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segunda-feira, 23/12/24
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DF registra 109 casos de feminicídios desde a mudança na legislação

Elas foram mortas, na maioria das vezes, dentro de casa, por maridos ou ex-companheiros, motivados por ciúmes ou sentimento de posse

(foto: José Cruz/Agência Brasil)

Desde que entrou em vigor a Lei do Feminicídio, há cinco anos, 109 mulheres morreram em contextos de violência doméstica no Distrito Federal. A maioria, assassinadas em casa, por companheiros ou ex-maridos motivados, em mais da metade dos casos, por ciúmes ou sentimento de posse. Jovens, mais velhas, de diferentes classes sociais, moradoras de áreas nobres ou de regiões afastadas do centro. Nenhuma condição se mostrou capaz de impedir os crimes. Todas foram vítimas do machismo.

Os dados, de levantamento obtido com exclusividade pelo Correio, são resultado da análise de 101 dos feminicídios que ocorreram na capital federal entre 9 de março de 2015 a 31 de janeiro de 2020, realizado por meio da criação da Câmara Técnica de Monitoramento de Homicídios e Feminicídios (CTMHF), da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal.

Para Anderson Torres, secretário de Segurança Pública, é necessário ajuda de toda a sociedade para coibir esse tipo de crime, além de esforços para mudar a cultura de violência. “Precisamos que a sociedade mude, e a Secretaria está avançando nisso. O que pensamos é na conscientização das crianças e dos jovens, mudando a perspectiva para o futuro. A nossa geração é mais difícil. Vemos isso nas estatísticas. São números que chocam e crimes bárbaros”, acrescenta.

O estudo mostra ainda que 79,2% das vítimas de feminicídio não haviam registrado ocorrência pela Lei Maria da Penha nas delegacias. Dessas, 64% sofreram agressão antes do assassinato. Além disso, depoimentos de familiares, de amigos e de vizinhos também expuseram que 61,4% dessas vítimas viviam um ciclo de violência.

Por isso, Ana Cristina Melo Santiago, ex-chefe da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam), atualmente à frente da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), frisa a importância das denúncias por parte de terceiros, mas também ressalta a necessidade de a própria vítima tentar dar o primeiro passo. “Nós temos a Lei Maria da Penha, que estabelece uma rede de ajuda e enfrentamento à situação, não é apenas a punição. Essa mulher precisa entender que denunciar não é necessariamente um pedido de divórcio, essa é uma decisão única de cada uma. Ela precisa enxergar que está em um contexto de vulnerabilidade e precisa de ajuda. Se, posteriormente, ela entender que deve se separar, tudo bem. Se não, também não há problema. Não cabe a nós esse questionamento”, afirma.

“Temos uma naturalização e banalização da violência. Sabemos que nenhum relacionamento íntegro e harmonioso se torna, do dia para a noite, violento. Os sinais estão ali, mas a mulher vai relevando. É o ciúmes exacerbado sobre a roupa que a mulher usa, com quem ela se relaciona e o que faz. Em meio a essa situação, se escuta as justificativas: ‘Ele tem um temperamento difícil’, ou ‘Ele só está mostrando que se importa’. Os conflitos precisam ser resolvidos de forma saudável, e não pela submissão da mulher’. Isso não pode ser aceito”, completa a delegada.

Nesse sentido, Ana Cristina destaca ser preciso desconstruir a validação da mulher sob a ótica masculina, que culmina em preconceitos de que mulher com valor é casada e tem filhos, por exemplo. “Mas é preciso romper com os ideais arraigados e as expectativas criadas em nós desde pequenas. Sabemos o quão difícil é para uma mulher ultrapassar essas barreiras, mas é preciso. Isso vale para todas, pois a violência é cultural, perpassa classes econômicas, cor e idade”, sustenta.

Protocolo de ação

Desde 8 de março de 2017, a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) passou a usar o protocolo de enquadramento das mortes violentas, suicídios e desaparecimentos de mulheres no crime de feminicídio. A ação estabelece uma forma de apuração e, em homicídios, perícias específicas nos corpos e locais dos crimes, realizadas por especialistas dos institutos de Medicina Legal (IML) e Criminalística (IC).

De acordo com Ana Cristina Santiago, o protocolo do Distrito Federal é pioneiro. “Temos ótimos resultados, que possibilitam a finalização do inquérito policial em uma média de 40 dias. A Secretaria Nacional de Segurança Pública (ligada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública) pegou o modelo do protocolo e vai submeter a análise para adoção em todo o Brasil”, afirma.

Também com o objetivo de reduzir o número de crimes, após análise estatística das regiões com maior índice de violência doméstica, a Polícia Civil pretende abrir o novo Complexo Regional de Polícia, em Ceilândia, que funcionará na atual 15ª Delegacia de Polícia (Ceilândia Centro). Assim, a cidade terá, além de uma Delegacia Especial de Atendimento à Mulher, um Instituto de Medicina Legal.

Números do DF

Fora do contexto doméstico

Os assassinatos da advogada e funcionária do Ministério da Educação (MEC) Letícia Sousa Curado de Melo, 26, e da auxiliar de cozinha Genir Pereira de Sousa, 47, vítimas do cozinheiro Marinésio dos Santos Olinto, evidenciaram uma nova interpretação da lei no Distrito Federal. Até o registro destes casos, em 23 de agosto e 2 de junho de 2019, respectivamente, os homicídios qualificados pela questão de gênero ocorreram no âmbito doméstico. À época dos crimes, aflorou-se a discussão sobre se as mortes poderiam ou não serem enquadradas como feminicídio.

