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quarta-feira, 25/12/24
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Denúncias de racismo no DF foram multiplicadas por 11 em quatro anos

Entre 2011 e 2015, registros saltaram de 8 para 90; legislação é de 2010.
Número dobrou desde o ano passado; ‘câncer social’, diz promotor do MP.

O número de denúncias de racismo no Distrito Federal foi multiplicado por 11 nos últimos quatro anos, segundo dados registrados pelo Ministério Público local. Desde janeiro, o órgão registrou 90 ocorrências de injúria racial e racismo. A pilha de casos é 87% maior que os 48 identificados no ano passado, e 1025% maior que os nove casos de 2011.

As denúncias foram contabilizadas pelo Núcleo de Enfrentamento à Discriminação do MP, responsável pela abertura das ações civis públicas relacionadas. Coordenador do núcleo, o promotor de Justiça Thiago Pierobom diz que os casos de discriminação “tentam construir cidadãos de segunda categoria”.

“As práticas discriminatórias não podem ser toleradas, porque elas são um câncer social. Elas anulam o que tem de mais importante em uma sociedade democrática, que é o princípio da igualdade”, afirma. A legislação sobre o tema foi alterada em 2010, quando o MP começou a ajuizar processos sobre o tema.

Injúria ou racismo?
Dos 90 casos catalogados pelo MP, 87 foram enquadrados pelo órgão como “injúria racial” – quando a honra da vítima é ofendida com a utilização de elementos de raça, cor, etnia, religião ou origem, em tom pejorativa. Outros três casos foram classificados como racismo, que define conduta discriminatória dirigida a determinado grupo ou coletividade.

A linha entre os dois crimes é tênue e o MP afirma que, ao avaliar as denúncias, a Justiça pode mudar a tipificação dos crimes. A tramitação dos casos também é diferente: a injúria precisa ser denunciada pela vítima, o que não acontece nos casos de racismo.

Em ambos, o Ministério Público é responsável pela formulação da ação civil pública. Considerado mais grave, o racismo tem penas mais severas, é inafiançável e não prescreve.

Série de casos
Ao longo de 2015, tiveram diversos casos de ofensas raciais, entre injúrias, acusações de racismo e outros crimes ligados ao tema. Até este sábado (19), nenhuma das denúncias havia se transformado em condenação judicial.

Comentários racistas publicados na foto de jornalista do Distrito Federal em uma rede social (Foto: Facebook/Reprodução)
Comentários racistas publicados na foto de jornalista do Distrito Federal em uma rede social (Foto: Facebook/Reprodução)

Em maio, a Polícia Civil do DF abriu inquérito, e o governo federal, procedimento administrativo para apurar comentários ofensivos publicados no perfil pessoal da jornalista Cristiane Damacena em uma rede social. Moradora de Brasília, ela recebeu ataques de cunho racista ao trocar a foto de perfil do Facebook, no mês anterior. O caso foi classificado como injúria.

Dias depois, publicações ofensivas na mesma rede social utilizaram a foto de outra jornalista negra do DF. Mensagem veiculada em um grupo de compra e venda de produtos usava uma foto de Raíssa Gomes, de 25 anos, grávida.

“Vende-se um bebê! R$ 50. Como não achei Cytotec [remédio abortivo proibido no Brasil], eu e minha mulher resolvemos vender a criança”, dizia a legenda. A polícia registrou o caso como “crime virtual”, mas a vítima afirmou ao G1 ver traços claros de racismo na publicação.

Em julho, a conduta de um cobrador de ônibus foi investigada pela Polícia Civil. A universitária Gilvanete Costa, de 25 anos, diz que ele questionou a aparência dela dentro do transporte: ““Moça, o que tu fez no cabelo? Tomou um choque? Tá estranho (sic)”.

A microempresária Carmem dos Santos, que conta ter sofrido injúria racial em Brasília (Foto: Raquel Morais/G1)
A microempresária Carmem dos Santos, que conta ter sofrido injúria racial em Brasília (Foto: Raquel Morais/G1)

No mesmo mês, uma mulher foi presa por ofensas raciais dirigidas a um PM negro que a abordou. “Você tem que se desfazer desse cigarro de maconha na minha frente, porque senão você vai levar para casa e vai fumar. A sua cor já diz tudo”, teria dito ao policial. Ela é casada com um homem negro.

