Mais 19 pessoas foram denunciadas, entre elas o ex-tesoureiro Vaccari. Político é suspeito de integrar organização que fraudava crédito consignado.
O Ministério Público Federal em São Paulo denunciou o ex-ministro Paulo Bernardo e mais 19 pessoas acusadas de montar organização criminosa no Ministério do Planejamento, entre 2009 e 2015. O grupo, segundo o MPF, era responsável por lavagem de dinheiro e pagamento de propinas para o PT e agentes públicos e privados que superam R$ 100 milhões.
Bernardo e mais 21 pessoas haviam sido indiciadas pela Polícia Federal no esquema, desarticulado na Operação Custo Brasil em 23 de junho, um desdobramento das fases 17 e 18 da Lava Jato. O ex-ministro foi denunciado por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e integrar organização criminosa.
De sexta-feira (29) a segunda-feira (1º), o MPF ofereceu três denúncias. Na primeira, que trata do contrato fraudulento da empresa Consist no Ministério do Planejamento, 13 pessoas foram denunciadas, entre elas Paulo Bernardo e João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT. Todas respondem por integrar organização criminosa, corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e obstrução da investigação
Em nota, a defesa do ex-ministro informou que “Paulo Bernardo não teve qualquer envolvimento com os fatos na denúncia. O acordo de cooperação técnica foi celebrado autonomamente entre a Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento e as associações privadas. Não houve qualquer benefício, direto ou indireto, a Paulo Bernardo decorrente desse acordo. Acredito que isso ficará claro ao final do processo”, afirmou o advogado Rodrigo Mudrovitsch.
Na segunda denúncia, colaboradores eventuais e funcionários de Paulo Bernardo foram denunciados por lavagem de dinheiro.
“Paulo Bernardo tem ciência de tudo no esquema, ele nomeia as pessoas chaves para os cargos e ele tem ciência de tudo e participa ativamente nos bastidores, ele não aparece formalmente, mas tomava as decisões”, disse o procurador Andrey Borges de Mendonça.
Na terceira denúncia, aparece o fundador da Consist, que foi denunciado por organização criminosa, corrupção ativa e lavagem de dinheiro. “O Ministério Público tem a perspectiva que as denúncias sejam recebidas e que até o fim do ano tenhamos as sentenças condenatórias em relação à Operação Custo Brasil”, diz o procurador Rodrigo de Grandis.
A Consist, por meio de nota, informou que “sempre colaborou e continuará colaborando com a Justiça Federal e com os órgãos de investigação e considerando que o processo corre em segredo de justiça nada tem a declarar”.
Custo Brasil
A Operação Custo Brasil foi deflagrada em 23 de junho para apurar o pagamento de propina a pessoas ligadas a funcionários públicos e agentes públicos ligados ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), relacionado a contratos de prestação de serviços de informática, entre os anos de 2010 e 2015.
Paulo Bernardo, que foi ministro do Planejamento do governo Lula e das Comunicações no primeiro governo Dilma Rousseff, é suspeito de integrar uma organização formada para fraudar um serviço de gestão de crédito consignado a funcionários públicos.
A advogada de Bernardo, Verônica Sterman, disse na ocasião do indiciamento que não teve acesso aos documentos sobre o caso, mas divulgou nota reiterando a inocência de seu cliente.
“O ex-ministro Paulo Bernardo reitera que não participou ou teve qualquer ingerência na celebração ou manutenção do acordo de cooperação técnica celebrado autonomamente entre a Secretaria de Recursos Humanos do MPOG e as associações de Bancos e Previdência (ABBC e SINAPP). Também reitera que não recebeu qualquer quantia da Consist, direta ou indiretamente”, diz a nota.
Preso no dia 23 de junho, Bernardo foi solto no dia 29, após decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal. Ele prestou depoimento no último dia 19.
Como funcionava o esquema
A empresa contratada para o serviço, o Grupo Consist, cobrava mais do que deveria e repassava 70% do seu faturamento para o PT e para políticos. A propina paga entre 2009 e 2015 teria chegado a cerca de R$ 100 milhões.
O núcleo de Paulo Bernardo recebeu R$ 7 milhões, segundo o MPF. Para a procuradoria, Paulo Bernardo sabia de tudo, só não aparecia formalmente porque era uma pessoa pública visada.
“Os pagamentos começam em 2010 (aos parceiros do contrato da Consist com o Ministério do Planejamento e agentes políticos) e só cessam com a operação Pixuleco em 2015. Os valores foram continuamente pagos”, disse o procurador Andrey.
