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terça-feira, 24/12/24
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Para PGR, cota parlamentar foi usada para divulgar atos antidemocráticos

Inquérito da PGR aponta uso de cota de parlamentar por deputados bolsonaristas em manifestações pelo fechamento do STF e do Congresso

Protestos: investigadores dizem que grupo bolsonarista arrecadou R$ 10 mil às vésperas do ataque ao prédio do STF (Evaristo Sá/AFP)

A Procuradoria-geral da República (PGR) começou a descobrir o rastro do dinheiro que financia manifestações antidemocráticas favoráveis ao fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF). O GLOBO teve acesso ao inquérito aberto no dia 20 de abril para investigar quem está por trás desses atos. Na semana passada, 11 parlamentares bolsonaristas tiveram o sigilo bancário quebrado, e extremistas, donos de sites e canais no YouTube pró-governo foram alvo de mandados de busca e apreensão.

No despacho em que solicita o cumprimento dessas diligências, o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques, apresenta duas fontes distintas de financiamento de Sara Giromini, líder do movimento “300 do Brasil”. Investigadores receberam informações de que a extremista e seu grupo arrecadaram R$ 10 mil às vésperas do ataque ao prédio do STF com fogos de artifício. Além disso, uma jornalista chamada Jéssica Almeida, que se infiltrou no grupo de Sara para entender como ele funcionava, relatou que “o 300 do Brasil” arrecadou R$ 71 mil por meio de uma plataforma de doações coletivas. A PGR agora vai buscar saber quem está por trás desses repasses.

A PGR também acusa quatro deputados do PSL de usarem dinheiro público para divulgar as manifestações antidemocráticas em suas redes sociais. Segundo o inquérito, Bia Kicis (DF), Guiga Peixoto (SP), Aline Sleutjes (PR) e General Girão (RN) gastaram dinheiro da cota parlamentar para propagar as mensagens virtualmente. Juntos, eles repassaram R$ 30,3 mil para a Inclutech Tecnlogia, empresa do marqueteiro Sérgio Lima, responsável por cuidar da marca do Aliança pelo Brasil, partido que o presidente Jair Bolsonaro tentar criar.

Além desses quatro, seis deputados do PSL tiveram os sigilos bancário, fiscal e telemático quebrados por determinação do ministro do STF Alexandre de Moraes, relator do caso na Corte. São eles: Daniel Silveira (RJ), Carolina de Toni (SC), Alê Silva (MG), Carla Zambelli (SP), Cabo Junio Amaral (MG) e Otoni de Paula (RJ), assim como o senador Arolde de Oliveira (PSD-RJ).

O estopim

Em 19 de abril, Dia do Exército, véspera da instauração do inquérito no STF, milhares de pessoas saíram às ruas do país para demonstrar apoio ao governo Jair Bolsonaro. Parte delas estendeu faixas e bradou contra o Congresso e o STF. O mesmo voltou a ocorrer em 3 de maio. O presidente participou de ambos os eventos e chegou a discursar no do mês passado. Bolsonaro, entretanto, não é investigado.

De acordo com a lei, não são permitidas ações que tenham por objetivo “a mudança do regime vigente ou do Estado de Direito”, assim como não é proibida “a propaganda, e seu financiamento, de processos ilegais para alteração da ordem política ou social”. Também não se pode incitar animosidade entre Forças Armadas e as instituições democráticas. Alexandre de Moraes determinou na semana passada que a Polícia Federal (PF) identifique os responsáveis por bancar os caminhões e trios elétricos que vocalizavam os pleitos inconstitucionais durante a manifestação de abril em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília.

Humberto Jaques justifica no documento: “(…) no ecossistema de redes sociais e propagação de ideias de mobilização social e realização de manifestações ostensivas nas ruas, há participação de parlamentares tanto na expressão e formulação de mensagens, quanto na sua propagação e visibilidade, quanto no convívio e financiamento de profissionais na área.”

