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segunda-feira, 23/12/24
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Opinião: Vacina para todo o mundo, custe o que custar

Enquanto se atropelam para vacinar as próprias populações, democracias ocidentais esquecem as necessidades dos países mais pobres. Uma falta de solidariedade que poderá ter graves consequências, opina Ilona Kickbusch.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) apelou a todas nações para que primeiro vacinem seu pessoal sanitário e grupos populacionais mais vulneráveis, e em seguida disponibilizem doses a outros países para que estes possam fazer o mesmo.

Porém a parte rica do mundo ainda não aceitou inteiramente quão séria é a pandemia de covid-19, e que enorme impacto global ela terá sobre os aspectos de saúde, econômicos, sociais e geopolíticos.

Os imunizantes contra o novo coronavírus se tornaram símbolo de “ter a nossa vida de volta”, e líderes políticos das democracias ocidentais se sentem pressionados a adotar um “nacionalismo da vacina” e prometer vacinação quase total a suas populações. Enquanto isso, 130 países ainda não aplicaram sequer uma única dose.

Os cidadãos dos países abastados se atropelam para receber suas doses, e exigem “passaportes de vacina”, permitindo-lhes participar de uma rica vida social e cultural. Alguns querem até poder escolher qual imunizante receberão. Enquanto isso, só neste mês algumas nações da África Subsaariana podem começar a vacinar, e seus funcionários de saúde estão morrendo enquanto tratam dos doentes sob as condições mais penosas.

Insuficiente e atrasado?

Talvez tenha tido algum impacto a advertência do diretor geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, de que “o mundo está à beira de um catastrófico fracasso moral”. Finalmente, um ano depois de a organização declarar uma Emergência de Saúde Pública de Âmbito Internacional, os países-membros do G7 concederam apoio financeiro ao Acelerador de Acesso às Ferramentas contra Covid-19 (ACT-A, na sigla em inglês). Esse mecanismo de solidariedade global inclui a Covax, a aliança criada para garantir equidade no acesso aos imunizantes.

No entanto, é possível que a iniciativa, além de não ser suficiente, esteja chegando tarde demais. Em meados de fevereiro, os Estados Unidos, Alemanha, Comissão Europeia, Japão e Canadá se comprometeram a fornecer mais de US$ 4,3 bilhões em novos investimentos. Isso eleva para US$ 10,3 bilhões o total dedicado a ACT-A, mas ainda ficam faltando US$ 22,9 bilhões para o financiamento em 2021.

A Câmara Internacional de Comércio calculou que a economia global poderá perder até US$ 9,2 trilhões, caso os governos não assegurem o acesso às vacinas de covid-19 para os países pobres. Por que, diante de uma crise global, o mundo rico não é capaz de oferecer uma quantia relativamente módica?

Não há mais em quem botar a culpa

Mesmo quem não esteja interessado em solidariedade, talvez queira considerar as sequelas geopolíticas. Apesar de suas próprias necessidades internas, a China, Rússia e Índia já estão fornecendo vacinas rapidamente e a preços baixos, ou mesmo grátis, para países com que desejam estreitar relações. Essa “diplomacia da vacina” chega até o centro da Europa e mais além: manchetes da imprensa sérvia proclamam que “[presidente Aleksandar] Vučić, Putin e Xi Jinping estão salvando a Sérvia”.

A Índia tem enviado doses de graça para o Nepal, Bangladesh, Mianmar, Sri Lanka, Afeganistão e as repúblicas insulares das Maldivas e Seychelles. O ministro indiano do Exterior, Subrahmanyam Jaishankar, denomina a estratégia “Acting East. Acting fast” (Agir no Oriente, agir rápido). A China está ativa ao longo de sua vasta “Rota da Seda de Saúde”.

Em reação, o presidente da França, Emmanuel Macron, instou a Europa e os EUA a urgentemente alocarem 5% de seus atuais estoques de vacina a países onde Pequim e Moscou estão preenchendo a lacuna.

Em 2020, a resposta global à covid-19 foi imensamente travada pela presidência americana anterior. Mas agora não há ninguém para culpar, se as democracias ocidentais não reagirem energicamente à iniquidade nas vacinações. Haveria uma mudança na trajetória da pandemia, na democracia e na geopolítica, se o G7 adotasse um princípio da crise financeira: “Custe o que custar!”

Ilona Kickbusch é diretora fundadora e presidente do Centro de Saúde Global do Instituto de Graduação em Estudos Internacionais e de Desenvolvimento, em Genebra. O texto reflete a opinião pessoal da autora

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