Ao Correio Braziliense, as duas personalidades políticas colombiana falaram sobre as denúncias de crimes cometidos pelo Exército do país entre 2002 e 2008
A Jurisdição Especial para a Paz (JEP), o tribunal que investiga os crimes do conflito colombiano, anunciou no último dia 18 que o Exército da Colômbia assassinou 6.402 civis entre 2002 e 2008, durante o governo de Álvaro Uribe. Eles foram apresentados como abatidos em combate. O escândalo teria proporções ainda maiores: ativistas de defesa dos direitos humanos acreditam que o número real de mortes oscilaria entre 10 mil e 12 mil.
O Correio Braziliense entrevistou duas personalidades políticas colombianas, que falaram sobre as denúncias. A ex-senadora e ex-candidata à Presidência Ingrid Betancourt, 59 anos, tornou-se a refém mais conhecida das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Sequestrada em 23 de fevereiro de 2002, perto de San Vicente del Caguán (sudeste), ela ficou em poder da guerrilha maoísta por 2.323 dias. Ernesto Samper Pizano foi presidente da Colômbia entre 7 de agosto de 1994 e 7 de agosto de 1998, além de secretário-geral da União de Nações Sul-Americanas (Unasul). Ingrid e Ernesto responderam às mesmas perguntas do Correio. Leia abaixo:
A JEP concluiu que 6.402 civis foram executados por tropas da Colômbia entre 2002 e 2008 e apresentados como combatentes das Farc. Como analisa isso?
INGRID: Os colombianos já conheciam tais fatos, mas não sua magnitude. A JEP informa 6.400 falsos positivos. Mas, as ONGs que denunciaram falam de cifras ainda maiores. Em todos os casos, aplaude-se a Justiça Transicional (JEP), fruto do acordo de paz com as Farc, a qual investiga, de forma ativa, estes casos. É de primordial importância que se faça justiça. Na Colômbia, 90% dos crimes ficam impunes. Por isso, se espera muito da JEP.
ERNESTO: A Colômbia vive uma nova experiência em matéria de justiça. Trata-se do Sistema de Justiça Transicional, pactuado pelos Acordos de Havana, que selaram a paz entre o Estado colombiano e as Farc. Este sistema, integrado pela Comissão da Verdade, da Jurisdicão para a Paz e da Unidade da Busca de Pessoas Desaparecidas, pretende, além de fazer justiça, encontrar a verdade pedida pelas vítimas e assegurar a reparação. A Jurisdição para a Paz, criada para julgar todos os atos da guerra e suas implicações no direito internacional humanitário, iniciou suas atividades com dois macro-casos: o dos sequestros cometidos pelas Farc durante o conflito e o dos falsos positivos, execuções extrajudiciais cometidas por membros das Forças Armadas fazendo parecerem civis inocentes como mortos em combate.
Os abusos na luta armada contra as Farc têm que ser punidos até a mais alta instância? O presidente Álvaro Uribe e os comandantes das Forças Armadas têm que ser responsabilizados?
INGRID: Assim como no caso 001, em que a JEP imputou aos máximos chefes da cúpula das Farc os crimes de lesa humanidade perpetrados contra os sequestrados, de igual modo creio que os máximos chefes do alto governo daquela época têm responsabilidade penal por terem criado um sistema de recompensas econômicas por guerrilheiros mortos. No marco da política de Segurança Nacional, utilizaram essas cifras para reivindicar o aumento de mortes como uma vitória militar e um êxito político.
ERNESTO: O relatório da JEP assinala que mais de 70% dos falsos positivos ocorreram durante os anos do governo Uribe. Será a JEP que estabelecerá os níveis de responsabilidade destes atos e se existia um padrão de conduta definido pelos responsáveis pela ordem pública, a começar pelo próprio presidente da República.
O que é necessário para que a Colômbia acerte as contas com o passado e encontre a paz?
INGRID: Que se faça justiça, mas não vingança. Que se cumpra com o pactuado no processo de paz. Que a Colômbia encontre líderes políticos que não vivem do ódio, mas que unam os colombianos em torno de uma nova visão do país.
ERNESTO: Como diz a Bíblia, “somente a verdade os fará livres”. Enquanto não soubermos o que se passou durante o conflito de meio século que vivemos, quem foram os responsáveis e como afetaram suas vítimas, não poderemos viver tranquilos e nos reconciliarmos como cidadãos. O que diferencia o processo de paz que vivemos é que ele gira em torno das vítimas, e não somente dos algozes. Por isso, peço respeito pela Jurisdição da Paz na Colômbia, pois ela é a porta para um futuro de paz no país.