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Argélia no BRICS? Iniciativa pode levar mais países da África a fazer o mesmo, diz analista

Negar que a geopolítica global está em transformação é desafiar o senso comum e a racionalidade, garantem especialistas à Sputnik Brasil. O mundo assiste aos primeiros passos de uma nova ordem, a partir de novas alianças para reger o futuro das nações. O BRICS está inserido nesse processo? Qual o peso de um possível ingresso da Argélia no grupo?

© Foto / Marcos Corrêa / Palácio do Planalto / CC BY 2.0
Maior produtor de gás natural da África, a Argélia anunciou, em 31 de julho, em declaração do presidente Abdelmadjid Tebboune, a intenção de ingressar no BRICS, entrando na fila com Argentina, Irã, Arábia Saudita, Egito e Turquia. A iniciativa argelina é mais uma sinalização de que, em meio à nova ordem geopolítica multipolar que está nascendo, o momento é de fechar alianças, pois a história tradicionalmente não costuma esperar por atrasados.
Em conversa com a Sputnik Brasil, o cientista político argelino Farid Benyahia, especialista em questões geopolíticas, econômicas e energéticas, explicou que a Argélia, ao analisar possíveis aliados, entende a Rússia e a China “como parceiros estratégicos”, sobretudo porque a opção de ser constantemente neutra não é mais sustentável no contexto atual. Ele apontou que o governo argelino “observa que há o fim da globalização guiada pelos Estados Unidos […] [e] que estamos entrando em uma fase de transição”.
Para ele, alguns países compreendem que a principal atratividade do BRICS é o importante contexto da desdolarização da economia. “No futuro haverá uma cesta de divisas, moedas, então haverá o rublo e o yuan, com o dólar, é claro”, comentou. No centro da discussão, ainda existe a expectativa por mais reformas nas principais instituições internacionais.
Na avaliação de Tito Livio Barcellos Pereira, especialista em estudos estratégicos internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o possível ingresso da Argélia no BRICS aponta que o agrupamento “está em expansão em direção ao mundo emergente”, pois o país é reconhecido como um importante ator no norte da África, “com crescimento econômico constante e uma classe média consumidora”.
Além disso, aponta ele, a Argélia, assim como Irã, Argentina e outros países, “são Estados que demandam investimentos em infraestrutura, na indústria, no turismo e no setor agrícola”. Ele ainda explicou que a chegada dos argelinos ao BRICS seria um ganho importante para o grupo, pois o país “tem uma das maiores economias do continente africano”, com grande influência no Oriente Médio e na bacia do Mediterrâneo.

“Sua chegada agrega um novo olhar, e não apenas para a África, mas principalmente para o sul global”, avaliou.

O que significa a chegada da Argélia para o Brasil?

Atualmente, o BRICS reúne países com economias em desenvolvimento equivalentes a quase um terço do PIB mundial. Para países como o Brasil, a economia argelina tem muito a acrescentar. No último dia 29, inclusive, senadores aprovaram o texto do Acordo de Cooperação em Defesa entre Brasil e Argélia, assinado em dezembro de 2018.
O tratado tem ênfase nas áreas de intercâmbio de delegações e de informação, capacitação de pessoal, aquisição de armamentos, equipamentos militares e sistemas de armas, assim como troca de experiência em matéria de manutenção e apoio logístico de equipamentos comercializados entre as partes. Além disso, propiciará o convite de observadores militares para manobras e exercícios nacionais, a promoção da cooperação em pesquisa científica, tecnologia e indústria de defesa.
Para Tito Lívio Barcellos Pereira, a aproximação entre os países é fundamental para a retomada da cooperação Sul-Sul, “quando o Brasil procurou estreitar fortes laços econômicos, políticos e diplomáticos com o continente africano”. Segundo ele, a África sempre esteve na mira da diplomacia brasileira, e a Argélia, em especial, dado o tamanho de sua economia e população, goza de uma posição estratégica privilegiada.
Eles “podem servir como um polo industrial para os investimentos brasileiros no norte da África e no Mediterrâneo. A agricultura também pode se beneficiar, porque é um país que tem uma área de cultivo limitada. Isso pode trazer um mercado para o setor manufatureiro brasileiro, assim como nos segmentos de metalurgia, autopeças e veículos.

São mercados que tendem a se beneficiar dos emergentes”, disse ele.