Os pagamentos a Bernardo ocorriam por meio do advogado Guilherme Gonçalves, que tinha um chamado “fundo Consist”. As despesas de Paulo Bernardo eram pagas por três contas bancárias de Guilherme Gonçalves, disse o procurador.
“Em cinco anos fica [Guilherme Gonçalves] colocando nas planilhas aparecendo ‘PB’, pagamentos ‘PB’. Tudo isso é vantagem indevida que o Paulo Bernardo recebeu por meio do acordo para a manutenção da Consist no Ministério do Planejamento”, disse Andrey. Por e-mail, Gonçalves afirmou “que não procedem as acusações feitas pelo Ministério Público e seguiremos nos manifestabdo apenas nos autos”.
A PF conseguiu provar pelo menos R$ 500 mil pagos orientados pelo advogado para funcionários de Paulo Bernardo.
Em junho, o PT divulgou uma nota à imprensa sobre a “Operação Custo Brasil”, em que a sede do partido foi alvo de um mandado de busca. Na ocasião, o partido afirmou que “a respeito das acusações assacadas contra filiados do partido, é preciso que lhes sejam assegurados o amplo direito de defesa e o princípio da presunção de inocência. O PT, que nada tem a esconder, sempre esteve e está à disposição das autoridades para quaisquer esclarecimentos”.
PMDB
O MPF investiga se uma das empresas parceiras do esquema, à Consucred, recebia valores que eram repassados ao PMDB. Segundo o procurador Andrey Borges de Mendonça, “a Consucred recebeu R$ 34 milhões da Consist (no esquema) e não tem estrutura para receber isso, ela que trouxe a Consist para o Ministério do Planejamento”. Segundo o procurador, dos 70% do faturamento da Consist que eram repassados de propina a empresas e políticos, 24,88% eram direcionados à Consucred. Há e-mails da Consucred citando o PMDB, sem citar nenhuma pessoa específica.
“As evidências apontam em diversos momentos que esta empresa representava o PMDB, pessoas do PMDB, que eram chamados de ‘pernambucanos’. Até o momento as evidências não são concretas, mas há informações neste sentido de quem são estas pessoas. As investigações continuam para tentarmos informações neste sentido”, disse Andrey.
Liberdade
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), atendeu no dia 29 de junho o pedido do ex-ministro Paulo Bernardo e revogou a prisão dele, mas recusou outra solicitação da defesa do petista para que o caso fosse enviado da Justiça Federal de São Paulo para a Suprema Corte.
Apesar de a decisão de Toffoli apenas ser destinada a Bernardo, o juiz da primeira instância que determinou a liberação concedeu a liberdade aos outros sete investigados. “Ressalto que deixo de determinar outras medidas cautelares para o investigado João Vaccari pelo fato de já estar preso por outro Juízo”, disse o juiz Paulo Bueno de Azevedo, da 6ª Vara Federal de São Paulo.
Defesa de Paulo Bernardo
Após ser divulgado o despacho de Toffoli, os advogados do petista afirmaram, por meio de nota, que a decisão do Supremo mostra que a ordem de prisão tinha “motivos genéricos e que não havia requisitos legais para a detenção”.
“A decisão do ministro Dias Toffoli, acolhendo pedido da defesa técnica, desconstruiu todos os fundamentos da prisão de Paulo Bernardo. Deixou claro que os fundamentos eram genéricos e que os requisitos legais e constitucionais não estavam presentes”, observaram os defensores.
No despacho no qual determinou a soltura de Paulo Bernardo, Toffoli afirmou que houve um “flagrante constrangimento ilegal” na prisão do ex-ministro. Na visão do magistrado, a decisão do juiz federal de primeira instância de mandar prender o petista se baseia, “de modo frágil”, na conclusão pessoal de que, em razão de ser ex-ministro e ter ligação com outros investigados e com a empresa suspeita de ter cometido as irregularidades, Paulo Bernardo “poderia interferir na produção de provas”.
Toffoli ressaltou na decisão que o magistrado da Justiça Federal de São Paulo não indicou no mandado de prisão “um único elemento fático concreto que pudesse amparar essa ilação”.
“Vislumbro, na espécie, flagrante constrangimento ilegal passível de ser reparado mediante a concessão de habeas corpus de ofício”, destacou o ministro do STF em trecho da decisão.
“A prisão preventiva para garantia da ordem pública seria cabível, em tese, caso houvesse demonstração de que o reclamante estaria transferindo recursos para o exterior, conduta que implicaria em risco concreto da prática de novos crimes de lavagem de ativos. Disso, todavia, por ora, não há notícia”, complementou Toffoli.
Na ocasião da prisão, a defesa de Vaccari não quis se pronunciar.