Universidade de Princeton analisou 4 cenários diferentes e, embora 2020 seja o pior ano em todos eles, tudo depende de como o vírus será administrado
Um estudo da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, tenta prever, com base em diferentes níveis de imunidade de rebanho e vacinação, como serão os próximos anos em quatro diferentes cenários da pandemia do novo coronavírus. Embora a pesquisa mostre que 2020 tem tudo para ser o pior ano em termos de infecção, os próximos cinco anos podem ser tão complicados quanto dependendo de como o vírus for administrado — mesmo assim, as projeções são mais otimistas.
Segundo a universidade, tanto a imunidade induzida por uma vacina quanto a natural serão fatores essenciais para definir como a covid-19 será no futuro e que “uma vacina que induz uma resposta imune forte pode reduzir substancialmente a infecção nos próximos anos”.
Sem uma vacina, no entanto, até 2025 teremos períodos de incerteza e altos picos de contaminação. “No curto prazo, e durante a fase de pandemia, as intervenções não-farmacêuticas, como usar máscaras e praticar o distanciamento social, serão essenciais para diminuir as infecções. No entanto, o papel da imunidade vai aumentar conforme olhamos para o futuro”, afirmou Chadi Saad-Roy, coautor do estudo, em comunicado publicado no site oficial de Princeton.
Basicamente, o que acontece é que, sem uma vacina, a população mundial está totalmente dependente de iniciativas como as citadas acima. Depois da aprovação de uma vacina, no entanto, os papéis serão invertidos e ela se tornará mais importante do que usar máscaras e praticar o distanciamento social. Mas essa não é, ainda, a situação que vivemos.
“No curto prazo, e durante a fase de pandemia, as intervenções não-farmacêuticas como usar máscaras e praticar o distanciamento social serão essenciais para diminuir as infecções”, afirma Chadi Saad-Roy, coautor do estudo
Ainda não se sabe exatamente quanto tempo dura a imunidade natural do novo coronavírus, e os cientistas levaram isso em conta na hora de estabelecer seus modelos. Os estudos publicados até o momento sobre o assunto divergem — exatamente pelo vírus ainda ser “novo”.
Uma pesquisa sobre a resposta do sistema imune em relação à covid-19 aponta que, mesmo sem a produção de anticorpos contra o vírus, um indivíduo pode produzir células capazes de destruir a doença em casos de reinfecção — os chamados linfócitos T, células reativas que ajudam o organismo na defesa de infecções.
O estudo encontrou linfócitos T “robustos” em casos de pessoas que tiveram quadros leves, graves ou assintomáticos da covid-19. Segundo os pesquisadores suecos, a memória das células do corpo humano são prováveis de “desenvolver uma proteção imune duradoura ao vírus”, mesmo quando as pessoas não produzem anticorpos contra a doença. Para chegar a essa conclusão, foram analisados os casos e amostras sanguíneas de 206 moradores da Suécia.
Outra pesquisa, feita com base em um vírus semelhante por pesquisadores de Singapura, informa que a proteção contra o vírus podem ser “lembrada” por anos pelo organismo humano. As células T, por exemplo, ainda estão ativas contra o vírus Sars (também da família coronavírus) 17 anos depois da infecção.
É exatamente por isso que, para os autores do estudo de Princeton, é preciso monitorar os níveis de imunidade populacional para o SARS-CoV-2, bem como as infecções ativas, uma vez que isso pode ajudar a entender melhor como será a incidência da doença nos próximos anos.
Entenda os quatro cenários observados
Cenário A: no primeiro cenário analisado pela universidade, sem uma imunidade duradoura e sem vacina, teremos picos de casos em todos os anos ao longo dos próximos cinco anos. Também é observado que quem não foi infectado será, apesar de a imunidade natural aumentar até 2025, mas, a partir de 2022, as infecções secundárias serão mais comuns — e ainda mais graves.
