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Gestor de OS deve deixar Conselho de Saúde do DF, sugere MP de Contas

Renilson Rehem comanda Hospital da Criança, única parceria atual do Buriti.Suspeita é de ‘defesa de interesse particular’; CPI apura desvios na Saúde.

Fachada do Hospital da Criança de Brasília (HCB), na Asa Norte (Foto: Tony Winston/Agência Brasília
Fachada do Hospital da Criança de Brasília (HCB), na Asa Norte (Foto: Tony Winston/Agência Brasília

O Ministério Público de Contas, ligado ao Tribunal de Contas do Distrito Federal, pediu que a Corte determine ao Conselho de Saúde que afaste o médico Renilson Rehem de seu quadro. O órgão aponta possíveis irregularidades nos contratos do Palácio do Buriti com o Hospital da Criança de Brasília, dirigido por Rehem por meio de uma organização social, e pede a apuração dessas suspeitas.

As relações de Rehem com o GDF são investigadas pela CPI da Saúde e pelo MP de Contas. A procuradora do MP de Contas  Cláudia Pereira também pediu autorização para fazer um “pente-fino” nas contas e nos contratos do Instituto de Câncer Infantil e Pediatria Especializada (Icipe).

O Icipe foi criado para administrar o Hospital da Criança, e é citado pelo GDF como “exemplo de boa gestão” – o governo quer expandir os contratos com OSs para gerenciar UPAs e unidades básicas de saúde. As pessoas e órgãos citados no pedido do MP negam irregularidades (veja os posicionamentos no fim desta reportagem).

As medidas propostas pelo MP se baseiam em um relatório parcial da CPI da Saúde. Elaborado por policiais civis que ajudaram na comissão, o texto aponta uma série de suspeitas envolvendo a Abrace (entidade de assistência a jovens pacientes com câncer, responsável pela construção do Hospital da Criança), a direção do Hospital da Criança e o Icipe.

Em um dos trechos mais críticos do relatório preliminar, a CPI da Saúde afirma que “acreditar nisso [que as OSs poderiam resolver a saúde pública do DF] é o mesmo que acreditar em Papai Noel”. Segundo o documento, o governo é movido por “interesses nefastos e escusos” ao apresentar o modelo como solução para o “caos que impera na saúde”.

Trecho de relatório preliminar da CPI da Saúde diz que GDF tenta ludibriar sociedade ao divulgar modelo da gestão das OSs na saúde (Foto: Reprodução)
Trecho de relatório preliminar da CPI da Saúde diz que GDF tenta ‘ludibriar’ sociedade ao divulgar modelo da gestão das OSs na saúde (Foto: Reprodução)

Investigações
O Icipe é objeto de outras sete investigações em curso no Tribunal de Contas – o próprio surgimento da entidade é questionado. O instituto foi fundado em 2009 e passou a ser considerado organização social em 2011. Entre os assuntos apurados, está o fato de o Icipe ter sido credenciado como OS sem cumprir exigências legais, como apresentação de balanços dos patrimônios dos dois anos anteriores.

Desde 2011, o Icipe recebeu mais de R$ 200 milhões do GDF e do governo federal sem licitação. Segundo o relatório, a contratação do instituto “não poderia ter ocorrido pelo fato de que o Icipe não preenchia os requisitos formais de estabelecimentos nos chamamentos públicos”. Os contratos com a entidade foram assinados à época mesmo sem o aval da Procuradoria-Geral do DF.

Mulher carrega bebê braços no Hospital da Criança (Foto: Tony Winston/Agência Brasília)

LEIA ABAIXO AS SUSPEITAS LEVANTADAS PELO RELATÓRIO:

Grupo de Trabalho e Conselho de Saúde
Médico sanitarista de 65 anos, Renilson Rehem é um dos sete integrantes de um grupo de trabalho formado pelo governo para analisar a “descentralização da gestão em saúde” – ou seja, a contratação das organizações sociais.

O grupo foi criado em agosto de 2015 e lista Rehem como servidor. Segundo a CPI, o diretor do hospital não faz parte do quadro do GDF. Além disso, ele preside o Instituto Brasileiro de Organizações Sociais de Saúde (Ibross), que representa 19 OSs pelo país.

