Após ataque ao petróleo, Europa sugere impor um teto de preços para o diesel russo. A Sputnik Brasil conversou com especialistas para saber qual o efeito da medida sobre a economia brasileira.
No início de dezembro, a União Europeia decidiu pela imposição de teto ao preço do petróleo exportado pela Rússia a partir de 5 de dezembro de 2022. De acordo com dados do bloco, o teto foi imposto a US$ 60 (cerca de R$ 312,00) o barril.
O objetivo dos europeus é impedir que a Rússia lucre com o aumento nos preços do petróleo, gerado pela instabilidade na demanda desde o início da pandemia e agravado pelo início do conflito ucraniano.
“Qualquer restrição às importações impede que o exportador ganhe os benefícios do mercado internacional”, disse a professora da Faculdade de Economia da UERJ Maria Beatriz David à Sputnik Brasil. “Mas tem impacto sobre a oferta, e consequentemente sobre o preço dos combustíveis. Então existe a possibilidade de aumento no preço do petróleo.”
O bloco ainda estabeleceu um grupo de trabalho que realizará o monitoramento dos preços internacionais para garantir que o petróleo russo será negociado a pelo menos 5% abaixo do preço médio do mercado internacional.
A medida foi recebida com ceticismo por economistas, que sugerem que a Rússia já vendia boa parte de seu petróleo a preços inferiores ao estipulado pelo teto.
De acordo com a agência de notícias Bloomberg, o petróleo russo denominado Urals estava sendo negociado a US$ 43,31 (cerca de R$ 229,00) na região do Báltico. A imposição do teto teria, inclusive, gerado um aumento deste preço para cerca de US$ 48 (cerca de R$ 255,00).
Empresa estatal russa Gazprom Neft em Kapotna, Rússia, foto publicada em 11 de março de 2022
© Sputnik / Maria Devakhina
Apesar de a medida ter sido imposta pela União Europeia, parte significativa dos países do bloco já reduziu substancialmente as suas compras de petróleo da Rússia. Nesse sentido, a medida tem o intuito de impactar as vendas russas para países terceiros, como China, Índia e Turquia.
O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, informou que Moscou não reconhecerá os efeitos do teto, nem negociará com parceiros com base nesse preço.
“Não estamos interessados em saber qual será o teto de preços. Negociaremos diretamente com os nossos parceiros. E os parceiros que trabalham conosco não vão considerar esses preços ou dar nenhuma garantia àqueles que os introduzem ilegalmente”, disse Lavrov em coletiva de imprensa.
De acordo com o professor de Economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie Milton Pignatari, no curto prazo os países europeus podem suprir suas demandas por hidrocarbonetos com outros fornecedores internacionais. A substituição do petróleo russo no médio e longo prazo, no entanto, pode ser mais desafiante, já que Moscou dispõe de rede de gasodutos que diminuem os custos de transporte.
Sergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia, durante encontro do conselho de chanceleres da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), foto publicada em 23 de novembro de 2022
© Sputnik / Ministério das Relações Exteriores da Rússia
“Num primeiro momento, poderá ocorrer uma desaceleração na entrega e diminuição de lucro, mas não acredito que essa situação se mantenha no longo prazo”, declarou Pignatari à Sputnik Brasil.
Afinal, qual o objetivo da medida?
O objetivo declarado da medida é reduzir a receita líquida obtida pela Rússia em suas exportações de petróleo para dificultar o financiamento de suas atividades militares.
Os riscos para a estabilidade dos mercados, no entanto, levam tanto consumidores quanto produtores a arcar com os custos dessa intervenção no mercado.
“Não temos ganhadores nesse contexto”, disse David. “É uma medida de forçar o fim do conflito. Mas elas têm se mostrado pouco eficientes, caso o objetivo primordial delas seja realmente esse.”
