São mercados que tendem a se beneficiar dos emergentes”, disse ele.
O especialista ainda aponta que, nesse contexto, paira sobre o imaginário da população “a ideia equivocada de que o Brasil deve canalizar seus mercados para norte, mas o futuro está nos acordos Sul-Sul”. Ele relembrou que, durante a gestão de Celso Amorim no Itamaraty, o Brasil teve uma parceria ocasional com a Argélia para modernizar aeroportos, construir rodovias, e muitas empreiteiras brasileiras estiveram na Argélia e na Líbia (antes da guerra civil).
Ninguém quer perder poder
Diante do possível crescimento do BRICS e das constatações de que o mundo caminha em direção a uma nova organização geopolítica, inspirada em novas potências, atores e alianças, é inevitável a discussão sobre a resistência dos países que atualmente exercem influência sobre a economia global e suas organizações multilaterais. Para Tito Lívio Barcellos Pereira, existe a possibilidade de alguns países, em especial os EUA e seus aliados na União Europeia, tentarem atrapalhar o surgimento de novos blocos de poder.
Conforme relatou o especialista, “a iniciativa do governo argelino pode levar outros países da região a querer fazer o mesmo, e isso pode ser uma decepção para os europeus e americanos”. Ele lembrou que, recentemente, o presidente da França, Emmanuel Macron, esteve em Argel e foi hostilizado.
“Isso significa, de certa forma, que o ressentimento entre europeus e africanos ainda existe. E se e Argélia busca se colocar como um grande ator regional no Norte da África e na bacia do Mediterrâneo, como a segunda potência militar em seu continente, é preciso abrir os olhos para novas parceiras”, comentou.
É nesse sentido, principalmente, afirma o especialista, que Rússia e China estão à frente dos EUA na África. Para ele, “os EUA têm um grande desafio em diminuir a distância imposta pelos chineses [na África]. Pequim está presente no continente desde os anos 1990, com investimento estrangeiro pesado, principalmente em obras de infraestrutura e indústria, potencializando a economia dos países africanos, e isso foi uma ferramenta de soft power muito forte para os chineses”.
Tito Lívio Barcellos Pereira ainda apontou que “os russos também, ultimamente, aumentaram sua presença no continente, e estão investindo pesadamente na África, sobretudo em setores fundamentais para países mais carentes, como energia, centrais nucleares, indústrias de metalurgia e aço. Em julho, em visita ao continente, o ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, defendeu reduzir consistentemente a proporção do dólar e do euro no comércio mútuo.
Não obstante, Reino Unido e Espanha, além de outros países da Europa, em diversos pronunciamentos nas cimeiras da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), se dizem constantemente preocupados com a “ameaça” russa na África. Enquanto isso, vários países da África Central assinaram um acordo, em 8 de setembro, para criar uma rede regional de dutos de petróleo e gás até 2030 para garantir a segurança energética, combater a pobreza energética e impulsionar o fornecimento interno de hidrocarbonetos. O projeto de energia exigirá know-how estrangeiro, e terá a participação do conhecimento técnico russo.
A sala de espera…
Diante de uma reorganização da ordem mundial, que durante muitas décadas esteve centrada nos EUA, o BRICS ganha força e se torna um mecanismo bastante importante ao reunir as grandes nações que não formam o chamado bloco ocidental. Ainda não está claro quais são as chances de que novas cadeiras sejam criadas, seja para Argélia, Argentina ou Irã. O bloco é uma organização informal, sem sede, estatuto e um processo de adesão definido. A entrada de outros países depende, basicamente, da aprovação dos chefes de Estado.
Entretanto, embora pouco possa ser dito sobre as chances do BRICS crescer, Tito Lívio Barcellos Pereira acredita que “estamos assistindo a um processo histórico, que definirá o futuro do planeta”. Como ele relatou, “o que podemos pontuar é que a partir do conflito na Ucrânia, a campanha de isolamento dos EUA e seus parceiros na UE ainda precisa encarar os desafios dos países do sul global a aderir às sanções e romper relações com Moscou. Entretanto, isso não está acontecendo”.
“Os países querem investimentos russos, e o conflito deflagrou que existem alternativas aos EUA, à UE. Existem políticas de integração regional que podem desenvolver os países sem a necessidade de se aproximar dos EUA e da UE. Isso explica, de certa forma, os sucessos diplomáticos da ofensiva russa”, destaca o especialista.
“O embate se dá também em âmbito político e diplomático, além dos confrontos, pois países africanos ainda encontram em Moscou um parceiro com elementos a serem explorados. Esse objetivo de criar um mundo multipolar, policêntrico, ele já deu certo. Ele é uma realidade. Os tratados, os acordos mostram que isso é uma realidade. Mas é um inicio, que precisa ser ampliado e tem grande potencial”, conclui.