Laboratórios alegam escassez de matéria-prima; pregões não têm lances. Nem todos os medicamentos podem ser substituídos por outros remédios.
Com dificuldades para reabastecer as farmácias da rede pública, o Distrito Federal tem estoques zerados de quatro antibióticos em todas as unidades de saúde desde pelo menos o início do ano. Os remédios em falta são usados no tratamentos de doenças como sífilis, febre reumática, toxoplasmose, tétano, meningite, salmonelose, pericardite (inflamação da membrana que reveste o coração) e endocardite (inflamação no revestimento interno do coração). Nem todos podem ser substituídos por outros medicamentos.
De acordo com a Secretaria de Saúde, os fornecedores alegam escassez de matéria-prima. Doses de Benzetacil, por exemplo,único antibiótico eficaz no tratamento contra sífilis em fetos, não chegam há um ano. Já de claritromicina, usada em pacientes com úlceras no estômago e infecções respiratórias, foram recebidas pela última vez em 2013.
A garantia de medicamentos foi apontada como um dos pilares no combate à proliferação de superbactérias – cinco pacientes infectados com micro-organismos do tipo morreram em um mês. Diretora de Assistência Farmacêutica, Gláucia Carvalho diz que a pasta mantém abertos processos de compras de todos os remédios em falta, até para mostrar que tem se esforçado para reverter o quadro.
“Quando há falta de medicamento, a gente tenta remanejamento, mas [essa] é uma falta generalizada. E como está no mercado todo, nem com outros hospitais públicos a gente conseguiria uma ação do tipo empréstimo. É muito complicado isso”, afirma a gestora.
Dados da secretaria apontam que a espiramicina – usada no tratamento contra toxoplasmose em grávidas – tinha um consumo mensal de 3.442 doses. A claritromicina, – utilizada para tratar infecções respiratórias e de pele, prevenção de infecção por MAC (Mycobacterium avium complex), que provoca tuberculose em pacientes com HIV, além de inflamações no estômago – tinha consumo mensal de 263 doses.
A penincilina benzatina (conhecida pelo nome comercial Benzetacil) – principal remédio usado contra sífilis e único eficaz contra a doença em fetos – tinha consumo mensal de 33.498 doses. Já a benzilpenicilina potássica – utilizada contra antraz, tétano, difteria, endocardite, orofaringite, salmonelose, meningite, pericardite, pneumonia grave e outras doenças – tinha consumo mensal de 1.843 doses.
Funcionário terceirizado de um órgão público, Marcelo dos Santos teve uma infecção em abril e conta ter passado por uma UPA, um posto de saúde e quatro hospitais públicos atrás de Benzetacil. O medicamento estava indisponível, e, após cinco dias, o homem decidiu procurá-lo em farmácias. As seis ampolas saíram por R$ 79 e foram achadas em um estabelecimento a 26 quilômetros de casa.
“Precisei tomar durante três semanas, aí, como não tinha na rede, desisti e fui procurar no particular”, afirmou o rapaz. “Comprei na farmácia e levava ao hospital para aplicar. Os técnicos de enfermagem sempre comentavam que era uma calamidade. Os hospitais só tinham dipirona e soro.”
O homem disse considerar a situação “desagradável”. “É chato, porque eu pelo menos tenho condição de comprar, mas imagina quem não tem. E esse é um medicamento considerado simples, mas de bastante importância.”
Por e-mail, a Secretaria de Saúde informou que há casos em que os medicamentos podem ser substituídos. “Vai depender do tipo de infecção, qual bactéria está provocando essa infecção, órgão acometido, entre outros aspectos avaliados pelo médico. Deve-se analisar uma série de fatores no momento de se escolher o substituto, pois depende do diagnóstico de cada paciente”, diz o texto.
Descontinuidade
Um relatório da Anvisa de 2 de junho mostra que alguns dos laboratórios que fornecem os medicamentos comunicaram a interrupção temporária na produção. A empresa Antibióticos do Brasil notificou o Ministério da Saúde sobre a suspensão da claritromicina em 30 de junho de 2014. Uma das responsáveis pela eritromicina, a Sanofi-Aventis avisou o órgão a respeito do corte em 28 de outubro de 2014.
