Documentos foram apreendidos na sede do orfanato, na Zona Norte de SP.
Procuradoria diz que casal intermediou pelo menos quatro adoções ilegais
O Ministério Público Federal (MPF) apura novos casos de crianças que teriam sido traficadas ao exterior e adotadas ilegalmente por intermédio de um casal que administrava um orfanato na Zona Norte de São Paulo. Na sexta-feira (10), a Justiça Federal expediu mandados de busca e apreensão na sede do extinto orfanato “Lar da Criança Menino Jesus” e na casa dos dirigentes do local. Os documentos podem revelar outros casos de tráfico ilegal de crianças.
Segundo informações divulgadas pelo MPF nesta segunda-feira (13), a Polícia Federal (PF) cumpriu os mandados de busca e apreensão na sexta-feira, mas o conteúdo do material apreendido não foi divulgado. O casal Guiomar e Franco Morselli é réu em ação civil pública da Procuradoria e acusado de ter enviado crianças brasileiras ao exterior para adoção ilegal.
A ação do MPF pede que os réus sejam condenados a indenizar os danos materiais e morais ocasionados às pessoas que, quando crianças, foram enviadas ilegalmente ao exterior pelo casal, incluindo as que venham a ser descobertas durante o processo.
Embora exista somente a confirmação de que quatro crianças foram levadas ao exterior pelo casal, as informações coletadas pelo MPF e pela Polícia Federal indicam que a prática era recorrente. Uma das mulheres cujo filho foi entregue a estrangeiros informou à PF que Guiomar acolhia mães solteiras em seu orfanato e depois entregava as crianças a terceiros.
O Ministério Público Federal solicitou ainda o pagamento de indenização por danos morais coletivos “tendo em vista que a prática ilícita adotada pelos dirigentes do orfanato pode ter manchado a credibilidade e reputação do país e dos brasileiros no exterior”, diz a nota da Procuradoria.
Tráfico internacional de crianças
Segundo o inquérito instaurado no ano passado pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) em São Paulo, o casal Guiomar e Franco Morselli se aproveitaram da condição de dirigentes do orfanato para praticar tráfico internacional de crianças com o intuito de promover adoções clandestinas.
Ainda segundo o Ministério Público Federal, em 1987, o casal foi responsável por entregar a menina Charlotte Cohen-Tenoudji, hoje com 27 anos, a um casal francês. Na época, os réus viajaram para a França levando também o suposto irmão gêmeo de Charlotte, que foi entregue a outra mãe adotiva. No mesmo ano, dois meninos, também supostamente gêmeos, foram levados a Paris e adotados por casais estrangeiros.
A Procuradoria afirma que os registros de nascimento das crianças abrigadas no orfanato, em geral, eram falsificados. As genitoras eram mulheres que trabalhavam na instituição. Como testemunhas dos documentos figuravam funcionários, voluntários do orfanato e às vezes a própria ré, Guiomar Morselli.
A existência de irmãos gêmeos era igualmente forjada, segundo apontou os procuradores. No caso de Charlotte, a suposta mãe biológica da criança confessou ter declarado ser a genitora por pressão da patroa, de acordo com o MPF. As investigações mostram ainda que os réus receberam o equivalente a R$ 100 mil pela adoção da menina.
Segundo o Ministério Público Federal, a conduta do casal configurou “tráfico de pessoas” por recorrer à situação de vulnerabilidade e à aceitação de pagamentos para recrutar, alojar, transportar e transferir ascrianças do orfanato. Os procuradores também afirmam que o casal atentou contra a Constituição Federal por submeter as crianças traficadas a tratamento indigno e degradante e por privá-las de conhecerem suas origens biológicas.
No caso da menina Charlotte, os pais adotivos mostraram-se desestruturados e agressivos, sujeitando-a a maus-tratos psicológicos e, de acordo com o MPF, As adoções clandestinas resultaram em prejuízos morais e materiais tanto para ela quanto para outras crianças vítimas das ilegalidades cometidas pelo casal.