Cenário B: o segundo cenário, com uma imunidade mais duradoura, redução da gravidade de infecções secundárias e sem vacina, o pico da doença acontecerá somente em 2020, mas a curva achatará em breve. Tanto os níveis de imunidade parcial quanto os de imunidade natural serão mais altos e novas infecções tendem a desaparecer a partir de 2023.
Segundo os autores do estudo, é preciso monitorar os níveis de imunidade populacional para o SARS-CoV-2, bem como as infecções ativas
Cenário C: o terceiro cenário, com imunidade natural de curto prazo, gravidade aumentada da doença por infecções secundárias, mas com uma vacina capaz de induzir uma imunidade temporária, mostra que os casos tendem a cair nos próximos anos, com diminuição expressiva em 2025. A imunidade por vacinação aparece menos neste cenário, mas a parcial e a natural seguem em níveis altos e as infecções secundárias devem atingir um nível alto daqui a 3 ou 3,5 anos.
Cenário D: o quarto cenário é o melhor dos mundos. Com uma imunidade natural duradoura, redução da gravidade de infecções secundárias e com uma vacina capaz de induzir uma resposta imune de longo prazo, a curva de infectados não volta a subir nos próximos cinco anos e a gravidade do novo coronavírus fica em 2020 e as três imunidades (natural, parcial e por meio de vacina) atingem seus níveis mais altos em 2025.
Quão eficaz uma vacina precisa ser?
Segundo uma pesquisa publicada no jornal científico American Journal of Preventive Medicine uma vacina precisa ter 80% de eficácia para colocar um ponto final à pandemia. Para evitar que outras aconteçam, a prevenção precisa ser 70% eficaz.
Uma vacina com uma taxa de eficácia menor, de 60% a 80% pode, inclusive, reduzir a necessidade por outras medidas para evitar a transmissão do vírus, como o distanciamento social. Mas não é tão simples assim.
Isso porque a eficácia de uma vacina é diretamente proporcional a quantidade de pessoas que a tomam, ou seja, se 75% da população for vacinada, a proteção precisa ser 70% capaz de prevenir uma infecção para evitar futuras pandemias e 80% eficaz para acabar com o surto de uma doença.
As perspectivas mudam se apenas 60% das pessoas receberem a vacinação, e a eficácia precisa ser de 100% para conseguir acabar com uma pandemia que já estiver acontecendo — como a da covid-19.
Embora otimistas, projeções dependem da forma que o vírus for administrado nos próximos anos
Isso indica que a vida pode não voltar ao “normal” assim que, finalmente, uma vacina passar por todas as fases de testes clínicos e for aprovada e pode demorar até que 75% da população mundial esteja vacinada.
Os tipos de vacina disponíveis
Alguns tipos de vacinas têm sido testados para a luta contra o vírus. Uma delas é a de vírus inativado, que consiste em uma fabricação menos forte em termos de resposta imunológica, uma vez que nosso sistema imune responde melhor ao vírus ativo. Por isso, vacinas do tipo tem um tempo de duração um pouco menor do que o restante e, geralmente, uma pessoa que recebe essa proteção precisa de outras doses para se tornar realmente imune às doenças. É o caso da Vacina Tríplice (DPT), contra difteria, coqueluche e tétano. A vacina da Sinovac, por exemplo, segue esse padrão.
Outro tipo de vacina é a de Oxford, feita com base em adenovírus de chimpanzés (grupo de vírus que causam problemas respiratórios), e contendo espículas do novo coronavírus.
As outras vacinas em fases clínicas já avançadas também são baseadas em espículas, mas apresentadas em forma de RNA mensageiro, como as da Pfizer e da Moderna.
Como estão as 9 potenciais?
Sinovac Biotech: a vacina chinesa que começou os testes em fase 3 no Brasil na última segunda-feira, 20, pretende fabricar até 100 milhões de doses anuais. Por aqui, 9 mil profissionais da área da saúde receberão a vacina.
Sinopharm (Wuhan e Pequim): a vacina com base em vírus inativado, que se mostrou capaz de produzir resposta imune ao vírus, começou as fases 3 de testes neste mês nos Emirados Árabes Unidos. Cerca de 15 mil voluntários participaram do período de testes e a empresa chinesa acredita que a opção estará disponível para o público já no final do ano.