Se o modelo for alterado e as OSs forem contratadas, cada acordo firmado terá de passar pelo Conselho de Saúde. A CPI questiona o fato de Rehem representar as organizações e, ao mesmo tempo, estar envolvido na avaliação desses contratos.

Além de pedir o afastamento de Renilson Rehem, o MP pede que o Tribunal de Contas mande anular a criação do grupo de trabalho, ou cobre explicações do Buriti sobre a composição desse grupo.

Texto da portaria que instaura grupo para tratar do modelo das OSs no DF (Foto: Reprodução)

Vínculos suspeitos
Ainda de acordo com o relatório, os dirigentes do Icipe “guardam uma íntima relação com os dirigentes da Abrace, mantendo ainda uma relação ‘promíscua’ com os dirigentes do HCB [Hospital da Criança de Brasília]”.

O texto aponta que servidores da Secretaria de Saúde têm dificuldade até para diferenciar hospital, entidade e OS, porque as três instâncias têm membros em comum.

“Outro detalhe que merece atenção é que a maioria dos integrantes do Icipe, HCB e Abrace possuem várias empresas com ‘animus lucrandi’ registradas em seu nome. São pessoas que se dedicam muito à ‘filantropia’, mas não se esquecem de lucrar em suas empresas”, dizem os policiais que assinam o relatório. As dezenas de empresas referidas são de serviços e consultoria na área da saúde. Pela denúncia, Rehem é “sócio de cinco empresas”, incluindo o Ibross.

Por causa dos vínculos entre os integrantes das entidades investigadas, o relatório indica a “real possibilidade da ocorrência de crimes contra a administração pública, não sendo fantasiosa a cogitação do cometimento de crimes de lavagem de dinheiro”. O relatório, no entanto, não dá mais detalhes sobre a suspeita.

O superintendente executivo do Hospital da Criança, Renilson Rehem, em entrevista no Palácio do Buriti (Foto: Renato Araújo/Agência Brasília)

Ligações suspeitas
No texto, os policiais lembram que Renilson Rehem já foi acusado de tentativa de extorsão contra uma fornecedora de medicamentos anticâncer enquanto era secretário no Ministério da Saúde, em 2001. À época, foi absolvido. Segundo o relatório, Rehem operava com um lobista que chegou a ser preso na operação Zelotes.

O documento também “puxa” a ficha do presidente do Icipe e vice-presidente da Abrace, Newton Alarcão. Ele é sócio de um conglomerado de empresas do ramo de informática e de TI chamado Politec/Indra, que tem contratos com o GDF. Só da Secretaria de Saúde, foram repassados R$ 926.385 para o grupo.

A Politec foi alvo da operação Custo Brasil – um desdobramento da Lava Jato que apura supostas fraudes cometidas no Ministério do Planejamento em operações de crédito consignado a servidores federais.

Ainda de acordo com o documento, Newton Alarcão é parente do ex-secretário de Obras Jaime Alarcão, que chegou a ser preso em 2001 por crimes contra o consumidor. A passagem dele no GDF foi durante o governo de José Roberto Arruda.

Endereço em comum
Segundo o relatório da CPI, a sede do Icipe funciona no mesmo local que a sede do Ibross, no Guará. No local, Rehem e Alarcão dividem a mesma sala. “A utilização conjunta da sala não seria estranha, não fosse o fato de que Renilson Rehem de um lado defende o interesse de 19 OSs, sendo que de outro lado, Newton Alarcão, presidente do Icipe, recebe uma enormidade de recursos públicos.”

Os investigadores que assessoram a CPI chegaram à conclusão de que há risco de existirem “relações escusas” com as empresas vinculadas aos membros das entidades investigadas. “Não seria estranho afirmarmos que a Abrace, Icipe e HCB, embora pessoas totalmente distintas, fossem tratadas como uma única pessoa, dada a evidente confusão patrimonial entre elas”, cita o texto.

