Estudo da Unaids mostra que, no Brasil, discriminação dos portadores não diminuiu desde que a doença foi descoberta. 64% admitiram que já sofreram alguma forma de ataque
Na contramão da evolução do tratamento destinado aos portadores do vírus HIV e da síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids), o preconceito sofrido por pessoas afetadas não diminuiu ao longo dos anos desde a descoberta da doença. Estudo feito pela primeira vez no Brasil mostra que 64,1% dos afetados já sofreram alguma forma de discriminação pelo fato de viverem com HIV e/ou Aids. Muitas vezes, o prejulgamento está dentro da própria casa: 41% do grupo entrevistado dizem ter sido alvo de comentários preconceituosos vindos de membros da própria família. Os resultados do levantamento foram divulgados nesta terça-feira (10/12), no Dia Internacional dos Direitos Humanos.
O Índice de Estigma em Relação às Pessoas Vivendo com HIV/Aids – Brasil ouviu 1.784 pessoas em sete capitais, sendo Brasília uma delas. A iniciativa do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids), com outras entidades parceiras na luta contra o HIV, visa mostrar que o preconceito atrapalha muitas vezes o diagnóstico e o tratamento da doença. O diretor interino do Unaids no Brasil, Cleiton Euzébio de Lima, avalia o resultado do estudo como impactante.
“A gente sempre soube que há muito estigma em relação ao HIV, mas o estudo traz dados de como essa discriminação acontece em diversos setores. Quando vemos esse conjunto de informações, percebemos que essas pessoas não têm lugar ou setor da sociedade em que elas não sofram discriminação.”
Um dos dados mostra que o medo da discriminação é o que mostra que 20% das pessoas que vivem com HIV ou com Aids não admitem aos parceiros fixos a sua condição. “Usualmente, a família é uma fonte de suporte, mas, para muitas pessoas com HIV ou Aids, não é assim”, observa Cleiton.
Recentemente, o Ministério da Saúde divulgou que 135 mil pessoas vivem com HIV no Brasil, mas não sabem. Para o diretor do Unaids, o preconceito detectado pelo estudo está diretamente relacionado à informação. A pesquisa inédita aponta que 25,4% dos entrevistados evitaram fazer o teste por medo da reação dos outros, caso o resultado fosse positivo.
“Não temos como dizer qual o percentual dessas 135 mil pessoas que estariam sendo afetadas pelo estigma. Mas, com certeza, podemos afirmar que esse tabu que se tem em torno do HIV faz com que muitas pessoas tenham medo de se testar e procurar o serviço de saúde”.
Pressão por mudança
Angelo Brandelli, pesquisador da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) que participou da elaboração do estudo, acredita que os dados por si só são uma ferramenta importante de mobilização política. Além disso, ele afirma que a forma como o índice foi desenhado também ajuda no processo de mudança. A pesquisa foi feita por pessoas que vivem com HIV e/ou Aids que entrevistaram outras que também convivem com doença.
“Esse desenho permite que o processo empodere as pessoas nesse movimento de pressão e modificação.”
Vanessa Campos, 47 anos e portadora de HIV e Aids há 29 anos, foi uma das entrevistadoras do Índice. “Foi um processo de muita conversa para que essas pessoas entendessem que iam se abrir com alguém que também vive com HIV como elas”, conta Vanessa, que conversou com 98 pessoas.
Segundo ela, se expor e mostrar a cara é necessário para derrubar o preconceito. “Descobri o HIV com 19 anos em 1992 porque meu então namorado, e primeiro parceiro sexual, morreu de Aids. Antes nós nos escondíamos para morrer e eu fiquei assim durante muitos anos. Até que, em 2016, me expus publicamente. Acredito que é necessário dar voz a essas pessoas que entrevistamos.”