Grupos armados apoiadores do governo Trump fiscalizam a fronteira do país com o México, caçam e até torturam imigrantes
No último dia 20 de março, um grupo de 30 brasileiros — adultos, jovens e crianças — foi detido ao tentar cruzar ilegalmente a fronteira entre México e Estados Unidos. Quem impediu que eles entrassem no país foi um fazendeiro: Jeff Allen, de 56 anos, dono de uma propriedade na fronteira dos EUA, justamente por onde o grupo tentou realizar a travessia. Allen é membro do grupo Constitutional Patriots New Mexico Border Ops Team, uma milícia armada que promete patrulhar a fronteira até que o muro prometido pelo presidente Donald Trump seja construído. O grupo acabou entregue pela milícia aos agentes da Border Patrol, a Patrulha de Fronteira dos EUA, e, depois, ao US Immigration and Customs Enforcement (ICE, sigla em inglês para Agência de Alfândega e Imigração), que dá seguimento ao processo de deportação.
Esses brasileiros, que foram chamados de “vergonha nacional” pelo presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, Eduardo Bolsonaro, estão longe de ser um caso isolado. Por dia, no ano de 2016, os patrulheiros detiveram cerca de 1.100 imigrantes que tentam fazer o mesmo. O número de brasileiros que se arriscaram na empreitada e que se deram mal é bem menor — cerca de nove por dia. O número vinha em trajetória de queda no ano passado, mas dá sinais de que está voltando a subir. Segundo dados do Trac Immigration Project, da Universidade de Syracuse, de 1º de outubro de 2017 a 30 de setembro de 2018, período que o governo americano chama de “ano fiscal”, foram processados 594 brasileiros em tribunais de imigração americanos por terem entrado no país “sem inspeção”, ou seja, sem fiscalização nas fronteiras terrestres, aéreas (aeroportos) ou marítimas. De outubro de 2018 a fevereiro deste ano, já foram 308 processos — mais da metade, um aumento proporcional de 45,5%.
As patrulhas texanas de Rio Grande e El Paso são as que, historicamente, realizam a maior parte das prisões nas fronteiras. Elas contam, cada vez mais, com o auxílio de milícias, grupos armados que vigiam pontos na fronteira com os quais estão familiarizados ou onde sabem que são rotas de imigrantes. “Eles procuram pelos imigrantes seja vasculhando a área a pé ou com veículos. Usam binóculos, drones e outros equipamentos”, explicou Heidi Beirich, diretora do Intelligence Report da Southern Poverty Law Center, que monitora a direita radical nos EUA. Seus membros são, geralmente, de classe média e usam sua renda para comprar armas. O recrutamento se dá principalmente por redes sociais. A UCP, que deteve o grupo de brasileiros, não se autoproclama uma milícia, mas tem várias características relacionadas, contou Beirich. “Eles são contra imigrantes e adotam teorias de conspiração sobre uma suposta ‘invasão’ de estrangeiros nos Estados Unidos.” A UCP também vai além de detectar migrantes e denunciá-los a agentes de patrulha de fronteira. Relatos de abuso e tortura envolvendo grupos milicianos não são raros. “Vídeos on-line mostram que eles estão perseguindo ativamente imigrantes no deserto.” O grupo é liderado por um homem chamado Larry Hopkins, que usa os nomes fictícios John Horton ou Johnny Horton Jr. Ele foi condenado por múltiplos crimes no passado, incluindo os crimes de falsidade ideológica, passar-se por policial e posse ilegal de armas durante liberdade condicional.
O líder da UCP afirma estar em contato direto com o presidente americano Donald Trump e que o aconselha sobre segurança fronteiriça. Ele conseguiu, em um crowdfunding (vaquinha on-line), mais de US$ 14 mil para financiar o grupo e também dezenas de sulistas americanos dispostos a tomar conta dos limites territoriais do país.
Em situação irregular, aos brasileiros pegos por milicianos não resta muito além de torcer para que sejam entregues às autoridades. O órgão que confirmou a ÉPOCA a captura do grupo brasileiro foi o Customs and Border Protection (CBP, sigla em inglês para o Departamento de Alfândega e Proteção de Fronteiras). Quando questionado, o Ministério das Relações Exteriores afirmou que a “informação solicitada [sobre a condição do grupo] não se encontra disponível”.
A legislação americana prevê que qualquer estrangeiro que entre ou tente entrar nos EUA sem a autorização dos oficiais de imigração será multado e possivelmente preso por no máximo seis meses. Quando detidos tentando entrar ilegalmente no país pela primeira vez, o tempo de detenção é, em média, de 15 dias. A deportação é quase que imediata e o imigrante fica proibido de entrar nos EUA por um período, mas não há punição criminal. Em 2017, a maior parte dos brasileiros deportados voltou para casa assim: sem condenação. Dos 1.361 brasileiros deportados pelo ICE, 770 se encaixaram nesse perfil.
Já no caso de reincidência — aqueles que tentam entrar ilegalmente no país pela segunda ou terceira vez —, a detenção pode chegar a dois anos e o valor da multa pode ser duplicado. Em 2017, 235 brasileiros voltaram ao país depois de insistir na entrada irregular. Há ainda uma minoria de imigrantes brasileiros que deixam o país por ter cometido outros crimes, como brigas de trânsito, direção sob efeito de bebidas e assaltos. Isso acontece principalmente com os que entram nos EUA de forma legalizada, mas que permanecem no país com vistos vencidos ou incompatíveis com as funções que exercem. “Era comum que o imigrante, após entrar de maneira ilegal no país, recebesse uma notificação para comparecer no tribunal. Só que a pessoa nunca aparecia. Então, ela era julgada à revelia e tinha uma ordem de deportação. De repente, era pega com uma multa de trânsito ou outro crime de menor potencial e conduzida à casa de detenção. Depois seguia para a deportação”, afirmou Leonardo Freitas, ex-agente do Departamento de Segurança Interna dos EUA e sócio fundador do escritório de advocacia Hayman-Woodward. Nesses casos, o processo de deportação pode ser longo. Para os brasileiros, ele dura, em média, 524 dias — quase dois anos na prisão. “Os advogados entram com vários recursos para impedir a saída. Há também aquelas pessoas que falam que têm medo de voltar para o país de origem e pedem asilo”, explicou Freitas. “Muitas pessoas não têm recursos para pagar as fianças, que são altas, e por conta disso ficam detidas.”