A PGR também tratou de calcular quanto sites bolsonaristas podem estar faturando com a transmissão de discursos feitos pelo presidente durante os protestos antidemocráticos. Dois deles podem ter ganhado mais de R$ 150 mil com a exibição dos atos.

A Folha Política pode ter faturado entre US$ 6 mil e US$ 11 mil ao exibir o que disse o presidente durante a manifestação do dia 3 de maio, diz o inquérito. Já em relação ao Foco do Brasil, segundo a PGR, o ganho pode ter alcançado algo entre US$ 7,55 mil e US$ 18 mil com uma transmissão feita no dia 19 de abril.

A arrecadação provém de publicidade, parcerias, assinaturas e eventuais compras de produtos oferecidos pelos canais, detalha Jacques. O cálculo se baseia no relatório de uma empresa especializada em análises estatísticas de páginas do YouTube.

O “Foco do Brasil” mantém um canal do YouTube, com 2,8 milhões de inscritos, em que posta vídeos de Bolsonaro e um jornal que comenta as principais notícias do dia sob a ótica bolsonarista. Na última sexta-feira, o apresentador do Foco do Brasil falou sobre a prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro. Ele ataca a cobertura da imprensa, minimiza o caso e não cita que a prisão ocorreu na casa do advogado da família Bolsonaro.

A “Folha Política” também publica notícias na forma de vídeo. Além de um site, tem um canal no YouTube com 2,05 milhões de inscritos, onde dá espaço a políticos bolsonaristas que atacam ministros do STF e divulgam fake news. Na última semana, a página serviu de palanque para o deputado Daniel Silveira e outros políticos criticarem o ministro Alexandre de Moraes.

Conforme revelado pelo GLOBO no início deste mês, relatório produzido a pedido da CPMI das Fake News, identificou 2,065 milhões de anúncios pagos com verba da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) em sites, aplicativos de telefone celular e canais de YouTube que veiculam conteúdo considerado inadequado. Entre eles estão páginas que divulgam notícias falsas, oferecem investimentos ilegais e até aplicativos com conteúdo pornográfico.

A Secom utiliza mídia programática, um mecanismo que lança mão de algoritmos para determinar quais sites ou aplicativos de telefone celular devem receber anúncios de uma determinada campanha. Essa publicidade é direcionada de forma automática aos sites pelas plataformas, mas é possível ao anunciante bloquear tanto sites específicos quanto categorias de assuntos.

A PGR mira ainda na atuação de empresários, ativistas e assessores parlamentares suspeitos de propalarem os eventos ilegais de diferentes maneiras. Na última terça-feira, a PF cumpriu 21 mandados de busca e apreensão em vários estados.

“ Os frequentes entrelaçamentos dos membros de cada um dos núcleos […] indicam a potencial existência de uma rede integralmente estruturada de comunicação virtual voltada tanto à sectarização da política quanto à desestabilização do regime democrático para auferir ganhos econômicos diretos e políticos indiretos”, sustenta o procurador.

Outro lado

Procurada pelo GLOBO, Bia Kicis afirmou que, “ao contrário das ilações feitas nesse inquérito ilegal e abusivo, os gastos são para divulgação de mandato parlamentar, são legais e estão previstos no regimento da Câmara”.

Aline Sleutjes declarou que nunca apoiou ou participou de movimentos antidemocráticos, publicou em suas redes sociais materiais que tenham relação ou façam alusão a esse tipo de movimento ou financiou organização que fomente tais atitudes.

Guiga Peixoto afirmou “respeitar as instituições e defender a democracia como o único regime que garante a liberdade das pessoas rigorosamente dentro do que é assegurado pela Constituição”.

Em nota divulgada na noite de sexta-feira, a assessoria do deputado General Girão afirmou que nem ele e nem o empresário contratado pelo seu gabinete financiaram nenhuma manifestação, “muito menos antidemocrática”.

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