Caso foi descoberto em janeiro, durante uma operação de âmbito nacional realizada pelo Ministério Público do Trabalho. Essa vítima de 51 anos foi resgatada no apartamento da patroa, para cuja família trabalhava desde 1989, sem carteira assinada
Uma mulher que manteve sua empregada doméstica em condições análogas à escravidão por quase 32 anos, em sua casa em Vila Isabel (zona norte do Rio), foi denunciada nesta quinta-feira (18/2) pelo Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro (MPT-RJ), que pediu à Justiça que ela seja condenada a pagar cerca de R$ 472,5 mil em função da conduta – R$ 272 mil à própria vítima e R$ 199,5 mil à Previdência Social e outros órgãos públicos.
O caso foi descoberto em janeiro, durante uma operação de âmbito nacional realizada pelo Ministério Público do Trabalho. Essa vítima de 51 anos foi resgatada no apartamento da patroa, para cuja família trabalhava desde 1989, sem carteira assinada. Atualmente ela era responsável por cuidar da mãe da ré, uma senhora idosa portadora de mal de Alzheimer. A empregada dormia em um colchão no chão, no mesmo quarto em que a idosa, e guardava seus pertences em um armário dentro do banheiro. A vítima não tinha folgas. No apartamento não havia dependência de empregada nem outro lugar em que a vítima pudesse se desligar do trabalho. A empregada recebia um salário mínimo, mas parte do valor era usada pela empregadora para pagar o plano de saúde para a vítima.
A trabalhadora resgatada foi levada para um hotel, e o gasto com medicamentos, roupas, transporte e alimentação foi bancado pelo Projeto Ação Integrada, desenvolvido pelo MPT-RJ em parceria com a Cáritas Arquediocesana do Rio de Janeiro.
A ré foi notificada a suspender as atividades domésticas realizadas pela trabalhadora e a comprovar, em até dez dias, o pagamento de todos os créditos trabalhistas, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e demais verbas rescisórias. Até o ajuizamento da ação pelo MPT-RJ, a patroa não comprovou esses pagamentos.
Na Ação Civil Pública contra a mulher, o MPT-RJ requer o bloqueio de valores e bens em nome da ré, inclusive o arresto do imóvel onde a vítima foi encontrada, até o valor de R$ 500 mil, montante estimado para pagamento de verbas trabalhistas e indenizações.
Para a vítima, o MPT-RJ pediu que a ré seja condenada a pagar, imediatamente, um salário mínimo por mês (R$ 1.100, em valor atual), a ser descontado diretamente de seus vencimentos, até o julgamento final do processo, sendo a primeira parcela paga em até 48 horas da decisão, já que a vítima se encontra em estado de absoluta necessidade. O MPT-RJ pede ainda que a ré pague todas as verbas trabalhistas não quitadas ao longo desses 32 anos, no valor de R$ 135.707,73. O mesmo valor é pedido a título de indenização por danos morais individuais à vítima, totalizando R$ 272.515,46 para a vítima, além do salário mínimo dos meses subsequentes.
O MPT-RJ também pede que a ré seja condenada ao pagamento do valor atualizado das contribuições previdenciárias devidas, nos termos do laudo pericial, no total de R$ 61.464,81, valor a ser ainda atualizado até a conclusão da ação. Foi pedido ainda que a ré seja obrigada a restituir o valor gasto pelo Projeto Ação Integrada no resgate da vítima, o correspondente a R$ 2.360,09, e outros pelo menos R$ 135.707,73 a título de dano moral coletivo, em benefício da sociedade, a ser revertido conforme decisão do Juízo, com a aquiescência do MPT.
Para a procuradora do Trabalho Vivian Brito Mattos, responsável pelo caso e que participou do resgate, “restou configurado o tão penoso trabalho escravo moderno, agravado pela vulnerabilidade da vítima, uma pessoa com 51 anos de idade, extremamente simples, que teve seus laços familiares e sociais rompidos em tenra idade pela necessidade de trabalho e moradia e por todo trabalho psicológico feito sobre ela para mantê-la em situação de total sujeição e submissão, a ponto de sequer ter consciência da situação de exploração a que foi submetida, por mais de 30 anos.”
Segunda a procuradora, ficou claro que “os grilhões de outrora que restringiam a liberdade de locomoção foram substituídos pelo abuso psicológico, que retirou a autoestima da trabalhadora e a manteve diminuída, anulada e com medo de ter opinião ou mesmo direitos, impedindo-a de romper o vínculo com a patroa por acreditar que aquela era a única relação possível e sem forças para mudar sua própria situação. “