Com deterioração dos indicadores do banco público, distritais querem informações sobre venda da carteira de consignados, parceria com Flamengo, queda do valor de mercado e suspensão do negócio de loterias
O presidente do BRB, Paulo Henrique Costa, é aguardado pelos deputados distritais para dar explicações sobre a situação financeira da instituição pública. Série de reportagens do Correio, com base em relatórios do próprio banco, manifestações do Banco Central, análise de risco da agência independente de classificação Moody’s e do voto de acionistas minoritários em assembleia, indica que os números do BRB são preocupantes e há um viés negativo nos balanços, apesar de a instituição apresentar uma imagem de cenário lucrativo. O banco tem apostado em parcerias duvidosas como o BRBFla, loterias e, nos últimos tempos, ainda aplicou R$ 80 milhões em marketing.
Líder do PT na Câmara Legislativa, Chico Vigilante conversou com o presidente da Casa, Wellington Luiz (MDB), sobre o agendamento de uma reunião ainda nesta semana com Paulo Henrique para que ele fale sobre os rumos e as contas do banco controlado pelo Governo do Distrito Federal. “A situação do BRB é grave. Se o Banco Central não fizer nada, vai ficar desmoralizado. É preciso realizar uma auditoria profunda nas contas do BRB”, afirma o petista.
Segundo Vigilante, Wellington se comprometeu a intermediar a marcação de uma reunião com o presidente do BRB, na presença de todos os 24 distritais. O líder do governo na Câmara, Robério Negreiros (PSD), esteve com Paulo Henrique em São Paulo no fim de semana, mas ainda não sabe quando ele marcará a conversa com os parlamentares.
Entre os temas que chamam a atenção, está a parceria do BRB com o Flamengo. Reportagem do Correio mostrou que as perdas com a Nação BRBFla somavam, em 30 de junho deste ano, R$ 455 milhões, enquanto a carteira ativa totalizava R$ 433 milhões. Dos empréstimos concedidos pela plataforma e que ainda estão em vigor, 25,9%, o correspondente a R$ 112 milhões, estão com atraso acima de 90 dias. Mais: outros 19,2% das operações (R$ 83 milhões) estão em pré-inadimplência, como o banco classifica as parcelas vencidas entre 15 e 90 dias. Reportagem da Folha de S. Paulo também mostrou que as perdas com as contas digitais da parceria com o Flamengo passam de R$ 455 milhões.
O deputado distrital Fábio Félix (PSol) já começa a defender a criação de uma CPI do BRB. Ele ficou preocupado com a notícia da venda das carteiras de consignados de servidores públicos e aposentados, quando havia uma queixa de Associação de Superendividados com a cobrança do banco acima dos limites definidos por lei distrital. Muitos devedores estão ficando sem salário para arcar com as parcelas vencidas dos consignados. Os novos credores, bancos privados que compraram as carteiras, começaram a exigir o pagamento das dívidas. O negócio rendeu ao BRB R$1 bilhão, dinheiro usado para cobrir inadimplências e os balanços. Mas, ainda assim, as contas estão apertadas.
Para registar um lucro de R$ 42,1 milhões no primeiro semestre deste ano, o BRB adotou medidas não usuais, como créditos tributários no valor de R$ 71,6 milhões para ficar com um saldo positivo. O negócio do banco, ou seja, a operação, apontou perdas de R$ 23 milhões antes desse artifício contábil. Parte desse resultado se deve a uma determinação do Banco Central de que o BRB corrigisse inconsistências no valor de R$ 322 milhões nos balanços de 2022 e 2023. Desse montante, R$ 169 milhões são referentes a uma reestruturação acionária que envolveu a BRBCard; R$ 75,8 milhões estão relacionados a dividendos do GDF que o banco lançou como seus; e R$ 77,4 milhões são ligados a uma parceria entre a instituição e a Santa Casa de Misericórdia de Lisboa na área de loterias.
Como o Correio e o jornal português Público mostraram, a Santa Casa de Misericórdia, entidade milenar com sede em Lisboa que investe em loterias decidiu rescindir a parceria com o BRB, aproveitando-se de uma brecha. O Tribunal de Contas do DF havia considerado irregular o negócio de loterias tocado pelo banco do DF e suspendeu a parceria. A Santa Casa de Misericórdia, sob nova gestão, decidiu anular o acordo. O Banco Central também não aprovou o negócio que era uma grande aposta do BRB.
Por conta desse revés e da orientação do Banco Central, o BRB republicou o balanço do primeiro semestre de 2023. No primeiro trimestre deste ano, depois das correções, o lucro líquido anunciado pela instituição, de R$ 69,9 milhões, se transformou em prejuízo de R$ 43,3 milhões. Os dados do BRB mostram, ainda, que o buraco dos três primeiros meses do ano foi coberto pelo lucro líquido de R$ 85,4 milhões computado entre abril e junho. Por isso, o resultado consolidado do banco no primeiro semestre de 2023 ficou em apenas R$ 42,1 milhões.
Para Fábio Félix, um dos pontos que o deixou em alerta foi a redução do valor do banco no mercado de ações. Uma reportagem do Correio revelou que o BRB perdeu metade do seu valor de mercado em apenas um ano e meio, de dezembro de 2021 a junho de 2023. Isso significa uma redução de R$ 4,7 bilhões ou de 49,1%. Em 31 de dezembro de 2021, o BRB era cotado no mercado a R$ 9,3 bilhões. Um ano depois, o valor de mercado do BRB baixou para R$ 6,3 bilhões. Já havia um certo descontentamento dos investidores com os números do banco.
Em 30 de junho deste ano, a capitalização do BRB caiu ainda mais, para R$ 4,7 bilhões. “A nossa preocupação é com a gestão do banco em si. E especialmente com a transparência dos dados sobre o banco para a população do DF. O governo e a diretoria precisam saber que o banco é público e, portanto, um patrimônio da população da cidade. Se há uma diminuição do valor de mercado, por que essas vendas (de ativos e de carteiras de consignados) foram feitas agora?”, questiona Fábio Félix.
O deputado distrital Gabriel Magno (PT) também espera uma reunião com o presidente do BRB para esta semana, com o intuito de buscar explicações. Ele tem estudado o assunto e pediu levantamentos sobre os balanços e recomendações do Banco Central relacionados ao BRB, para pedir providências ao Tribunal de Contas do Distrito Federal e ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). “Estamos acompanhando tudo com preocupação”, disse Gabriel Magno.
Presidente da Comissão de Fiscalização e Transparência da Câmara Legislativa, a deputada Paula Belmonte (Cidadania) tem se dedicado ao tema. Ela foi responsável pela realização de uma audiência pública na Casa para discutir a situação dos superendividados, com a presença de associações de servidores e aposentados. A tendência é de que a distrital apoie a instalação de uma CPI do BRB, mas, no momento, ela espera para a próxima segunda-feira uma reunião com o presidente do banco. Caso ele não apareça, ela vai tentar aprovar uma convocação.
A CPI demanda a assinatura de oito deputados no requerimento de instalação. A oposição conta hoje com sete integrantes: Chico Vigilante, Gabriel Magno, Ricardo Vale (PT), Dayse Amarilio (PSB), Fábio Félix, Max Maciel (PSol) e Paula Belmonte, que se apresenta como independente. Mas a pressão de servidores pode levar algum governista a abraçar a causa.