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segunda-feira, 23/12/24
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No Peru, a eleição da desconfiança — e que ninguém consegue vencer

Peru tem sido marcado pelas cicatrizes de esquemas de corrupção (muitos ainda da era Odebrecht) e impeachments seguidos. O país vai às urnas neste domingo

Yonhy Lescano em carreata: o congressista de centro-direita lidera, mas com só 10% dos votos (Sebastian Castaneda/Reuters)

É difícil imaginar outro país em que as marcas da Lava-Jato tenham sido tão profundas quanto no Brasil. Mas os peruanos, que vão às urnas neste domingo, 11, podem discordar. Com todos os ex-presidentes recentes tendo sido presos ou processados por esquemas de corrupção, a maioria envolvendo negócios ainda relativos à Odebrecht, o país andino vive uma crise de confiança política quase sem precedentes.

Nas eleições deste fim de semana, o Peru escolhe presidente e 130 congressistas para o Legislativo. Só para o posto presidencial, há na urna nada menos do que 18 candidatos. Mas nenhum deles tem mais de 15% dos votos válidos.

Enquanto isso, o número de eleitores que diz não saber em quem votar passa de 30%. Sem um favorito claro, a disputa é uma incógnita. Estima-se que até seis candidatos tenham chance de ir ao segundo turno, em 6 de junho.

Em uma eleição recheada de candidatos tentando se vender como outsiders da política, os que lideram no pleito atual não tiveram cargo Executivo de destaque nos últimos anos. Quem lidera é o congressista de centro-direita Yonhy Lescano, mas com somente 10% dos votos na pesquisa Ipsos/El Comercio. Lescano se apresenta como um candidato que não se envolveu com as elites políticas (ele ficou quase uma década no Congresso sem partido) e promete, como todos, medidas anticorrupção.

Atrás dele, estão empatados a jovem ex-congressista e psicóloga Verónika Mendoza (9%), de esquerda, e o economista Hernando de Soto (9%), de direita.

Logo atrás, com cerca de 8%, há ainda nomes como a já conhecida direitista Keiko Fujimori (filha do ex-ditador Alberto Fujimori e também envolvida em escândalos de corrupção) e o ex-goleiro de futebol George Forsyth, de centro-direita.

Uma das promessas desta eleição há um ano era o militar aposentado Daniel Urresti que lançou mão de um discurso autoritário e promessas contra a corrupção, conseguindo se tornar o mais votado no último Congresso. No entanto, o mal desempenho como parlamentar praticamente minou suas chances na eleição. Na extrema-direita, outro nome com chances de ir ao segundo turno é o milionário Rafael López Aliaga, empresário e que promete combater o que chama de “a nova ordem marxista”.

Em ordem, candidatos à presidência do Peru: a psicóloga Verónika Mendoza (de esquerda), o economista Hernando de Soto (direita), o ex-goleiro e ex-prefeito George Forsyth (centro-direita), o atual líder nas pesquisas, Yonhy Lescano (centro-direita), a congressista Keiko Fujimori (direita) e o empresário Rafael López Aliaga (extrema-direita) (Sebastián Castañeda and Ángela Ponce/Montagem/Reuters)

A eleição acontece ainda em meio a uma pandemia na qual o Peru viveu momentos trágicos. Devido a um começo desastroso no ano passado, o país de 33 milhões de habitantes é até hoje o com mais mortos por milhão na América Latina e o 17º no mundo (o Brasil é o 18º, segundo o portal Worldometers).

A segunda onda do coronavírus que já assola a América do Sul é ainda uma preocupação crescente, com o Peru tendo vacinado menos de 3% da população até agora.

Dança das cadeiras

A pandemia foi a gota d’água na já complexa crise peruana. Nos últimos quatro anos, o Peru teve quatro presidentes diferentes. O último eleito, o banqueiro de direita Pedro Pablo Kuczynski, venceu em 2016 prometendo reformas liberais. Terminou renunciando em 2018 após se envolver com escândalos de corrupção da Odebrecht e foi preso meses depois.

Desde então, uma montanha russa se seguiu. Após PPK, assumiu seu vice, Martín Vizcarra. Embora analistas apontem que o ex-presidente conseguiu alguns avanços no combate à corrupção – e muita briga com o Congresso -, Vizcarra terminou ele próprio sendo alvo de dois processos de impeachment por corrupção e “incapacidade moral”, o último deles bem-sucedido, em novembro. (Após sua saída, eclodiu ainda novo escândalo, em que se descobriu que o ex-presidente e membros do governo tomaram vacina contra o coronavírus às escondidas.)

Os protestos têm acontecido desde o dia 9 deste mês, quando o então presidente, Martín Vizcarra, sofreu impeachment por parte do congresso peruano.
Protestos no Peru em novembro passado: mesmo os que não apoiavam Vizcarra foram às ruas contra Manuel Merino e o Congresso (ERNESTO BENAVIDES/Getty Images)

O impeachment, no entanto, foi mal recebido por parte da população. Manuel Merino, então presidente do Congresso e maior defensor do impedimento, assumiu na sequência, mas durou somente dias no cargo em meio a protestos que chegaram a deixar mortos e feridos nas ruas de Lima. Por fim, o atual presidente, Francisco Sagasti, de centro, terminou escolhido presidente por votação no Congresso, mas não se candidatou à presidência nas eleições deste mês.

Em artigo em espanhol para o jornal americano The Washington Post, o jornalista e analista político Jonathan Castro classificou o cenário político no Peru como um enredo de Game of Thrones, a série sobre reis e rainhas num mundo medieval fictício. Com todos os caciques da política expulsos do ringue nos últimos anos, a política do Peru tem sido tão sangrenta quanto um enredo de George R. R. Martin.

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