Um número crescente de espaços não formais tem aparecido nos últimos dois anos na capital e fazem parte de um novo movimento de rejeição ao tradicional
São Paulo – Não tem hora certa para brincar lá fora ou para a roda da história. Crianças pequenas de idades variadas, entre 1 e 6 anos, estão espalhadas pelos ambientes que lembram uma escola. Algumas sobem em pedaços de madeira, outras fazem bolo de areia, se penduram em cordas ou folheiam livros.
Também não há salas de aula nem professor, apesar de ter adultos no espaço. Cada um dos pequenos se ocupa com o que quer se ocupar.
Um número crescente de espaços não formais de educação infantil tem aparecido nos últimos dois anos em São Paulo. Fazem parte de um novo movimento de rejeição às escolas para crianças menores de 6 anos.
Não se tratam de lugares para brincar antes ou depois do período escolar. As crianças não frequentam a escola e ficam nesses locais diariamente – apesar de algumas terem mais de 4 anos, idade em que a matrícula é obrigatória por lei. As mensalidades vão de R$ 900 a R$ 2 mil.
A tendência tem ligação com o conceito chamado de desescolarização ou unschooling, cunhado nos anos 70 nos Estados Unidos para definir um aprendizado que se dá pelas experiências naturais da vida. A ideia principal nas instituições é de que as crianças se desenvolvem com base nas suas próprias necessidades, interesses, vontades e curiosidades.
Ou seja, acredita-se que elas aprendam principalmente exercendo a autonomia. E não a partir do que o adulto considera ideal para elas. O conceito é criticado por especialistas que dizem que, para aprender a viver em sociedade, a criança não pode escolher sempre.
A expressão mais repetida nas cinco instituições visitadas ou consultadas pela reportagem foi “livre brincar”. “Se a criança passou a manhã inteira cavando na areia, confio que o corpo dela precisa desse movimento. Não vou chamá-la e dizer ‘vem pintar’”, afirma uma das proprietárias da Aldeia das Crianças, a pedagoga Isabela Meirelles Tavares, de 34 anos.
Ex-professora de escolas de classe alta, ela abriu o espaço com uma sócia há 1,5 ano. Sem fazer qualquer tipo de propaganda, nem sequer pôr nome na porta, hoje já recebem 25 crianças, e procuram uma casa maior por causa da demanda.
A Aldeia das Crianças funciona no último andar de um prédio de coworking em Pinheiros. Crianças de 1 a 6 anos se revezam entre o tanque de areia, uma barraca de camping, escorregador e espaços internos. A única atividade programada é o lanche.
“A gente tem uma crença na inteligência da criança. Costumo dizer que uma criança se alfabetiza mesmo que você não queira. Vivemos num ambiente letrado”, afirma Anahi Asa, de 39 anos, formada em dança e teatro e que coordena o Ori Mirim, uma casa de três andares na Pompeia. Lá estão cerca de 30 crianças, filhas de músicos, designers e intelectuais, que pagam R$ 1.650 mensais.
Helena, filha da psicóloga Mariana Pucci, tem 5 anos e nunca esteve numa escola regular. “O modelo está estagnado. As escolas têm um olhar que reduz a criança e quer encaixá-la num padrão”, diz.
A menina e os colegas descem tranquilos as duas íngremes escadarias que dividem os ambientes no Ori Mirim. Um deles lembra uma coxia de teatro, com cortinas e cordas penduradas no teto.
O outro tem mesas baixas, brinquedos de madeira e um pátio arborizado, em que as crianças fazem até marcenaria. Mariana não sabe quando e se a filha vai frequentar a escola.
Quem fica com as crianças é chamado de educador, mas há todo tipo de formação: artista, geógrafo, arquiteto. Algumas instituições têm pedagogos ou estudantes de Pedagogia, mas não é regra.
“Como é um outro conceito de educação, a formação passa a ser irrelevante. Cada pessoa tem o seu saber”, diz a pesquisadora Carla Ferro, que assessora muitas das novas instituições. Para ela, está surgindo uma nova perspectiva para aprender. “O que importa não é o currículo escolar e, sim, conviver.”