Segundo o promotor Raoni Maciel, do Núcleo do Tribunal do Júri e Defesa da Vida do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), do ponto de vista jurídico, a Lei do Feminicídio é considerada recente, daí o motivo de uma avaliação mais criteriosa. “Temos um ritmo mais cuidadoso, para que os agentes públicos possam entender e aplicar a lei. O feminicídio dentro do contexto doméstico trouxe certa facilidade de entendimento, pois faz alusão à Lei Maria da Penha. Mas a legislação contempla outro tipo de feminicídio, que é aquele cometido fora do contexto doméstico e familiar, na rua, por assim dizer”, explica. Nesses casos, cada crime é analisado de maneira isolada. “É o tribunal que delibera se o réu será ou não pronunciado (ao tribunal do júri) e por quais crimes. Cada julgamento traz um ensinamento”, completa.

Na análise de Paulo Giordano, juiz do Tribunal do Júri de Brasília e juiz-assistente da presidência do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT), o feminicídio fora do contexto doméstico é uma esfera que precisa ser estudada, uma vez que a lei determina apenas que o assassinato pode ocorrer pelo menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

“É necessária uma discussão acerca do que é matar a mulher em razão do sexo feminino. Precisamos fazer um debate para enxergarmos as nuances do ponto de vista sociológico e antropológico. Assim, poderemos entender qual é o papel da mulher dentro da sociedade e sobre a relação de poder entre homens e mulheres. Não é qualquer crime contra a mulher que se enquadra como feminicídio”, adverte Giordano.

O juiz destaca pontos que podem levar ao enquadramento de feminicídio fora do contexto familiar. “Para que uma pessoa responda criminalmente por um fato, todas as provas precisam se amoldar perfeitamente à qualificação. Contudo, quando uma lei é criada, não é possível especificar todos os casos possíveis dentro daquele delito. Há uma margem interpretativa para o juiz. É isso o que ocorre com o feminicídio”, observa.

“Portanto, é fundamental o amadurecimento da lei. Isso é possível por meio de debate entre o que o Ministério Público leva para análise do Judiciário e que é contraposto pela defesa (do agressor). Assim, o juiz analisará cada caso. Mas a discussão precisa ser maior, e a própria sociedade precisa estar presente, cobrando. Não para que a decisão do juiz seja por pressão, mas para que ocorra a reflexão”, finaliza o magistrado.

Os assassinatos da advogada e funcionária do Ministério da Educação (MEC) Letícia Sousa Curado de Melo, 26, e da auxiliar de cozinha Genir Pereira de Sousa, 47, vítimas do cozinheiro Marinésio dos Santos Olinto, evidenciaram uma nova interpretação da lei no Distrito Federal. Até o registro destes casos, em 23 de agosto e 2 de junho de 2019, respectivamente, os homicídios qualificados pela questão de gênero ocorreram no âmbito doméstico. À época dos crimes, aflorou-se a discussão sobre se as mortes poderiam ou não serem enquadradas como feminicídio.

Segundo o promotor Raoni Maciel, do Núcleo do Tribunal do Júri e Defesa da Vida do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), do ponto de vista jurídico, a Lei do Feminicídio é considerada recente, daí o motivo de uma avaliação mais criteriosa. “Temos um ritmo mais cuidadoso, para que os agentes públicos possam entender e aplicar a lei. O feminicídio dentro do contexto doméstico trouxe certa facilidade de entendimento, pois faz alusão à Lei Maria da Penha. Mas a legislação contempla outro tipo de feminicídio, que é aquele cometido fora do contexto doméstico e familiar, na rua, por assim dizer”, explica. Nesses casos, cada crime é analisado de maneira isolada. “É o tribunal que delibera se o réu será ou não pronunciado (ao tribunal do júri) e por quais crimes. Cada julgamento traz um ensinamento”, completa.

Na análise de Paulo Giordano, juiz do Tribunal do Júri de Brasília e juiz-assistente da presidência do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT), o feminicídio fora do contexto doméstico é uma esfera que precisa ser estudada, uma vez que a lei determina apenas que o assassinato pode ocorrer pelo menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

“É necessária uma discussão acerca do que é matar a mulher em razão do sexo feminino. Precisamos fazer um debate para enxergarmos as nuances do ponto de vista sociológico e antropológico. Assim, poderemos entender qual é o papel da mulher dentro da sociedade e sobre a relação de poder entre homens e mulheres. Não é qualquer crime contra a mulher que se enquadra como feminicídio”, adverte Giordano.

O juiz destaca pontos que podem levar ao enquadramento de feminicídio fora do contexto familiar. “Para que uma pessoa responda criminalmente por um fato, todas as provas precisam se amoldar perfeitamente à qualificação. Contudo, quando uma lei é criada, não é possível especificar todos os casos possíveis dentro daquele delito. Há uma margem interpretativa para o juiz. É isso o que ocorre com o feminicídio”, observa.

“Portanto, é fundamental o amadurecimento da lei. Isso é possível por meio de debate entre o que o Ministério Público leva para análise do Judiciário e que é contraposto pela defesa (do agressor). Assim, o juiz analisará cada caso. Mas a discussão precisa ser maior, e a própria sociedade precisa estar presente, cobrando. Não para que a decisão do juiz seja por pressão, mas para que ocorra a reflexão”, finaliza o magistrado.

As faces do feminicídio

Desde que a lei passou a vigorar, em 9 de março de 2015, até fevereiro deste ano, 109 mulheres morreram pela condição de gênero. Confira alguns dos casos:

Louise Maria da Silva Ribeiro, 20 anos – 2016 Asfixiada por clorofórmio pelo ex-namorado Vinícius Neres Ribeiro, que também ateou fogo no corpo da vítima, no câmpus da UnB, na Asa Norte
(foto: Arquivo pessoal )

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