De fato, analistas sugerem que a imposição do teto de preços tem o objetivo oposto do declarado pela União Europeia. A proposta foi feita inicialmente pelos EUA, para garantir que as sanções não levassem a uma redução da produção de petróleo russa e, consequentemente, a uma alta nos preços internacionais do petróleo.
O Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, dá uma conferência de imprensa durante uma reunião dos Ministros Relações Exteriores da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), em Bucareste, 30 de novembro de 2022
© AFP 2022 / ANDREI PUNGOVSCHI
Os EUA têm bons motivos para se preocupar com o efeito que sua política de sanções econômicas tem na produção mundial de petróleo. As restrições norte-americanas contra países como Irã, Rússia e Venezuela já reduzem substancialmente a produção potencial da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP).
“Os EUA contavam muito com a colaboração da Arábia Saudita, o que não se concretizou, uma vez que o país do Golfo aproveita para se beneficiar da conjuntura do conflito”, considerou David.
Apesar do impacto limitado que a medida terá para os cofres de Moscou, existe temor de que a imposição do teto, a preços muito inferiores aos do mercado, leve a Rússia a de fato reduzir a sua produção, o que levaria ao tão temido aumento dos preços internacionais da commodity.
Nesta foto divulgada pelo Palácio Real Saudita, o príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman (D) recebe o presidente Joe Biden em sua chegada ao palácio Al-Salam em Jeddah, Arábia Saudita, 15 de julho de 2022
© AP Photo / Bandar Aljaloud/Palácio Real Saudita
A produção de petróleo no Brasil, no entanto, não deve ser afetada pelo novo teto de preços, assegurou Pignatari.
“O teto não deve impactar a produção de petróleo brasileira”, declarou Pignatari. “Não houve cortes nos projetos e investimentos da Petrobras, até em função da alta lucratividade da empresa nos últimos meses.”
Livre mercado?
A imposição de controle de preços, imposta por um bloco de países que se orgulha por defender o livre mercado, pode abrir uma caixa de Pandora, com consequências imprevisíveis para o comércio internacional.
“A imposição de medidas como essa afeta as relações de livre mercado”, alertou Pignatari. “Em caso de imposição de tetos generalizada, a própria manutenção do livre mercado fica afetada. Temos que tomar cuidado com medidas desse tipo.”
De fato, a intenção da União Europeia é que sua medida seja aplicada não só ao petróleo, mas também aos combustíveis refinados, como a gasolina e o diesel. Além disso, o bloco almeja que a medida seja adotada por todos os países do G7.
Josep Borrell faz discurso durante um debate sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia, no Parlamento Europeu, na terça-feira, 22 de novembro de 2022
© AP Photo / Jean-Francois Badias
A eventual regulação do preço do diesel pelos europeus poderia impactar diretamente o Brasil, de acordo com os especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil.
“O Brasil importa 30% do seu diesel, que não é uma quantia insignificante”, considerou Pignatari. “A medida impactaria com certeza, e não tem como agir na base do quebra-galho numa situação como essa.”
O economista lembra que a imposição de controle de preços ao diesel influenciaria os custos de transportes no Brasil, o que geraria impactos na inflação.
Motorista de caminhão sentado em meio a caminhões no campo organizado pelos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, Brasília, 6 de setembro de 2021
© AP Photo / Eraldo Peres
David concorda, e aponta que a conjuntura deixa ainda mais urgente a necessidade de o Brasil rever a sua dependência do transporte terrestre.
“O Brasil é muito impactado pelo alto consumo de combustíveis fósseis no transporte terrestre, e uma medida como essa forçaria o país a considerar novas alternativas”, considerou David. “Mas isso exige investimentos de médio e longo prazo, então não é uma adaptação rápida.”
Em 3 de dezembro, o Conselho da União Europeia decidiu fixar um teto para o preço do petróleo bruto e dos óleos de petróleo e derivados de minerais betuminosos originários da Rússia. O vice-ministro da Rússia, Aleksandr Novak, declarou que o país não reconhecerá o mecanismo, tampouco negociará com países que o adotem.