Podemos ter a segurança que o futuro não será linear e que nem os fatores que hoje olhamos como vencedores o serão de fato amanhã
Chegar ao final de ano motiva vários artigos com balanços, previsões e outros exercícios semelhantes. E mais ainda quando terminamos uma década e iniciamos outra. Proponho contudo olhar para trás para um período em muitas coisas semelhante ao que vivemos. Para isso temos de recuar um pouco mais de um século, para a primeira década do século 20. Uma época de globalização. De grandes mudanças tecnológicas com o telégrafo, a eletricidade e o carro, entre outras, a produzirem grandes impactos na sociedade.
Um período também de intensa polarização política que precederia a era do mass politics que iria ocorrer nas décadas seguintes e que tantas tragédias iria originar. De um capitalismo que produzia pela primeira vez personagens à escala global como Carnegie, J.P. Morgan entre outros mas que sofria com a emergência da temática da desigualdade. Uma ordem internacional sendo posta em causa com ocaso de uma potência outrora hegemônica, o Reino Unido, e o surgimento de outras nações querendo ocupar um lugar de destaque no plano global dando lugar a um mundo multipolar.
Este olhar para o passado é útil para nos fazer recordar que muitos dos desafios e mudanças que achamos únicos quando os vivemos na verdade não o são. Como diria Mark Twain, “a história não se repete, mas rima”.
Algo também continua imutável neste século que nos separa é o fascínio pela tecnologia e pelo progresso. Os nossos antepassados do início do século 20 imaginavam um mundo dominado por máquinas. De alguma forma, o nosso, vai tornando elas cada vez mais secundárias ao ponto de apelidarmos hoje a informação como o “novo petróleo” e ser o conteúdo e não o hardware onde a maior parte do valor se concentra. E com leilão da 5G no próximo ano, inclusive no nosso país, ela vai começar a circular num pipeline de grande capacidade.
Começamos por isso a nova década sob signo de uma virtualização sem fim da realidade na ponta dos nossos dedos. Muito capital e investimento aposta nesse caminho. Mas tal como no passado, o nosso futuro pode se dirigir por caminhos que hoje não antevemos. As máquinas não dominaram o mundo. A internet não tornou por si o mundo mais informado, nem mesmo uma só aldeia global. O celular há 10 anos apenas enviava SMS e e-mail e o computador parecia que iria reinar sem concorrência como nexo fulcral das novas tecnologias. E no plano global e das nações temos muitos fatores que podem perturbar o que parece um inexorável render da guarda entre China e Estados Unidos.
Cresce também em muitos países uma nova forma de olhar a regulação da internet e o poder de mercado de muitos gigantes do setor. A reação de vários governos à criação da Libra, a criptomoeda do Facebook foi disso um exemplo. Por outro lado, uma das promessas do blockchain é fazer retornar a posse da informação das empresas para os usuários e esta por isso pode ser a década onde o preço da informação de cada um nós venha conhecer uma significativa inflação de custo alterando a base do modelo de negócio de muitas empresas.
Prefiro olhar para esta década que inicia como um jogo de forças opostas que se vão digladiar e que irão moldar o futuro. Globalização versus fragmentação da economia global, preservação versus uso de recursos dominado pelo tema das mudanças climáticas e experiência versus produto em todo o domínio das novas tecnologias apenas para citar alguns dos principais.
Podemos ter a segurança que o futuro não será linear e que nem os fatores que hoje olhamos como vencedores o serão de fato amanhã. Para quem lida com investimento, que é na essência a troca do presente pelo futuro, serão tempos exigentes. Que seja bem vinda, pois, a terceira década do século 21!