O presidente Instituto do Câncer Infantil e Pediatria Especializada (Icipe), Newton Alarcão, no Palácio do Buriti (Foto: Renato Araújo/Agência Brasília)

Liberação de verbas
O documento enviado pela CPI a promotores e procuradores alerta para o fato de que a médica Dea Carvalho agiu a favor do Icipe e do Hospital da Criança enquanto servidora na Secretaria de Saúde. Mesmo fazendo parte do quadro do GDF, ela aparece como uma das pessoas que assinaram a ata de assembleia que constituiu o Icipe.

Em um ofício de junho de 2010, Dea pede que sejam liberados R$ 80 milhões com urgência para o instituto referente a um contrato com a pasta. À época, ela era subsecretária interina de Programação, Avaliação, Regulação e Controle. Em junho de 2013, Dea se tornou diretora do Icipe. A aposentadoria dela só ocorreu em agosto daquele ano.

Para os investigadores que colaboraram com a CPI, não há dúvidas de que Dea “praticou no mínimo o crime de advocacia administrativa, atando em favor do Icipe, quando ainda estava lotada como subsecretária”.

Ofício encaminhado pela servidora Dea Carvalho, que orienta a liberação de verbas para o Icipe (Foto: Reprodução)

VERSÃO DOS CITADOS

Secretaria de Saúde
De acordo com a Secretaria de Saúde, o grupo de trabalho instaurado para criar a minuta do projeto de lei que permite a ampliação da participação das OS concluiu os trabalhos em dezembro de 2015. O grupo foi desfeito naquela ocasião.

Ainda segundo a pasta, há dois assentos de titulares e suplentes no Conselho de Saúde para representantes de prestadores de serviços. Como diretor do Hospital da Criança, Rehen ocupa uma vaga de suplente, cujo titular é o diretor do Instituto de Cardiologia do Distrito Federal, Jorge Bruno Rosário de Souza, diz a secretaria.

O Conselho de Saúde também é composto por representantes do governo,servidores e usuários da saúde. Ele atua na formulação de estratégias e políticas de saúde.

Renilson Rehem
Ele diz não participar de nenhuma comissão sobre OS. Segundo ele, o Ibross “tem como um dos seus objetivos destacar as organizações sociais mais comprometidas com uma gestão competente e responsável dos recursos públicos”.

“Acrescento ainda que não há nada o que possa motivar suspeitas sobre o trabalho que é realizado na administração do Hospital da Criança de Brasília cujas contas relativas aos anos de 2011, 2012 e 2013 já foram analisadas minuciosamente e aprovadas pelo TCDF”, declarou.

Rehem negou fazer parte de acordo quem destinam verbas para qualquer unidade. Sobre o episódio em que foi acusado de extorsão, o médico diz ter sido a própria vítima do lobista e que partiram dele as denúncias sobre o caso à Polícia Federal.

“O modelo de OS é apenas uma das várias possibilidades existentes no SUS. Mas não acho que seja um modelo mágico, que por si só é perfeito. Para que a parceria dê certo, a OS precisa ser séria, o governo precisa se preparar, se organizar, para acompanhar e fazer sua parte no controle e na avaliação da execução do Contrato de Gestão”, afirmou.

Déa Carvalho
A ex-servidora relatou ter ocupado o cardo de diretora de Programação e Políticas de Saúde entre novembro de 2008 e dezembro de 2010. Em janeiro de 2011, entregou o cargo “por motivo de mudanca de governo”.

Entre junho de 2009 e julho de 2010, atuou como subsecretária interina de Programação e Políticas de Saúde. “Quando o Icipe foi contratado, eu atuava na Secretaria de Saúde sem cargo comissionado, como técnica [..], condição que perdurou até minha aposentadoria em 2013. O Icipe nao recebeu recursos da Secretaria de Saúde, a qualquer título, até sua contratação em agosto de 2011.”

Segundo ela, nenhum dos cargos que ocupou teve como atribuição ou prerrogativa a autorização ou ordenação de despesas ou de celebracao de contratos e convenios. “Na verdade, como caracteriza a área de planejamento, as divisões em que trabalhei eram só o ponto de partida desses processos, após solicitacao de áreas técnicas finalísticas, geralmente da Subsecretaria de Atenção a Saúde.”

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