Parte dos auditores acredita que as operações foram regulares, enquanto o comando da unidade técnica vê ilegalidade no empenho de receitas
A análise sobre a legalidade das garantias dadas por Estados e municípios para conseguir crédito com bancos públicos abriu uma divergência na área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU). Parte dos auditores acredita que as operações foram regulares, enquanto o comando da unidade técnica vê ilegalidade no empenho de receitas dos Fundos de Participação de Estados (FPEs) e Municípios (FPMs) como garantias a esses empréstimos.
A posição final caberá ao relator, ministro José Múcio Monteiro, que poderá acatar ou não a sugestão de que essas operações sejam vedadas daqui para a frente. Dessa forma, Estados e municípios só poderiam tomar financiamentos se tivessem o aval do Tesouro Nacional.
O problema veio à tona depois que o conselho de administração da Caixa Econômica Federal suspendeu a concessão de empréstimos sem garantia da União. Como revelou o Estadão/Broadcast em fevereiro, a decisão foi tomada porque o Tesouro Nacional questionou a constitucionalidade da entrega do FPE e do FPM como garantia a essas operações, firmadas diretamente com os bancos.
Na época, a Caixa estava pronta para liberar mais R$ 19 bilhões em financiamentos, dinheiro que governadores e parlamentares pressionavam para que fosse liberado para obras ainda no ano de eleições.
Um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) liberou as operações, mas o assunto ainda está sendo tratado pelo TCU porque o procurador Júlio Marcelo de Oliveira, que atua no Ministério Público junto à corte de contas, pediu a suspensão desses empréstimos e o impedimento de novos financiamentos nesse modelo. Embora o relator tenha negado o pedido de suspensão cautelar, o mérito ainda será julgado. A decisão do Tribunal vai valer para os empréstimos futuros e pode pôr fim a uma prática que já dura mais de 30 anos e ajudou a irrigar Estados e municípios com dinheiro de bancos públicos.
Uma ala dos auditores do TCU entende que a lei é explícita ao vedar o uso do FPE e do FPM como garantia em operações firmadas diretamente com instituições financeiras. A avaliação nesse caso é que o Estado ou município só pode empenhar essas receitas junto ao Tesouro Nacional. Já a outra ala cita diversas decisões judiciais que classificam as receitas do FPE e do FPM como transferências – ou seja, não teriam mais a natureza tributária que impede o seu uso como garantias.
Os pareceres estão nas mãos do procurador junto ao TCU, que poderá fazer suas considerações finais antes do pronunciamento do relator.
Mesmo com a divergência sobre a ilegalidade das operações, a área técnica tem preocupações em comum em relação à trajetória de endividamento dos Estados e municípios e ao risco dessas operações para a União. Dados enviados pelo próprio Tesouro ao TCU apontam que o órgão não consegue cobrar R$ 16,8 bilhões de Estados e municípios porque a Justiça impediu a execução de contragarantias, que servem para compensar a dívida que acabou sendo honrada pela União. O motivo alegado é a situação de penúria desses governos.
Outro receio da área técnica é quanto ao grau de uso dessas receitas como garantias em financiamentos. O temor é que governos estaduais ou municipais tenham comprometido o mesmo valor de FPE ou FPM em mais de uma operação, o que deixaria os bancos sem a compensação prometida em caso de eventual calote.