Validação nos EUA deve criar efeito cascata; farmacêuticas traçam estratégias
A imunização mundial contra a Covid-19 viveu ontem um dia histórico. O comitê consultivo da FDA, a agência regulatória dos Estados Unidos, validou a segurança e a eficácia do uso da vacina da Pfizer em crianças de 5 a 11 anos. O sim do grupo formado por especialistas americanos de diversas especialidades médicas, abre caminho para o aval definitivo da agência, que deverá acontecer nos próximos dias. E, com isso, como de praxe, provoca efeito em cascata, levando diversos países a dar início à vacinação nesta faixa etária em breve.
Para infectologistas e pediatras, a extensão da imunização abaixo dos 12 anos é uma notícia extraordinária. Crianças e adolescentes correspondem a 32% da população mundial e um quarto da população do Brasil. Só os pequenos representam 8,5% dos brasileiros. Assim, é difícil pensar em proteção coletiva se esse grupo ficar de fora.
Embora elas não adoeçam como os adultos, as hospitalizações e mortes são uma realidade para milhares. No Brasil, crianças e adolescentes respondem por menos de 2% das hospitalizações e 0,35% do total de óbitos por Covid. Pode parecer pouco, mas não é, como reforça Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria.
— Não podemos cair na armadilha de pensar que é pouca coisa porque, em um universo de 600 mil óbitos, são mais de 2.400 crianças e adolescentes mortos. É mais do que todas as mortes causadas por doenças preveníveis por vacinação, como gripe, hepatite, coqueluche, diarreia, febre amarela e tantas outras, que não somam mil mortos — alerta o médico que destaca outros riscos: — A Covid longa na população pediátrica é uma questão. Cerca de 15% mantem sintomas por cinco semanas, como perda de olfato, cefaleia, distúrbios de concentração e de sono, além da síndrome inflamatória multissistêmica, com letalidade de 7%. São complicações importantes.
Mas por pertencerem a um grupo com menos riscos à doença, os efeitos colaterais das vacinas ganham um peso maior entre eles. Por isso, é preciso dados ainda mais robustos de segurança e eficácia, algo que as farmacêuticas vêm apresentando rapidamente. Depois da Pfizer mostrar 90,7% de eficácia contra hospitalizações e mortes, a Moderna anunciou anteontem “uma forte resposta imunológica (…) um mês depois da segunda dose e um perfil de segurança favorável com meia dose de sua vacina para a faixa dos 6 a 11.
A estratégia para os pequenos, no entanto, é diferenciada. Em geral, quanto menor a idade, melhor a resposta para as vacinas, porque o sistema imune é mais forte. É como se fosse um carro novo. Diante disso, as vacinas são adaptadas para serem menos concentradas, mantendo o regime de duas doses. A Pfizer mostrou que, para a faixa de 5 a 12 anos, com um terço da dose, a proteção obtida é a mesma da dose plena dos adultos. Até o momento não há registro de problemas com segurança e os efeitos colaterais são semelhantes aos das outras faixas etárias.
O infectologista Filipe Veiga destaca ainda que, nos estudos, não foram encontrados efeitos colaterais importantes como nos jovens em relação a miocardite. Ou seja, ao que tudo indica, vacinar os pequenos é ainda mais seguro.
— A vacinação das crianças é necessária. A grande meta é que estejam plenamente imunizadas para que possam iniciar o ano escolar com todo mundo em maior segurança. Esse é o objetivo. Além disso, elas transmitem o vírus até igual a adulto, porque compensam pela proximidade — afirma Veiga. É essa tal proximidade que faz com as mães sempre acabem gripadas depois dos filhos.
A decisão dos EUA deve influenciar diversos países no mundo, inclusive o Brasil. Renato Kfouri acredita que é possível começar a imunização dos pequenos ainda esse ano. A farmacêutica deve apresentar seus estudos para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e solicitar que a bula seja alterada. Com o parecer positivo do FDA, a tendência é que a avaliação da Anvisa seja rápida.
Já Filipe Veiga alerta que, por questões logísticas, a vacinação pode ter início só no ano que vem. Um dos complicadores seria o uso de frascos diferentes, com uma marca vermelha para diferenciar bem da vacina dos adultos, como planeja a Pfizer.