Já faz muito tempo que se discute os caminhos legais ou ilegais para se substituir os ministros do Supremo
O Brasil, provavelmente, é o único país do mundo no qual boa parte de sua população sabe de cor o nome dos integrantes do Supremo Tribunal Federal. Peça ao americano médio para dizer o nome de pelo menos dois dos nove “justices” (como são conhecidos os ministros de lá) da Suprema Corte. Se obtiver a resposta correta para um, dê-se por satisfeito. Isso vai se repetir na maioria dos países do globo – menos por aqui. Os brasileiros conhecem todos os membros do STF e debatem freneticamente sobre sua atuação, criticando em boa parte das vezes decisões monocráticas ou colegiadas.
Temos no Supremo juízes escolhidos por Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff, Michel Temer e até Jair Bolsonaro. Mesmo vindos de matizes políticas diferentes, todos os magistrados são frequentemente repreendidos pela sociedade e por motivos variados. As queixas surgem principalmente da judicialização de vários temas, alguns dos quais passam desnecessariamente pelo crivo dos ministros da Alta Corte.
Os juízes do STF deveriam ser guardiões da Lei e da Constituição. Esses membros do Supremo, evidentemente, não têm de jogar para a torcida. Ao mesmo tempo, a lei não é exatamente justa em certas situações. Por isso, é de se esperar que algumas decisões causem controvérsia. Mas, convenhamos, isso ocorre com uma frequência no Brasil maior do que nas outras nações – talvez porque, em algumas vezes, vemos interpretações esdrúxulas da lei, que levam perplexidade aos observadores jurídicos.
Já faz muito tempo que se discute os caminhos legais ou ilegais para se substituir os ministros do Supremo. Um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, inclusive, sugeriu utilizar os préstimos de um cabo e dois soldados para fechar a instituição. Neste caso, é preciso ressaltar que – concorde-se ou não – toda a democracia que se preze precisa ter um Poder Judiciário independente e forte, o mesmo valendo para o Legislativo.
Qual seria, então, o caminho para o impeachment de um ministro do STF? O assunto voltou ontem à baila quando se tornou pública a conversa entre o presidente e o senador Jorge Kajuru, durante a qual o parlamentou afirmou que iria pedir o impedimento do ministro Alexandre de Moraes.
O tema é regido pela lei de número 1.079, promulgada em 1950, durante o final do governo de Eurico Gaspar Dutra e na esteira da Constituição de 1946. O artigo 39 lista cinco possibilidades para que um ministro do STF seja acusado de crime de responsabilidade pelo Senado.
A primeira é a alteração (exceto através de recurso) de uma decisão ou voto já proferido em sessão do tribunal. Em tese, assim, a ministra Cármen Lúcia poderia sofrer um processo por ter mudado o seu voto de 2018, quando afirmara que o ex-juiz Sergio Moro era imparcial (a deputada estadual Janaína Paschoal, por sinal, insistiu nessa tese durante algum tempo). Em março, como se sabe, a ministra se declarou pela parcialidade do ex-ministro da Justiça.
Ocorre que a sessão de 2018 foi suspensa, por conta de um pedido de vista, e se arrastou até março. Nesta retomada, a ministra resolveu mudar o voto. Teoricamente falando, assim, essa troca se deu durante a mesma sessão, que teve continuação quase três anos depois, e não ao seu final. Por isso, há especialistas que julgam ser impossível a acusação de crime de responsabilidade, uma vez que o placar não tinha sido fechado e ainda estava aberto à influência do colegiado. Mas não há exatamente consenso sobre a questão.
Imagine o caso em que a sessão retorne depois de muito tempo (há sessões sobre assuntos tributários paralisadas por seis anos, por exemplo), período no qual um determinado juiz se aposentou. Neste caso, vale a decisão do aposentado. O novo titular não pode reverter o sufrágio de seu antecessor.
A segunda razão ocorre quando um juiz profere um julgamento, quando, por lei, é suspeito na causa. A terceira: exercer atividade político-partidária. Em seguida, ser negligente no cumprimento dos deveres do cargo. Por fim, proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções.
Esses últimos artigos abrem a discussão de uma forma interminável.
O jurista Modesto Carvalhosa, por exemplo, já pediu o impeachment de Dias Toffoli e Gilmar Mendes com base no segundo tópico. Gilmar no caso do empresário Jacob Barata Filho (ele foi padrinho de casamento da filha do acusado) e Toffoli em processos envolvendo petistas, quando ele foi, anteriormente, advogado do Partido dos Trabalhadores.
Os dois últimos quesitos, no entanto, podem abrigar qualquer tipo de acusação. Ou seja, isso transforma a decisão de impedir os juízes do Supremo uma decisão muito mais política do que técnica – e que, do jeito que estão hoje a legislação e o regimento interno das casas parlamentares, o único que pode aceitar a instauração de um processo desses é o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, talvez o mineiro mais conciliador que se tem notícia na política nacional desde Tancredo Neves.
As chances de Pacheco aceitar de vontade própria um pedido de impeachment dos ministros do Supremo? Menores que as de Bolsonaro virar comunista.