Uma das produtoras da penincilina benzatina, a Novafarma comunicou a Anvisa em 21 de janeiro deste ano sobre a interrupção na entrega do medicamento. A empresa também havia informado, em 20 de dezembro de 2014, a respeito da suspensão da benzilpenicilina potássica.
Gláucia afirma que o fato de não conseguir realizar licitações por questões de mercado é “angustiante”. “A gente imprime todos os esforços para finalizar uma compra e ela resta deserta. Isso é muito angustiante. É uma coisa que está fora completamente do nosso controle.”
“Existem processos de compra que poderiam ser melhorados com maior eficiência da administração? Existem. Mas esses, especificamente, são uma coisa que a gente esgotou as nossas possibilidades, e a gente se vê mesmo refém do mercado. É muito complicado”, completa.
Combate às superbactérias
Um estudo feito pela Secretaria de Saúde aponta uma série de “irregularidades” nos hospitais públicos do DF: menos de 30% dos profissionais higienizam as mãos no trabalho; há fornecimento irregular de luvas e aventais, que geralmente têm baixa qualidade; são usados produtos de limpeza de pouca eficácia e falta manutenção adequada para equipamentos.
A coordenadora de Infectologia, Maria de Lourdes Lopes, afirmou que a situação já era conhecida pela pasta, mas o raio X permitiu a criação de um plano de contingência, anunciado no começo de junho após quatro unidades registrarem casos de pacientes com superbactérias. Até agora, cinco pacientes isolados com o micro-organismo já morreram.
A estratégia se baseia em três pilares – garantia de medicamentos sem interrupção, fornecimento de materiais para limpeza e desinfecção de superfícies e materiais e incorporação de farmacêutico nas equipes multidisciplinares que atuam nas áreas críticas, como UTIs. Embora os cuidados pareçam rotineiros, a gestora afirmou que faltava sistematização.
A presidente do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Saúde, Marli Rodrigues, criticou a forma como a gestão interpretou os dados da pesquisa, dizendo que existe um esforço para culpar profissionais. Ela também citou o déficit – de 7,9 mil servidores –, que obriga funcionários da área a trabalharem com sobrecarga. A entidade representa 104 categorias.
“Faltam materiais básicos de higiene, como álcool e clorexidina [antisséptico]. No Hospital de Santa Maria, por exemplo, faltam luvas, sondas, gasômetro, seringas e máscaras N-95. Muitas vezes, os antibióticos usados nos hospitais não são os mais indicados. A inconstância em medicamentos é uma das maiores causas do problema. Profissionais são obrigados a receitarem o antibiótico que tiver no hospital, não exatamente o necessário para cada caso. Se esse medicamento acaba, o trabalhador não tem outra opção a não ser substituí-lo. Esse improviso atrapalha o tratamento”, diz a sindicalista.
Crise na saúde
Um balanço divulgado pela secretaria afirmava o GDF tinha estoques zerados de 314 remédios no início do ano. Ao todo, a rede oferece 850 medicamentos. Atualmente há 70 deles em falta.
O desabastecimento da rede, as constantes greves e o fechamento dos leitos da UTI e de centros hospitalares por falta de profissionais, além de outros problemas, levaram o governador Rodrigo Rollemberg a decretar estado de emergência na saúde. A medida é válida por seis meses e termina em 19 de julho.
Entre as ações adotadas estão a suspensão de concessões de licenças não remuneradas e de afastamentos motivados por cursos de pós-graduação. No final de 2014, a então gestãoremanejou R$ 84 milhões de programas federais, como o combate e prevenção de dengue e Aids, para pagar fornecedores e reabastecer a rede pública da capital do país com medicamentos e materiais hospitalares.
O término do governo passado foi marcado por falta de seringas, gaze, cânulas e antissépticos, remédios de alto custo e para tratamento do câncer. Cirurgias eletivas foram canceladas. A crise também atingiu os servidores, que tiveram o pagamento de salários atrasados.
G1