Em São Paulo, não houve uma corrida aos espaços gastronômicos. Há locais que estão lotados em seu limite legal e outros que estão vazios.
O mercado de restaurantes no Brasil tem um perfil um tanto diferente dos outros países. Quem frequenta geralmente acha que está pagando caro; quem recebe os clientes, no entanto, faz ginástica para fechar o orçamento. É por isso que o ramo atrai mais chefs e cozinheiros que desejam empreender do que empresários ou administradores de negócios (ao contrário do que ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos).
A reabertura dos restaurantes em São Paulo, durante o platô da contaminação, criou certo desconforto entre os restauranters: como ganhar dinheiro servindo apenas 30 % de seu salão? Já entre os clientes (especialmente entre os paulistanos), surgiu um dilema hamletiano: ir ou não ir? Muitas pessoas estavam sentindo uma falta enorme de sair de casa e frequentar locais públicos, dispostas a voltar às experiências etílico-gastronômicas. Outras, entretanto, preferiam ficar em casa por mais tempo e deixar as iguarias dos chefs favoritos para outra ocasião.
Em São Paulo, não houve uma corrida aos espaços gastronômicos. Há locais que estão lotados em seu limite legal e outros que estão vazios. Mas uma coisa é certa: percebe-se que os novos frequentadores estão dispostos a esquecer o coronavírus e matar as saudades de seus pratos prediletos (que seguramente não têm a mesma graça quando acondicionados em embalagens de delivery).
Momentos de crise geralmente estimulam o sentimento de hedonismo junto às pessoas. A indústria de entretenimento nos Estados Unidos, por exemplo, deu enormes saltos durante e após a primeira e a segunda guerras mundiais. Música, dança, cinema – para ficar em alguns tópicos da diversão – foram mercados que cresceram nestas épocas.
Mas, dessa vez, há o medo do inimigo invisível. O coronavírus deixa o hedonismo em stand by e desanima muitos donos de restaurantes. Um dos maiores especialistas em carnes no Brasil, Sylvio Lazzarini, dono da rede de churrascarias Varanda Grill, acredita que os restaurantes vão apresentar uma frequência maior apenas no mês que vem. Durante julho, entretanto, as férias e o receio vão afastar os clientes.
“Em nossas casas, a média de ocupação tem sido de 30 %, tanto no almoço como no jantar”, afirma Lazzarini. “Esse índice, em agosto, deverá subir, mas não vai ultrapassar a marca de 50 % de lotação tão cedo”. Lazzarini diz que criou um ritual ao receber sua clientela em seus restaurantes: ele retira, por alguns instantes, a máscara de proteção para mostrar o sorriso. Só que isso acaba provocando calafrios em uma minoria – tanto que ele tem reservado o gesto cordial apenas aos amigos mais próximos.
O percentual de pessoas que estão frequentando as casas de Lazzarini coincide com a enquete feita por MONEY REPORT há algumas semanas, quando perguntamos se os internautas voltariam a frequentar bares ou restaurantes quando fosse possível. Apenas 30 % das respostas foram positivas. E, em média, é o que está acontecendo em terras paulistanas.
Nos shopping centers, os restaurantes estão abrindo para jantar e têm conseguido um fluxo razoável – cerca de 40 % do volume pré-pandemia. Em compensação, aqueles que dependiam do fluxo das empresas, como nas regiões da Paulista ou da Vila Olímpia, estão enfrentando dificuldades. Movimento bem fraco, pois os grandes escritórios continuam apostando em deixar boa parte de sua força de trabalho no regime de home office. “No caso dos shoppings, se pudéssemos abrir desde a hora do almoço, tenho certeza de que haveria um bom público”, arrisca Juscelino Pereira, dono das casas que levam a marca Piselli.
A rentabilidade dos restaurantes foi comprometida não apenas pelo protocolo de combate ao vírus, mas também pela queda nos tíquetes de consumo. Um dos grandes vetores de receita dos estabelecimentos é o consumo de bebidas alcoólicas. Mas os clientes, em boa parte, preferem se deslocar em seus próprios veículos para não compartilhar o transporte com desconhecidos. E, assim, relutam em beber e dirigir na sequência.
O fator psicológico é preponderante para as pessoas que saem de casa e encaram os restaurantes. Apenas uma minoria teve contato com o coronavírus e desenvolveu anticorpos. “A grande maioria está mesmo de saco cheio de ficar em casa, mas nem todos têm coragem de assumir o risco”, diz o chef de um grande restaurante de São Paulo. “Alguns têm até excesso de confiança, mas muitos simplesmente cansaram, pois o ser humano não foi feito para ficar no isolamento”.
Até inventarem um vacina, seguimos numa toada em que o futuro é imprevisível. A pandemia retrocederá, como mostram alguns estudos sobre as grandes áreas contaminadas? Haverá uma segunda onda? A população já imunizada estará sujeita às mutações do coronavírus? Ninguém sabe responder essas perguntas com certeza absoluta. Apenas uma coisa é certa: muitos empreendimentos irão sucumbir, e vários deles – infelizmente – serão restaurantes.
Não temos apenas uma relação comercial com esses estabelecimentos, mas também afetiva. São locais que marcaram acontecimentos importantes em nossas vidas e foram palco de celebrações inesquecíveis. Muitas vezes, o propósito inicial dessas casas – alimentar pessoas – não tem tanta importância quanto o clima de acolhimento dos funcionários e a memória afetiva que só a gastronomia e a música podem oferecer. Por isso, aqueles que se sentem seguros em sair de suas residências (ou já estão imunizados) podem ajudar seus restaurantes favoritos. Eles não são apenas empreendimentos. São uma extensão de nossas vidas e palco de acontecimentos importantes para nós. Ajudá-los é preservar nossas memórias e abrir espaço para novas celebrações que vão gerar lembranças importantes no futuro.