Políticas públicas sobre o uso e porte de drogas devem ser baseadas em medidas eficazes, não em dados que levam ao retrocesso, à violência e à insegurança
A discussão sobre o substituto do ministro Teori Zavascki, que faleceu em um trágico acidente aéreo em 19 de janeiro em Angra dos Reis, no Supremo Tribunal Federal (STF) trouxe à tona diversas questões além da Lava-Jato. Uma delas é sobre a ação que corre no STF sobre a descriminalização da posse de drogas para uso recreativo.
Em 2015, o então ministro Teori realizou um pedido de vista do processo, que resultou na suspensão do julgamento. Na ocasião, o ministro Gilmar Mendes votou a favor da descriminalização de todas as drogas, Luis Roberto Barroso e Edson Fachin votaram pela descriminalização apenas da maconha, sendo que o ministro Barroso sugeriu a fixação de um limite de 25 gramas para a posse da droga.
Recentemente, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso falou à imprensa sobre o tema, reforçando seu ponto de vista em relação à questão, abordando assuntos como a redução da população carcerária com a descriminalização, e uma “novidade”: que, com ela, o portador de drogas para uso pessoal não seria preso. Digo “novidade” pelo seguinte: a lei brasileira 11.343/06 despenaliza o usuário e evita que ele seja preso por portar drogas para consumo próprio. Ou seja, a legislação já prevê que o usuário não seja preso, e sim o traficante de drogas.
O ex-presidente, uma pessoa que respeito muito, defende ainda que pequenos traficantes, sem antecedentes criminais, também não vão para a prisão. E este é um dos principais equívocos que considero na defesa realizada por FHC. As facções criminosas já utilizam hoje justamente os pequenos traficantes para compor sua rede disseminada, o que faz com que ela tenha características específicas e um largo alcance.
O aumento da população carcerária com certeza é um problema no país, mas estamos falando de uma solução que manteria livres criminosos que fortalecem e ampliam de forma significativa o alcance do tráfico em nossa sociedade. Mais ainda: dando carta branca para que andem com pequenas quantidades de drogas, permanecendo impunes dos crimes que cometem. Afinal, é no mínimo ingenuidade pensar que o tráfico não aproveitará esta oportunidade, já que ficará mais difícil identificar os criminosos.
Se alguém tem dúvidas disso, basta olhar para o estado americano do Colorado. Um dos exemplos, dentre tantos que ele nos mostra, é o seguinte: narcotraficantes estão mudando suas operações para a região (onde é permitido o uso recreativo de maconha) e cultivando a droga, porém, desviando de lojas legais parte da produção, para venda ilegal via internet, conforme dados das autoridades locais, para terem lucros maiores. Ou seja, se aproveitando de mudanças na legislação, para agir à sua margem.
No Brasil, infelizmente, vemos a ascensão das facções criminosas, seja nos presídios ou fora deles, com dinheiro obtido com o tráfico de drogas, de armas, enfim, representando uma clara falha das autoridades em combater esse tipo de organização criminosa. As histórias da Colômbia, do México e até desses casos nos Estados Unidos nos mostram o perigo que o narcotráfico representa para um país, para uma sociedade. Os que defendem tais atitudes parecem ignorar medidas que a legislação já prevê e que, ao defenderem que pequenos traficantes, mesmos sem antecedentes, não sejam presos, estão na verdade reforçando o poder dos criminosos. Como combater de forma eficaz o tráfico, se o seu “exército” será reforçado nas ruas?
É surpreendente a posição de alguns magistrados e até do nosso ex-presidente, um grande político que teve o governo marcado por avanços na economia e na área social. Um legado que não combina com seu atual discurso, também feito por entidades como a Open Society Foundation e personalidades como George Soros, que defendem mais interesses particulares, do que os da população em geral.
Nesse momento, me pergunto se os que pregam essa ideia chegaram a ouvir os familiares de usuários de drogas. Não são poucos – estimativas indicam que, a cada dependente químico, quatro pessoas são afetadas em média, principalmente no âmbito familiar. Estamos falando de aproximadamente 28 milhões de brasileiros. Por minha experiência na área, tenho certeza que essas pessoas têm uma visão muito diferente sobre a descriminalização e até da legalização das drogas. Precisamos de políticas públicas que sejam baseadas em medidas realmente eficazes, e não em dados que comprovadamente, nos levam ao retrocesso, à violência e à insegurança.