste ano, mas o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), só o colocou na lista de assuntos para discussão no plenário nesta quarta-feira, 28, enquanto as atenções estavam voltadas para a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, instalada neste mês, e menos de uma semana depois de Bolsonaro se comprometer, na Cúpula do Clima, a reduzir o desmatamento ilegal.

Tramitação

Como o relator da matéria no Senado, Carlos Fávaro, ainda não apresentou o parecer à matéria, a oposição pediu que o assunto fosse levado à Comissão de Agricultura, que pode discutir o assunto nesta quinta-feira, 29. A maioria dos senadores entendeu que é inviável a discussão direto no plenário, principalmente nesta quarta, ainda mais com demora na apresentação do parecer.

O pedido para que o PL fosse levado ao colegiado partiu de Eliziane Gama (Cidadania-MA) e contou com o apoio de vários parlamentares. O senador Paulo Rocha (PT-PA) foi além e sugeriu que a matéria passe também pela Comissão de Meio Ambiente. “A gente não perde, só ganha em adiar, mesmo que seja por 15 dias, o debate e poder ter a colaboração de todo mundo. Não só de senadores, mas de especialistas e representantes de vários setores”, defendeu.

Pacheco afirmou que não há “intransigência de votação a qualquer custo de nenhum projeto” e acolheu o pedido de Eliziane Gama para a retirada de pauta. Depois da audiência pública na Comissão de Agricultura, as lideranças devem avaliar se reincluem o projeto na pauta do plenário. O compromisso, segundo Pacheco, é com o desenvolvimento e com uma regulamentação fundiária “que também se adeque a questões de preservação do meio ambiente”.

Nem todos concordaram com o adiamento. No início da sessão, o senador Marcos Rogério (DEM-RO), defendeu a discussão imediata e a aprovação da matéria. Trata-se “do maior programa de proteção ambiental no Brasil”, argumentou. “Tudo o que o desmatador quer é permanecer no limbo da ilegalidade, às sombras, sem ser conhecido, sem ter o título em seu nome e sem ter regularização fundiária”, afirmou.

No mesmo sentido, Irajá afirmou que “terra sem dono é terra sem lei” e disse que, ao contrário do que tem sido falado, o projeto fortalece o combate ao desmatamento e às queimadas. Com a regularização, “órgãos de fiscalização poderão identificar e punir os verdadeiros autores de eventuais crimes ambientais cometidos nessas áreas”, disse. Ele espera que o relator chegue a um texto de consenso até a semana que vem, para que o assunto possa voltar à pauta.

Fávaro se colocou à disposição para ouvir sugestões dos colegas e disse que está avaliando as 98 emendas apresentadas. “Não vamos passar a mão na cabeça de grileiros, não vamos abrir oportunidade para latifundiários, mas vamos dar a oportunidade da regularização efetiva mais rápida e mais justa a pequenos e médios produtores rurais”, afirmou o relator. Segundo ele, não há “nenhuma frase que precarize o meio ambiente” no texto.

Opiniões

Na justificativa do projeto, Irajá diz que o PL busca “facilitar a grave questão da necessidade de regularização fundiária de terras da União, que tanto dificulta o fomento da produção, como ainda causa violência no campo e desmatamento criminoso de florestas”. Para ele, a situação atual gera “prejuízo aos que dependem da agricultura para o seu ganha-pão”.

A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, considera o PL 510 importante por ajudar a desburocratizar o processo de regulamentação fundiária. Ela defendeu a aprovação em audiência pública no Senado, em 25 de março, quando afirmou ter “uma ansiedade muito grande para que esse projeto seja votado”.

Entidades que comemoraram quando a MP perdeu a validade, no ano passado, não veem benefícios no que Tereza Cristina chamou, na audiência, de “tão sonhada regulamentação”. “Não há qualquer necessidade de modificação do atual marco legal para que os mais de 100 mil posseiros registrados no Incra possam receber seu título de propriedade”, diz nota publicada por oito entidades.

Assinam a nota o Observatório do Clima, o Greenpeace Brasil, a Fundação SOS Mata Atlântica e a WWF Brasil, além do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) e do Instituto Socioambiental (ISA). Todos concordam que o projeto “muda a lei para favorecer grandes ocupantes de terras públicas invadidas recentemente”.

É o mesmo entendimento que o Ministério Público Federal (MPF) teve em 2020, em relação à MP da Grilagem. Em nota técnica, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) disse, à época, que a aprovação, além de não beneficiar os pequenos produtores, representaria “uma abertura de porta à legitimação da grilagem e da violação de leis ambientais”.

O PL 510 “é um verdadeiro prêmio para grileiros de terras públicas, ou seja, para grandes invasores e quadrilhas criminosas que invadem e desmatam ilegalmente terras públicas da União, com a expectativa futura de conseguir a titulação a preços muito abaixo do mercado, e vendê-las”, afirma o Greenpeace Brasil, em manifesto.

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