O especialista ainda aponta que, nesse contexto, paira sobre o imaginário da população “a ideia equivocada de que o Brasil deve canalizar seus mercados para norte, mas o futuro está nos acordos Sul-Sul”. Ele relembrou que, durante a gestão de Celso Amorim no Itamaraty, o Brasil teve uma parceria ocasional com a Argélia para modernizar aeroportos, construir rodovias, e muitas empreiteiras brasileiras estiveram na Argélia e na Líbia (antes da guerra civil).

Ninguém quer perder poder

Diante do possível crescimento do BRICS e das constatações de que o mundo caminha em direção a uma nova organização geopolítica, inspirada em novas potências, atores e alianças, é inevitável a discussão sobre a resistência dos países que atualmente exercem influência sobre a economia global e suas organizações multilaterais. Para Tito Lívio Barcellos Pereira, existe a possibilidade de alguns países, em especial os EUA e seus aliados na União Europeia, tentarem atrapalhar o surgimento de novos blocos de poder.
Conforme relatou o especialista, “a iniciativa do governo argelino pode levar outros países da região a querer fazer o mesmo, e isso pode ser uma decepção para os europeus e americanos”. Ele lembrou que, recentemente, o presidente da França, Emmanuel Macron, esteve em Argel e foi hostilizado.
“Isso significa, de certa forma, que o ressentimento entre europeus e africanos ainda existe. E se e Argélia busca se colocar como um grande ator regional no Norte da África e na bacia do Mediterrâneo, como a segunda potência militar em seu continente, é preciso abrir os olhos para novas parceiras”, comentou.
É nesse sentido, principalmente, afirma o especialista, que Rússia e China estão à frente dos EUA na África. Para ele, “os EUA têm um grande desafio em diminuir a distância imposta pelos chineses [na África]. Pequim está presente no continente desde os anos 1990, com investimento estrangeiro pesado, principalmente em obras de infraestrutura e indústria, potencializando a economia dos países africanos, e isso foi uma ferramenta de soft power muito forte para os chineses”.
Tito Lívio Barcellos Pereira ainda apontou que “os russos também, ultimamente, aumentaram sua presença no continente, e estão investindo pesadamente na África, sobretudo em setores fundamentais para países mais carentes, como energia, centrais nucleares, indústrias de metalurgia e aço. Em julho, em visita ao continente, o ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, defendeu reduzir consistentemente a proporção do dólar e do euro no comércio mútuo.
Não obstante, Reino Unido e Espanha, além de outros países da Europa, em diversos pronunciamentos nas cimeiras da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), se dizem constantemente preocupados com a “ameaça” russa na África. Enquanto isso, vários países da África Central assinaram um acordo, em 8 de setembro, para criar uma rede regional de dutos de petróleo e gás até 2030 para garantir a segurança energética, combater a pobreza energética e impulsionar o fornecimento interno de hidrocarbonetos. O projeto de energia exigirá know-how estrangeiro, e terá a participação do conhecimento técnico russo.

A sala de espera…

Diante de uma reorganização da ordem mundial, que durante muitas décadas esteve centrada nos EUA, o BRICS ganha força e se torna um mecanismo bastante importante ao reunir as grandes nações que não formam o chamado bloco ocidental. Ainda não está claro quais são as chances de que novas cadeiras sejam criadas, seja para Argélia, Argentina ou Irã. O bloco é uma organização informal, sem sede, estatuto e um processo de adesão definido. A entrada de outros países depende, basicamente, da aprovação dos chefes de Estado.
Entretanto, embora pouco possa ser dito sobre as chances do BRICS crescer, Tito Lívio Barcellos Pereira acredita que “estamos assistindo a um processo histórico, que definirá o futuro do planeta”. Como ele relatou, “o que podemos pontuar é que a partir do conflito na Ucrânia, a campanha de isolamento dos EUA e seus parceiros na UE ainda precisa encarar os desafios dos países do sul global a aderir às sanções e romper relações com Moscou. Entretanto, isso não está acontecendo”.

“Os países querem investimentos russos, e o conflito deflagrou que existem alternativas aos EUA, à UE. Existem políticas de integração regional que podem desenvolver os países sem a necessidade de se aproximar dos EUA e da UE. Isso explica, de certa forma, os sucessos diplomáticos da ofensiva russa”, destaca o especialista.

“O embate se dá também em âmbito político e diplomático, além dos confrontos, pois países africanos ainda encontram em Moscou um parceiro com elementos a serem explorados. Esse objetivo de criar um mundo multipolar, policêntrico, ele já deu certo. Ele é uma realidade. Os tratados, os acordos mostram que isso é uma realidade. Mas é um inicio, que precisa ser ampliado e tem grande potencial”, conclui.

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