Apenas dez estados informaram o auxílio federal, de um total de R$ 37 bilhões
Alvo da CPI da Covid, a maneira como os Estados aplicaram a maior parte dos recursos enviados pelo governo federal como socorro financeiro na pandemia ainda é uma incógnita. A fatia mais robusta do auxílio federal era para livre destinação, não atrelada automaticamente a gastos com saúde, e cada governador deu o próprio encaminhamento. Procurados pelo Estadão, apenas dez informaram a aplicação das respectivas parcelas, de um total de R$ 37 bilhões transferidos.
Embora em alguns casos o dinheiro não carimbado também tenha sido destinado ao combate direto à covid-19, a maior fatia do socorro teve finalidades alheias à pandemia. Conforme relataram as secretarias estaduais de Fazenda, o recurso serviu para pagar servidores de diversas áreas, garantir o 13.º salário e custear a máquina pública.
O presidente Jair Bolsonaro usou o fato de os Estados aplicarem recursos federais para pagar salários e outras despesas como argumento para pressionar pela inclusão de governadores e prefeitos no alvo da CPI aberta no Senado. A ofensiva foi bem-sucedida. Agora, porém, Bolsonaro poderá ter de explicar a veracidade dos valores dos repasses que costuma publicar nas redes sociais, se isentando da responsabilidade pelo colapso do sistema de saúde nos Estados. Essa será uma das linhas de ação da CPI, que deve ter como relator o senador Renan Calheiros (MDB-AL), crítico do governo no enfrentamento da doença.
Ao todo, foram liberados R$ 60 bilhões para Estados (R$ 37 bi) e municípios (R$ 23 bi), sendo R$ 10 bilhões carimbados para ações de saúde e assistência social, e o restante para uso livre. Os dez Estados que apresentaram ao Estadão (SP, RJ, ES, GO, RR, AL, PR, RS, SC e DF) algum detalhamento sobre a aplicação do auxílio receberam, juntos, R$ 3,1 bilhões para a saúde e R$ 16,3 bilhões para usar livremente, segundo dados do Tesouro Nacional.
Desse total, R$ 7,6 bilhões foram repassados a São Paulo. O governo de João Doria (PSDB) afirmou que usou parte dos recursos para “pagar policiais e professores e cumprir contratos com fornecedores” e afirmou que não se trata de ajuda federal, mas de “obrigação prevista no princípio federativo de distribuição de recursos”. “A verba aos Estados não pertence a governantes, correntes políticas ou ideologias. São recursos públicos do contribuinte para ações de interesse da população”, destacou o governo Doria.
No Rio, os R$ 2 bilhões livres recebidos serviram principalmente para pagamento de policiais. Em Roraima, o governo repassou os R$ 147 milhões que não eram vinculados à covid para pagamento de salários de profissionais da saúde. “Tendo em vista a necessidade de aumento de pessoal, foi para complementação da folha de pagamento, só da saúde”, disse Marcos Jorge de Lima, secretário de Roraima.
O recebimento e a aplicação de repasses federais se tornaram tema mais delicado após o governo federal inflar o tamanho das transferências em relatórios institucionais. A campanha do governo, que incomodou os governadores, virou desinformação contra adversários. O chefe do Executivo do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), foi enganosamente acusado por bolsonaristas de desviar os R$ 2 bilhões do socorro para publicidade e pagamento de salários, em vez de “equipar UTIs e criar hospitais”.