O arquipélago tem 24 casos confirmados e as autoridades locais monitoram a rede de contatos de cada pessoa contaminada
Em Fernando de Noronha, um dos principais cartões postais do Brasil, não há entrada de turistas desde o dia 21 de março, medida decretada após a confirmação do primeiro caso de coronavírus na ilha. Desde então, até a segunda-feira, 13, a administração local registrou 24 casos confirmados. Também foi divulgada uma boa notícia: o primeiro paciente contaminado no arquipélago, um homem de 48 anos, foi curado e não apresentou mais o coronavírus no organismo. Além das confirmações de Covid-19, 36 casos estão em investigação e 94 suspeitas foram descartadas. No total, 152 exames foram feitos. Atualmente, há cerca de 3.300 pessoas em Fernando de Noronha e a expectativa é que o número diminua nas próximas semanas, chegando a menos de 3.000 habitantes.
No arquipélago, como forma de controlar a permanência de pessoas e reduzir o impacto ambiental, há uma série de requisitos para se tornar um morador permanente — um dos critérios é viver por, no mínimo, dez anos na ilha. Por isso, muitas famílias ficaram divididas entre Fernando de Noronha e o continente, o que motivou a saída de algumas pessoas durante a pandemia. A pequena população permitiu que o arquipélago se tornasse uma exceção em meio ao caos de subnotificações no Brasil. Leia, a seguir, a entrevista com o administrador geral de Fernando de Noronha, Guilherme Rocha.
Como aconteceu a primeira contaminação por coronavírus em Fernando de Noronha? Os primeiros casos ocorreram no aeroporto. O fluxo de turistas prejudicou os trabalhadores da linha de frente, pois quase 3.000 visitantes saíram em uma semana. Como os primeiros casos demoraram alguns dias para apresentar os sintomas, essas pessoas contaminaram outros indivíduos, até que chegamos à transmissão comunitária.
A partir dos primeiros casos, quais foram as medidas tomadas? Identificamos toda a rede de contato e isolamos as pessoas. Notificamos o indivíduo e obrigamos a cumprir o isolamento domiciliar. Nas situações em que detectamos que não havia condição sanitária adequada, oferecemos aos moradores a opção de cumprir a quarentena em quartos de pousadas. É a situação de hoje, temos duas pessoas que aceitaram ficar em uma pousada da região. Outra estratégia que adotamos foi a realização de testes em massa.
De que forma a realização de testes auxiliou no combate ao coronavírus? Desde que o primeiro caso procurou o hospital, estudamos toda a possível linha de transmissão ao redor das pessoas, com sintomas ou não. Quem mora junto, quem mora perto, com quem conversou, etc. Fizemos a testagem em todos. Por isso, os nossos índices são maiores do que em outros locais, ao pensar na proporção em relação à população. Para se ter ideia, o número é comparável à região metropolitana de Recife, capital de Pernambuco.
Por que manter essa estratégia é importante? Somente dessa forma teremos o controle sobre vários núcleos da ilha. Se Fernando de Noronha fosse um país, seria o que mais testa no mundo. Proporcionalmente, o Brasil mantém 265 testes para 1 milhão de pessoas. A Alemanha, um dos exemplos internacionais, testa 15.000 para 1 milhão. Em Noronha, testamos 32.000 para 1 milhão. Não hesitamos em testar as pessoas, mesmo as assintomáticas. É estratégico também pelo ponto de vista geográfico, pois temos uma série de dificuldades pela infraestrutura e pela comunicação. Quanto mais casos conseguirmos prevenir, mais vidas vamos salvar.
Qual é a estrutura do sistema de saúde na ilha? Há um hospital de médio porte, com 12 leitos, enfermaria e duas salas semi-intensivas. Temos quatro respiradores e mais um chegará em breve. Além disso, estamos montando um hospital de campanha na escola, que teve as aulas suspensas. Quando o quadro de um paciente se agravar e ele for transferido para a sala semi-intensiva, automaticamente solicitaremos um voo de Recife para levar a pessoa a outro hospital.
A população está cumprindo a quarentena? Em geral, sim, a maior parte dos moradores está seguindo as recomendações. Uma minoria, algo em torno de 10%, ainda resiste em transitar pela cidade, sem muita necessidade. É uma pequena parcela que faz com que a curva continue a crescer. Se todos colaborassem, sem visitas a casas de amigos, sem circulação, já teríamos o achatamento da curva. Mesmo assim, percebemos que a estratégia funciona. Nos últimos dois dias, 26 testes deram negativo.
Ainda há turistas em Fernando de Noronha? Recebemos relatos de moradores que denunciam um turista aqui, outro lá. Quem quer que seja, o indivíduo decidiu ficar à própria sorte. A questão é que, para permanecer em Noronha, o turista precisa pagar uma taxa de preservação ambiental. Então, ele está em uma linha tênue entre a regularidade e a irregularidade, e a Justiça nos permite tirar pessoas da ilha, caso não cumpram com as regras.
O momento permitirá um folga do turismo desenfreado? Sim, com certeza. É uma luz no fim do túnel. Temos que refazer o turismo em Fernando de Noronha. Quando isso passar, vamos deixar que volte a ser como era antes? Precisamos de infraestrutura adequada para o turista e para os moradores, que dependem de fornecimento de água, saneamento básico e energia elétrica. A responsabilidade está na preservação do meio ambiente. Espero que o panorama de Noronha mude daqui para frente. Precisamos entender que o isolamento de hoje é a liberdade do futuro.
Qual será o impacto econômico? Basicamente, 95% da economia gira em torno do turismo. A primeira preocupação é salvar vidas, não em fazer a conta do prejuízo. Não vamos colocar no papel o quanto vamos gastar. O encerramento das atividades tirou a renda dos trabalhadores e o estado tem condições de arcar com as consequências. Compramos cestas básicas e, se for necessário, compraremos gás, água e o que mais a população precisar. Quem não tem condições é o morador oprimido que depende da economia. O estado existe para respaldar a situação e salvaguardar a vida das pessoas.