Após o pleito, o eleito pode voltar a descumprir promessas, alertam especialistas. Cabe ao eleitor puni-lo quando voltar à urna
As diretrizes que os candidatos à Presidência da República prometem seguir durante um eventual mandato são detalhadas nos planos de governo, registrados obrigatoriamente no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A preocupação dos eleitores com esse documento é tão importante quanto a atenção aos discursos, mas de nada adianta o engajamento durante as campanhas se todas as promessas forem esquecidas nos quatro anos seguintes. A falta de vigilância dá abertura a frustrações: quando os candidatos, uma vez eleitos, se esquecem — ou deixam de lado propositalmente — os compromissos que fizeram quando tentavam angariar votos.
Um exemplo recente é o que fez o candidato ao governo de São Paulo João Doria (PSDB), que garantiu, em 2016, que não deixaria a Prefeitura da capital paulista para concorrer a outro cargo. Fez exatamente o contrário neste ano. No Palácio do Planalto, a reversão de expectativa aconteceu no segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que mudou o posicionamento quanto às políticas fiscais. Não foi muito diferente do que houve com Fernando Collor, que bloqueou o acesso dos brasileiros às suas contas bancárias, incluindo a poupança.
A partir de 2019, o eleito pode voltar a descumprir promessas, alertam especialistas. O cenário mais provável é que o nome escolhido nas urnas não consiga cumprir boa parte das promessas ou, em alguns casos, não esteja sequer disposto a executá-las. A uma semana do segundo turno, o candidato que desponta em primeiro lugar nas pesquisas, Jair Bolsonaro (PSL), tem um histórico de promessas vagas ou pouco detalhadas. A outra opção dos brasileiros, Fernando Haddad (PT), já fez mudanças no plano de governo desde o primeiro turno, o que sugere instabilidade.
Carta branca
Caso Haddad seja eleito e resolva ir contra o plano de governo e privatizar estatais como a Eletrobras, por exemplo, ele pode não ser punido criminalmente, mas com certeza sofrerá consequências políticas. Já no caso de Bolsonaro, que tem um programa com diretrizes pouco claras, essa garantia é mais difícil de ser feita, afirma a cientista política Flávia Biroli, professora da Universidade de Brasília (UnB).
Para ela, o maior problema é não saber muito bem o que o líder nas pesquisas promete. “Votar assim é dar uma carta branca ao candidato. O risco é enorme”, alerta. Fiscalizar a execução de um programa que não é detalhado é bem mais difícil. “O que dá para fiscalizar, que está no plano e ele deve fazer, é privatização”, acredita a professora. Bolsonaro também pode ser cobrado em relação à prioridade de políticas relacionadas à segurança pública, que foi o mote da campanha.
O teto de gastos públicos também é mencionado pelos dois candidatos: o capitão reformado do Exército afirma que manterá o limite. O petista diz que revogará a emenda que o instituiu. A divergência vale para a reforma trabalhista, que Haddad promete desfazer, enquanto Bolsonaro propõe, por vezes, aprofundar.
Na visão do cientista político Sérgio Praça, da Fundação Getulio Vargas (FGV), embora seja “muito complicado captar o que o Bolsonaro oficialmente quer”, os dois programas de governo são fracos. Haddad não tem divergência de discursos na chapa, mas não traz tanta consistência no documento, avalia o especialista.
Na última terça-feira, ele entregou ao TSE uma nova versão do programa de governo. É a terceira desde o pedido de registro da candidatura do PT. Retirou a proposta de uma nova assembleia constituinte e suavizou pontos relacionados a identidade de gênero e políticas contra as drogas. “Mudanças no plano de governo são mal vistas, porque quem votou no primeiro turno tinha uma expectativa, e agora ele mostra ter uma linha diferente sobre certos assuntos”, diz Praça.
“Quem se elege por meio do voto não está vinculado juridicamente às promessas de campanha”
Marcellus Ferreira Pinto, advogado especialista em direito eleitoral.