Não faltaram críticas ao processo de implementação do Novo Ensino Médio (NEM) nas escolas públicas do Distrito Federal, durante a comissão geral realizada no plenário da Câmara Legislativa nesta quinta-feira (26). O debate, promovido pelo Bloco Sustentabilidade e Educação da CLDF, reuniu professores, gestores escolares, estudantes, parlamentares e representantes da Secretaria de Educação do DF.
O NEM é fruto da reforma do Ensino Médio realizada em 2017, no governo do ex-presidente Michel Temer. Ele muda toda a matriz curricular, que passa a ser composta pelas disciplinas tradicionais da Formação Geral Básica (FGB) e pelos chamados “itinerários formativos” (IFs), os quais envolvem atividades eletivas a partir de áreas do conhecimento escolhidas pelos alunos.
No DF, o novo modelo começou a ser implementado em 2020, por meio de cinco escolas-piloto e, em 2022, foi expandido para todas as 95 unidades de Ensino Médio de forma progressiva: este ano, apenas na 1ª série; em 2023, na 1ª e 2ª série; e, em 2024, em todas as três séries.
Segundo a Secretaria de Educação, 32 mil adolescentes começaram a experimentar o modelo este ano. A experiência dos que estudam nas unidades-piloto, contudo, já causa preocupação. Ana Louise Holanda estuda numa das cinco primeiras escolas-piloto, o Centro de Ensino Médio Integrado à Educação Profissional e Técnica do Gama (Cemi). Ela está na 3ª série, já cursou dois anos do NEM, e relatou: “Devido às dificuldades e aos espaços para as matérias eletivas, fui simplesmente encaixada em qualquer uma. Pretendo cursar Bioética, o que não tem nada a ver com canto e coral ou eletrotécnica, que foram as eletivas em que fui encaixada”.
Queixas semelhantes foram feitas por outros estudantes que participaram da comissão geral. Muitos lembraram, também, que a adaptação ao novo sistema ainda foi dificultada pela pandemia e pelas aulas remotas. E outros reclamaram de mudanças nos sistemas de avaliação e de notas.
Críticas do lado de lá também
A implantação do Novo Ensino Médio no Brasil, assim como a de muitas políticas públicas brasileiras, aconteceu meio a ‘trancos e barrancos’, sob a pressão dos nossos governantes, trazendo bastante insegurança àqueles que executam a política nas pontas”, avaliou o deputado Professor Reginaldo Veras (PV), presidente do Bloco Sustentabilidade e Educação na CLDF.
Durante a comissão geral, os professores e gestores escolares, que aplicam na “ponta” o novo modelo, compartilharam expectativas, angústias e reclamações parecidas com as dos estudantes.
O diretor do Cemi, Carlos Lafaiete Formiga Menezes, resgatou todo o processo iniciado nas escolas-piloto, em 2020, quando a expectativa era grande. Ele lamentou a atual falta de diálogo direto entre os centros de ensino e a Diretoria de Ensino Médio da Secretaria de Educação (Diem) e criticou a implementação sem as sugestões das unidades-piloto. Na opinião de Lafaiete, o NEM, “que era uma proposta vanguardista”, virou um retrocesso.
A professora Rosilene Nóbrega, diretora do Centro de Ensino Médio (CEM) 3 do Gama, que está no segundo ano da pilotagem, também criticou a condução do processo de implementação: “A proposta do NEM permite que o aluno construa a sua grade, mas e o sistema para essa escolha? Não chegou para nós. No primeiro momento, foi feito por sorteio. Foi tirado esse direito dos alunos”.
“Não chamamos mais de NEM, chamamos de VEM, que é ‘Velho Ensino Médio’. O projeto que era vanguardista afundou”, reclamou a coordenadora do Cemi, Edileusa Costa.
Diversos integrantes do corpo docente das escolas criticaram, ainda, o aumento do trabalho, a falta de debate sobre as atividades eletivas, a dificuldade para adequar professores e alunos, entre outros problemas.
Nos preocupamos muito com o que tem sido ofertado. Todos os jovens sonham com autonomia, sabemos que precisamos promover mudanças, mas para melhorar. Aqui estamos falando de retirada. Quando falo que alguma disciplina é menos importante, estamos deixando de ofertar. Essa proposta é a importação de uma lógica dos Estados Unidos”, disse a presidenta do Sindicato dos Professores (SinPro), Rosilene Correa.
A sindicalista levantou, também, outra reflexão: “Se ofereço algo novo, preciso de formação para isso. Mais de 50% dos professores regentes são temporários. Como oferecer isso para quem está hoje na escola e amanhã não está, por uma razão ou outra?”.
Questionamentos
O deputado Leandro Grass (PV) reforçou a importância de se ouvir “quem está vivendo, na base, essa experiência”: “Nenhuma política deve ser elaborada sem ouvir a sociedade e os que vão ser afetados, mais ainda a política educacional”. O distrital fez uma série de questionamentos sobre a recepção do Novo Ensino Médio por estudantes e professores e dirigiu perguntas à representante da Secretaria de Educação no evento, a subsecretária de Educação Básica do DF, Solange Foizer Silva.
“Como está sendo a formação dos profissionais envolvidos? Tem algum monitoramento, alguma pesquisa de avaliação? Tenho ouvido reclamação dos itinerários formativos (IFs), que às vezes não dialogam com o território, com a comunidade, com as características daqueles alunos. O NEM está ajudando a desenvolver uma educação crítica, cidadã e emancipadora?”, questionou Grass.
Também do bloco que pediu a realização do debate, o deputado João Cardoso (Avante) reconheceu que o assunto causa preocupação, “mas também alegria, por saber que a educação está sempre em evolução”. E completou: “Que a gente possa avançar nessa discussão”.
A subsecretária Solange Foizer Silva fez questão de apresentar uma linha histórica dos marcos legais federais e distritais das reformas no Ensino Médio (que antes era Segundo Grau) até a implantação do Novo Ensino Médio. De acordo com ela, a elaboração do currículo envolveu, sim, todos os segmentos da educação. “As eletivas dos IFs foram elaboradas pelos próprios professores das unidades-piloto, a partir de curso oferecido pela EAPE. Eles sentaram com seus alunos e fizeram um catálogo que contempla 990 eletivas”, argumentou.
Para o ex-deputado distrital Wasny de Roure, a reforma do Ensino Médio é um dos temas “cruciais” neste momento. Assim como outros participantes da comissão geral, ele avaliou, no entanto, que o processo exige mais tempo.
Foizer explicou a nova estrutura curricular e disse que a implantação do NEM no DF não poderia ter sido adiada por conta de legislação federal vinculada ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
“Não tem sentido começar um projeto sem sistema, sem estrutura física, sem professores e sem investimentos”, insistiu Prof. Reginaldo Veras. O parlamentar pediu para a subsecretária levar as queixas, demandas e necessidades apresentadas na comissão geral para o governo.