No dia seguinte, Carmem Célia dos Santos, de 46 anos, disse ter sido vítima de injúria racial. A empresária tem um pequeno restaurante e recebeu um homem que pedia orçamento para uma festa de 60 pessoas. Quando disse que não fazia esse tipo de serviço, foi surpreendida pela ação violenta do rapaz, que quebrou pratos e copos e atirou temperos ao chão.

“[Ele também] Incomodou o cliente que estava no local, tirou tampa do farinheiro, pôs azeite, pimenta. Perguntei ‘meu filho, do céu, por que você está fazendo isso?’. Ele ficou rindo da minha cara”, lembra Carmem. “Daqui a pouco, falou que negro não podia mesmo ter restaurante [e disse] ‘eu não gosto de negro, não gosto da raça negra, negro não pode ter restaurante'”.

Em novembro, uma modelo moradora de Ceilândia afirmou ter sido alvo de racismo em um ônibus. Ela usava um turbante e disse ter ouvido de duas passageiras “que ela era até bonita mas que com aquele lenço de macumbeira para esconder o cabelo ruim, ficava feia”.

A universitária Gilvanete Costa, que relata ter sofrido ofensa racista de cobrador de ônibus no DF (Foto: Gilvanete Costa/Arquivo Pessoal)
A universitária Gilvanete Costa, que relata ter sofrido ofensa racista de cobrador de ônibus no DF (Foto: Gilvanete Costa/Arquivo Pessoal)

Já em dezembro, decisão provisória emitida pela Justiça Federal nesta quinta-feira (10) impede o Ministério de Relações Exteriores (MRE) de dar posse a cinco candidatos à carreira de diplomata, suspeitos de fraudar a autodeclaração racial no último concurso. Segundo o Ministério Público Federal, são candidatos brancos que queriam se passar por negros para concorrer às vagas por cotas raciais.

Contra o racismo
O ano também foi marcado por ações de combate ao preconceito racial. Em abril, projeto de uma estudante da Universidade de Brasília (UnB) recebeu pelo menos mil seguidores na internet em dez dias. O site publicou fotos com estudantes negros e negras, segurando cartazes com as frases racistas mais ouvidas no dia a dia.

Em novembro, Brasília recebeu a primeira Marcha de Mulheres Negras, com integrantes de movimentos sociais que protestavam contra o racismo e a violência contra as negras do país. A marcha foi “puxada” por mulheres com trajes tradicionais da Bahia, com público estimado entre 4 mil (Polícia Militar) e 20 mil pessoas (organização).

Pessoas participam da marcha das mulheres negras contra o racismo, a violência e pelo bem viver em Brasília (Foto: Marcelo Casal Jr/Agência Brasil)
Pessoas participam da marcha das mulheres negras contra o racismo, a violência e pelo bem viver em Brasília (Foto: Marcelo Casal Jr/Agência Brasil)

Durante a marcha, dois policiais civis foram presos por disparar tiros para o alto – pelo menos um fazia parte do acampamento montado na Esplanada que pedia a volta da ditadura militar. Após o ocorrido, membros da manifestação atribuíram os disparos a discordância política e racismo.

Também em novembro, o governo do DF lançou campanha nas redes sociais para conscientizar a população a repensar sobre o uso de “frases [que] parecem engraçadinhas e inofensivas”, mas têm origem racista. Entre os exemplos dados pelo Executivo estão “a coisa tá preta”, “lista negra”, “não sou tuas negas”, “beleza exótica”, “humor negro” e “cabelo ruim”.

A campanha foi publicada pouco antes Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro. Na semana seguinte, o Tribunal de Justiça do DF condenou um médico a três anos e três meses de prisão, além de indenização de R$ 8 mil por danos morais, por ofender uma técnica em enfermagem com as palavras “neguinha, burrinha, sujinha e pretinha da senzala”.

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