Maioria é de negros e pardos, com idades de 12 a 29 anos; por orientação de Raquel Dodge, país tenta fazer cadastro unificado sobre esse tipo de ocorrência
Um levantamento inédito do Ministério Público do Rio mapeou o perfil de pessoas desaparecidas no estado. Segundo dados do Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos (PLID), 52% dos casos são de jovens, com idades entre 12 e 29 anos – a maioria, negros e pardos.
O MP analisou 7.937 casos de pessoas que haviam desaparecido e cujos casos foram solucionados entre janeiro de 2013 e fevereiro deste ano. Na grande maioria das ocorrências (66,5%), o motivo dos desaparecimentos é apontado como “indeterminado”, mas outros estão ligados a brigas familiares, transtornos psíquicos, uso de drogas e violência.
Por trás do desaparecimento, aponta o levantamento, há uma série de falhas do estado. Os bancos de dados das secretarias de segurança não conversam entre si; não há registro unificado do banco de dados do IML; os hospitais psiquiátricos, em sua maioria, não informam ao poder público os pacientes sem identificação; pessoas mortas com identidade são enterradas como indigentes sem a família saber.
“Quem faz sumir as pessoas é o estado por problemas básicos, por incapacidade de conectar coisas. E esses gargalos estão no país inteiro. Você não pode viver em uma democracia e ver isso como normal. Se o Brasil é um país civilizado, isso não pode acontecer”, afirmou André Cruz, criador e gestor do PLID.
Cruz narra uma história comum para mostrar o impacto da falta de uma política pública voltada ao desaparecimento. Se uma pessoa de São Paulo viaja para o Rio, passa mal e morre, a polícia vai checar as informações dela no banco de dados do Rio, que não tem nenhuma conexão com os demais da federação. Como não encontrarão respostas, o corpo seguirá para o IML. Se não for for reconhecido em três ou quatro dias, será sepultado como indigente.
O mapeamento mostra, no entanto, uma parte do problema. No Rio de Janeiro, desaparecem, em média, 500 pessoas por mês. Os dados são da Secretaria de Segurança do Rio. Jowayner Junior entrou para as estatísticas em fevereiro de 2013. Na época, tinha 16 anos. No último dia de Carnaval daquele ano, o aspirante a bombeiro saiu à tarde com amigos. “Minha última recordação é de ele dizendo que ia ali e já voltava. Até hoje eu espero”, diz a mãe, Márcia Cristina França de Albuquerque, de 53 anos. Na delegacia, ela disse, não fizeram o boletim de ocorrência nas primeiras horas como prevê a lei. “O que ouvi não desejo a nenhuma família. Um policial me disse: ‘O filho é seu e você acha que a gente vai ficar procurando?’ Aquilo foi desumano”, contou. Apenas no sétimo dia, ela conseguiu que um policial fizesse o registro.
Cruz afirma que a cena se repete ainda hoje em todo o estado. “Não registram o boletim. Pior, ninguém investiga se não houver indício de crime”. A Polícia Civil do Rio, ele diz, criou uma “etapa” anterior à investigação, a chamada verificação preliminar de inquérito. Na prática, diz, poucos casos são investigados. Mesmo em casos de vulneráveis, como são crianças, adolescentes e doentes mentais.
Criminalidade
A violência no Rio também contribui para o desaparecimento. Dos relatos de familiares chegam histórias como “homens encapuzados” e “traficantes” desaparecendo com pessoas. Esses casos, afirma Cruz, deveriam ter sido registrados como homicídio com ocultação de cadáver, mas não são.
Há, ainda, a participação da milícia nas estatísticas. Cerca de 30% dos desaparecimentos no estado concentram-se em duas áreas de atuação desses grupos criminosos, a Zona Oeste e a Baixada. “Como sabem como o esquema de identificação de corpos funciona, os milicianos sabem quais informações precisam ser ocultadas para inviabilizar a identificação.”
Polícia
A Polícia Civil nega tudo. Disse que o Rio tem uma Delegacia de Descoberta de Paradeiros, que atende a capital, apenas. Mas, segundo o órgão, todos os desaparecimentos são investigados e delegacia dá suporte para o restante do estado. A reportagem pediu, então, os números dos inquéritos que cada boletim de ocorrência gerou nos últimos cinco anos, mas a pasta não enviou. Quanto ao banco unificado estadual de pessoas desaparecidas, informaram que esse é um problema do país inteiro.
O Brasil não possui um cadastro nacional de pessoas desaparecidas. Por isso, o PLID ganhou espaço como política pública. São Paulo foi o segundo estado a aderir ao programa, em 2013 – ano passado, 25.200 pessoas sumiram no estado. Com a entrada da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, na questão, os demais MPs se comprometeram a aplicar o PLID. Um acordo de cooperação técnica foi firmado em 2017 entre PLID-Rio e o Conselho Nacional do Ministério Público para a criação e expansão do Sistema Nacional de Localização e Identificação de Desaparecidos. “São cerca de 700 mil pessoas desaparecidas no Brasil nos últimos dez anos”, afirmou Dodge.
A primeira reunião geral desse grupo foi feita em abril deste ano. Na chefia do departamento de Desaparecidos do Ministério Público de São Paulo, a promotora Eliana Vendramini, presente na reunião, afirmou que todos os estados se comprometeram a diagnosticar se existem políticas públicas e como são aplicadas e como é o fluxo de autópsias. “Quando você resolve um desaparecimento, você salva a vida da pessoa e da família.”