Oxford e AstraZeneca: os resultados preliminares das fases 1 e 2 da vacina com mais de mil pessoas mostraram que ela foi capaz de induzir uma resposta imune à doença. As fases dois (que ainda está ocorrendo no Reino Unido) e três de testes (acontecendo no Reino Unido, Brasil e África do Sul) devem garantir a eficácia completa dela. A opção é tida como a mais promissora pela OMS.
Moderna: a empresa americana iniciou última fase de testes de sua vacina baseada no RNA mensageiro no dia 27 de julho. O teste vai incluir 30 mil pessoas nos Estados Unidos e o governo investiu pesado: cerca de 1 bilhão de dólares para apoiar a pesquisa. A expectativa da empresa é produzir 500 milhões de doses por ano.
Pfizer e BioNTech: a vacina agora também está na fase três de testes e também usa o RNA mensageiro, que tem como objetivo produzir as proteínas antivirais no corpo do indivíduo. A expectativa é testar a vacina em aproximadamente 30.000 voluntários com idades entre 18 e 85 anos no mundo. Desse total, 1.000 serão testados no Brasil. Se tudo der certo, a expectativa é que a eficácia da vacina seja comprovada até o outubro. A empresa espera produzir até 100 milhões de doses até o fim do ano. Outras 1,3 bilhão de doses podem ser fabricadas no ano que vem.
Instituto Gamaleya: em 11 de agosto a Rússia registrou a primeira vacina do mundo contra a covid-19. A vacina russa é baseada no adenovírus humano fundido com a espícula de proteína em formato de coroa que dá nome ao coronavírus e é por meio dessa espícula de proteína que o vírus se prende às células humanas e injeta seu material genético para se replicar até causar a apoptose, a morte celular, e, então, partir para a próxima vítima. Na última segunda-feira, 31, o país anunciou que o primeiro lote de sua vacina, a “Sputnik V”, estará disponível já neste mês.
CanSino: a vacina chinesa usa um vírus inofensivo do resfriado conhecido como adenovírus de tipo 5 (Ad5) para transportar material genético do coronavírus para o corpo e, segundo a companhia, conseguiu induzir uma resposta imune nos indivíduos que foram testados. No começo de agosto, a China concedeu a primeira patente da vacina.
Pesquisa aponta que uma vacina precisa ter 80% de eficácia para colocar um ponto final à pandemia
Janssen Pharmaceutical Companies: a vacina, em parceria com a gigante Johnson&Johnson, será “produzida em larga escala”, segundo as empresas, e conseguiu induzir imunidade robusta em testes pré-clínicos. O plano da Janssen é produzir até 1 bilhão de doses que serão distribuídas mundialmente em 2021, após a aprovação. A tecnologia usada para a produção dela é a mesma utilizada no desenvolvimento da vacina da Ebola, que inclui o uso do vírus inativado da gripe comum, incapaz de ser replicado.
Quais são as fases de uma vacina?
Para uma vacina ou medicação ser aprovada e distribuída, ela precisa passar por três fases de testes. A fase 1 é a inicial, quando as empresas tentam comprovar a segurança de seus medicamentos em seres humanos; a segunda é a fase que tenta estabelecer que a vacina ou o remédio produz, sim, imunidade contra um vírus, já a fase 3 é a última fase do estudo e tenta demonstrar a eficácia da droga.
Uma vacina é finalmente disponibilizada para a população quando essa fase é finalizada e a proteção recebe um registro sanitário. Por fim, na fase 4, a vacina ou o remédio é disponibilizado para a população.
Com isso, as medidas de proteção, como o uso de máscaras, e o distanciamento social ainda precisam ser mantidas. A verdadeira comemoração sobre a criação de uma vacina deve ficar para o futuro, quando soubermos que a imunidade protetora realmente é desenvolvida após a aplicação de uma vacina. Até o momento, nenhuma situação do tipo aconteceu.