A função do adulto é a de observar e ajudar as crianças em suas vontades. Se ela se interessa por um livro, o educador lê a história. Também pode convidar para brincar de massinha, por exemplo, mas só convidar. E encarar bem a recusa. Nenhuma atividade em grupo é obrigatória. Também não há rotina preestabelecida.
“A escola virou o lugar de aprender o que é imposto pra você. Mas eu quero saber: quem é a Pietra, o que ela realmente gosta?”, diz a publicitária Stela Massarelli. A filha de 4 anos, Pietra, frequenta o Ori Mirim.
Comunidade
A participação ativa dos pais também é uma marca dos novos espaços. Em alguns, eles chegam a trabalhar como educadores uma vez por semana. Apesar de pagar pelo serviço, são sempre responsáveis por cozinhar ou comprar o lanche dado a todas as crianças, num esquema de revezamento.
As reuniões são mensais e as conversas com as famílias, diárias, por meio do WhatsApp. “Eu brinco que é uma escola para pais e filhos”, diz a jornalista Carine Leal, de 35 anos. Ela diz que teve dificuldade em se sentir acolhida em escolas quando procurou uma vaga para seu filho Antônio, de 2 anos, e optou pela Aldeia.
“Muitas escolas falam que querem uma criança autônoma, mas têm sempre um adulto dizendo o que ela tem de fazer, que ela terá 40 minutos de parque. Esse tempo picado é uma organização adulta”, acredita a pedagoga Lilia Standerski, de 32 anos, uma das proprietárias da Casa Ubá, na Vila Madalena.
Formada pela Universidade de São Paulo (USP) e também ex-professora de colégios particulares, ela resolveu estudar outras formas de educação para abrir o que ela chama de “casa de culturas da infância”. Com dois anos, já tem fila de espera.
Renato Stefani, de 28 anos, um dos proprietários do Espaço Puri, no Alto da Lapa, completa as críticas às escolas de educação infantil. “Por mais aberta que seja, ela tem de cumprir as metas de aprendizagem. Aqui, ninguém precisa vir fazer alguma coisa. Vamos desenvolvendo os desejos das crianças.”
Quintal
A figurinista Nana Calazas, de 36 anos, transformou a sua própria casa em um espaço de educação para a filha em 2016. Ela fez um acordo com Daniela Gomes Klepacz, de 31 anos, psicóloga que trabalha como professora assistente numa escola particular, e as duas montaram o Quintal Umuarama.
Nana alugou os fundos do imóvel em troca da mensalidade da filha. Hoje a menina tem 3 anos e vai a uma escola regular. Mas o Umuarama continua com outras dez crianças.
A modalidade de “quintal” tem ideia semelhante às outras instituições, mas atende crianças de até 3 anos e em espaços de residências. Há outros novos locais desse tipo pela cidade.
No Umuarama, os pais pagam R$ 990 e têm também participação ativa. Eles têm a chave do portão da casa e ainda limpam e arrumam o local todo dia, quando chegam para buscar os filhos.
“Por ser um lugar menor, temos controle maior da alimentação e de questões como consumismo, sexismo”, diz Nana sobre o modelo. “Não é só levar e buscar na escola, participamos das decisões e discutimos o que surge no dia a dia das crianças”, completa a jornalista Angélica Valente, de 39 anos, mãe da Beatriz, de 2.
Anahi vê as crianças crescendo no Ori Mirim, que começou há pouco mais de 2 anos, e não estabelece uma idade em que elas têm que deixar de frequentá-lo para ir à escola. Hoje o mais velho tem 6 anos, idade do 1.º ano do ensino fundamental. “Se estivermos percebendo o aprendizado e o desenvolvimento delas, continuamos.”
A ex-bailarina Ana Thomaz é uma antiga defensora da desescolarização e inspiração para as novas instituições. Quando seu filho tinha 14 anos, pediu para sair da escola e a atitude mudou a sua vida. Hoje, Ana vive em um sítio no interior de São Paulo, come o que planta e faz palestras sobre uma “nova forma de ver a humanidade”.
Suas filhas menores, de 9 e 11 anos, nunca foram à escola. “Esses pais buscam reconhecer que a gente não é máquina. Não preciso receber estímulos para dar um resultado depois. Eu não preciso de informação para ser humano. O que preciso é criar vínculos. Mas a culpa não é da escola, ela é só um efeito da sociedade.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.